Fecho.
Eu estava no meu quarto, despejado na cama que me abraça sempre que preciso de repouso para o dia seguinte. Era noite, já que a janela trazia para dentro do quarto o azul-oceano que era a mistura das trevas com o esforço da Lua em trazer luz ao mundo apagado. Deviam ser por volta das duas da manhã, ao menos era o que a minha mente recém-desperta me fazia acreditar enquanto lentamente acordava por causa do frio do ar que penetrara os cantos expostos dos lados superiores do edredom. Isto acontecia com frequência durante o inverno na minha vida fora dos sonhos, então não me parecia haver nada fora do normal. Parecia real.
Ia começar a me reajustar na cama para voltar ao sono na posição mais confortável e aconchegante em que eu pudesse me deitar quando me apercebi que não conseguia mexer os meus membros. Não só isso. Não conseguia mexer o meu corpo inteiro. Não conseguia mexer fosse o que fosse, com exceção dos meus olhos, os órgãos que deveriam ser os mais inertes numa situação destas.
Podia ver o cobertor que escondia tudo que estava dormente da cabeça para baixo, podia ver o estribo de madeira da cama, as paredes brancas — neste caso lilazes já que eram iluminadas pelo luar fraco vindo da janela — aos meus lados e frente, o rádio antigo por cima da mesa de cabeçeira esquerda que uso como despertador e a luz dos números das horas que este marcava e, por fim quanto àquilo que tinha relevância, a janela que me informava como estava o mundo do lado de fora, ofuscada por finas cortinas de seda.
Podia ver o que me circundava, embora dificilmente já que meus globos oculares sofrem de ametropias desde que existo e não podia alcançar os meus óculos à mesa de cabeçeira à direita, e nada mais eu podia fazer, senão cogitar: por quê?, isso nunca aconteceu antes... Neste momento de confusão, outro órgão provou não estar inativo: ouvi passos do lado de fora da porta do meu quarto.
Não eram humanos, não podiam ser. Eram ágeis e escorregadios, como os de um quadrúpede que passeia pela casa, e eram frenéticos, movimentando algum ser de um lado para o outro com grande velocidade. Muito pouco de seguida os passos estavam agora dentro do meu quarto, o que não fazia sentido pois a porta do quarto estava fechada e não a ouvi abrir antes que passasse a notar que algo tinha entrado e estava no mesmo cômodo que o eu imobilizado e vulnerável.
Os passos frearam quando entraram no quarto, passeando de um lado para o outro com mais calma. Primeiro ouvi-os à frente do estribo da cama – único momento que fez mínimo sentido que eu não visse nada fora do ordinário –, depois à minha esquerda, onde era suposto eu poder ver algo, depois à minha direita, sem eu ainda poder ver o que era aquela... coisa... que espreitava da escuridão. Eu só ouvia. E sentia.
Com um ínfimo resto de esperança que aquilo era algo que pertencia ao mundo real e explicável, decidi tentar comunicar com a criatura, com uma possível explicação em mente: e se for o cão?... Ele tem o pêlo todo negro, talvez seja por isso que eu não o veja? Era improvável, visto que o Athos nunca fica dentro de casa às noites, mas quem sabe ele tenha entrado de algum modo ou por alguma razão que eu desconhecesse por ter estado ausente da realidade no sono. Não era mesmo provável, mas eu precisava me agarrar a algo que me acalmasse. Então abri a boca para falar com uma dificuldade que eu nunca antes sentira para falar:
— A-A-A... A-th-th-os?... — gaguejei, como se houvesse uma pedra na minha garganta.
Esperava ouvir tudo menos palavras em resposta.
— Athos... Athos... Athos... Athos... — retrucaram dezenas de vozes sussurrantes, vezes repetidas.
Meu único desejo foi gritar neste momento, mas a minha voz mal dispunha de força para murmurar. Meu desespero me constrangiu a insistir na crença impossível de que aquele ser que rodeava o meu quarto era só o Athos, então continuei:
— A-A-th-os... Ath-th-os... Ath-o-o-s... — lágrimas salgaram de terror a minha boca entreaberta que não conseguia parar de repetir as mesmas sílabas dispersas.
— Athos... HAHAHAHA Athos... Athos... Athos... HAHAHAHAHAHA
Elas gargalhavam da minha cara encharcada e sem expressão, que não era capaz de expor o fato de que eu me sentia tão frágil como uma lebre de carne perfurada, na boca ensaguentada de um lobo. Nunca desisti, porque tinha medo demais para ter de ouvir só os sussurros ao invés de ouvir a eles e à minha voz debilitada, junto com os passos que agora pareciam correr ao redor de todo o meu quarto, as paredes e o teto.
— A-th-th-o-os... Ath-th-o-os...! — persisti em chamar, em gemidos pausados de consoantes e vogais. Já sabia que não era o Athos. Só queria que ele surgisse e afastasse os demônios.
— Athos... Athos!... Athos!...
Abro.
Okuduğunuz için teşekkürler!
Ziyaretçilerimize Reklamlar göstererek Inkspired’ı ücretsiz tutabiliriz. Lütfen AdBlocker’ı beyaz listeye ekleyerek veya devre dışı bırakarak bizi destekleyin.
Bunu yaptıktan sonra, Inkspired’i normal şekilde kullanmaya devam etmek için lütfen web sitesini yeniden yükleyin..