Coincidências, às vezes amargadas como um limão e outras tão doces quanto mel. E nesse caso, naquele dia, foi uma completamente agradável.
Naquela semana, Kakyoin andava estabanado, distraído e completamente inerte ao mundo, tudo isso tinha uma razão: Estava com uma exposição marcada e não havia pintado um mísero quadro ou esboçado um desenho sequer.
Nessa época, não conseguia medir um espaço sem bater em algo e, então, reclamava com o infeliz que cruzou seu caminho e atrapalhou seu trajeto. Nem sempre era sua culpa, tampouco a sua capacidade de se envolver em confusões por razões idiotas.
Sua cabeça andava nas nuvens nos últimos dias, olhando em volta qualquer detalhe, paisagem ou situação que pudesse servir de inspiração para uma nova criação.
Entretanto, naquele dia que estava atrasado para uma reunião na faculdade que lecionava como professor de história da arte. E ainda sim, não dispensaria nem por todas as reclamações o seu cappuccino de chocolate com cereja.
Contudo, as coisas tendem a piorar.
Se virou bruscamente após pegar o copo com sua bebida às pressas e, foi aí que o estrago aconteceu:
Esbarrou com um desconhecido e teve a sua blusa completamente suja pelo líquido quente que carregava.
Só que dessa vez e por incrível que pareça, de fato a culpa havia sido do grande desgraçado que não saiu da sua frente.
E então tinha duas opções:
1º Matar o filho da puta.
2º Xingar o filho da puta.
Em ambas o homem bonito dos cabelos vermelhos queria destruir aquele ordinário de alguma forma, seja fisicamente ou moralmente. Mas...
Sim, havia um mas em toda aquela situação problemática.
Não se sabia ao certo se foram os olhos meio verdes-água ou o sorriso bonito do um moço que ficou extremamente sem graça e preocupado por ter provavelmente acabado com o dia de alguém.
Entretanto, a realidade que Jotaro não queria admitir nem sequer por alguma divindade, era que se perdeu olhando tão atentamente para os cabelos de fogo do homem em sua frente, que no momento que ele se virou, não soube exatamente como reagir...ainda mais por encarar os olhos que quase beiram um lilás. Lindos, diferentes e que contrastavam maravilhosamente bem com todo o resto.
Nenhum dos dois soube exatamente como esboçar uma reação, porque mesmo que quisesse, as palavras fugiram da boca de ambos como mágica.
- Yare yare daze… – E então Jojo quebrou o silêncio. – Eu não quis fazer isso. Desculpe. – Respondeu preocupado.
Isso não era do feitio de Jotaro, se fosse qualquer outra pessoa, teria sido xingada ou escutaria um “a culpa foi sua”. Menos dessa vez.
Não se lembrava da última vez que ficou tão paralisado por alguém na rua como aconteceu a poucos segundos atrás. Por outro lado, Kakyoin ficou ainda mais paralisado em seu lugar, agora admirando a voz bonita do rapaz a sua frente. Muito, até demais.
- Está...tudo bem. – Agora sim, conseguia esboçar algum sentimento. Não sem tirar os olhos do rosto dele. – Eu tenho outra camisa no carro para emergências como essa.
- Entendo. – Disse, aliviado. – Mas me deixe pagar a lavanderia, por favor. – Fez o pedido, nem tanto pela culpa de ter sujado aquela roupa...e sim pela vontade de vê-lo novamente.
- Não, não precisa. Está tudo bem.
- Por favor, eu insisto. – Deixou um cartão com telefone. – Me chamo Jotaro Kujo. Trabalho aqui perto, ali naquele prédio. – Apontou para um edifício azul. – Me ligue para resolvermos isso.
E antes que Noriaki pudesse responder, ele se virou
Kakyoin ficou por alguns minutos olhando para o cartão em suas mãos, com um telefone celular de um desconhecido que havia acabado de sujar sua roupa. Qualquer outra pessoa havia sido trucidada naquele mesmo momento, porém não ele. Porque havia parado de falar quando encarou os olhos da cor do mar?
Deixou isso de lado, estava atrasado.
X
Três dias haviam passado do incidente da cafeteria, Noriaki havia tentado tirar a mancha por conta própria, porém não conseguia. Não que queria que pagassem, mas era questão de honra e principalmente: De não admitir que esquecer-se daqueles olhos azuis era praticamente impossível.
Jotaro, por sua vez, não conseguia sair de perto do celular nem sequer por alguns minutos. Quais as chances de ele ligar? De zero e nenhuma, mas a esperança que tinha dentro de si era maior que qualquer coisa. Ou melhor, maior até mesmo que a sua insegurança.
Olhava para fora de sua varanda, observando as folhas do outono caindo e um detalhe em vermelho lhe chamou atenção, obviamente se recordou dos cabelos do rapaz que provavelmente ele foi o causador de problemas daquele dia.
Tragou o cigarro em sua boca e sentiu uma enorme vontade de tentar voltar naquele estabelecimento na vã expectativa de encontrá-la novamente. O telefone tocou, olhou de relance e franziu o cenho ao perceber que o número lhe era desconhecido. De qualquer forma, poderia ser um cliente ou algo do tipo.
- Alô? – Falou, ainda olhando para o céu de sua janela.
- É o senhor Jotaro Kujo?
- Sim, é ele. Quem é? – Perguntou agora, prestando atenção na ligação.
- Não sei se o senhor irá lembrar, mas...você derrubou café em minha camisa essa semana. Me pediu para que te ligasse sobre a lavanderia. – O coração dele acelerou, um sorriso brotou em seus lábios no mesmo instante. E daí se tivesse que pagar algum valor pela roupa? O que importava de fato era vê-lo novamente.
- Oh, sim. Você quer que eu vá com você para pagar o estrago que fiz em sua roupa? – Dessa vez, foi a vez dele rir do outro lado do telefone.
- Na verdade não...olha, me desculpe se estou sendo evasivo ou algo do tipo, mas...Tem uma lavanderia que fica próximo a um cafeteria, no centro de Tokyo. Eu adoraria...tomar um café com você.
X
Jotaro suspirou o cheiro de café ao entrar no estabelecimento, aquela sensação era diferente de tudo que já havia sentido, sentiu um frio na espinha e pensou em mil possibilidades, incluindo aquilo não dar certo e ter levado um bolo. Porém, tudo isso começou a se dissipar quando seus olhos avistaram próximo a janela um aglomerado de fios vermelhos.
Caminhou em direção a mesa, percebendo que ele estava rabiscando algo em um caderno de desenho. Tocou levemente o ombro do rapaz distraído e recebeu um olhar em troca de Noriaki, sorriu em vê-lo, retirando os fones de ouvido e guardando os papéis.
- Senhor Kujo. - Exclamou, vendo Jotaro sentar-se em sua frente.
- Não precisamos de formalidades, me chame apenas de Jotaro. - Respondeu, não conseguindo parar de olhar para o seu companheiro de mesa.
O silêncio que compartilharam foi confortável, Kakyoin constantemente olhava para a janela como se buscasse algo diferente ou, quem sabe, as palavras certas para dizer.
- Eu gosto do outono. - Disse, atraindo a atenção do Kujo. - Esse ambiente me deixa um pouco...distraído.
- Só tome cuidado para não derrubar café em alguém enquanto olha a paisagem. - Os dois acabaram rindo com a brincadeirinha de Jotaro. - Vou buscar algo para beber, já volto. - Se levantou, indo em direção ao caixa.
Noriaki pegou novamente seu caderno, olhando para o homem parado a poucos metros longe dele. Aqueles dias após o acidente, foram extremamente esclarecedores.
Sempre foi alguém muito bem resolvido sobre o que sentia, mas, foi pego de surpresa quando percebeu que um acidente como aquele o ajudou muito mais que a paisagem das tardes que sentava-se na praça a espera de uma inspiração.
Desde que cruzou seu caminho com Jotaro, não conseguia parar de desenhar. Pintou três quadros em um dia, todos em tons de preto, azul e verde.
E por causa disso, queria agradecer de alguma forma.
Quando viu que ele voltava para a mesa, tratou de rabiscar com o lápis azul mais um detalhe no papel, finalmente finalizando o que estava fazendo.
Jotaro se sentou, bebericando um gole generoso do café amargo que tanto gostava.
- Eu tenho algo para te dar. - Disse, o encarando.
- Eu sujo a sua camisa e você quer me dar um presente? - O Kujo ergueu uma sobrancelha, arrancando um sorriso de Kakyoin.
- Sim. - Retirou a folha do caderno, entregando a ele. - Desde que você apareceu e fez aquela bagunça, a minha inspiração para pintar voltou. Então sim, mesmo que você tenha estragado a minha camisa favorita, eu lhe devo um presente.
Jojo não falou mais nada, apenas pegou o papel e olhou atentamente.
E depois disso, ficou ainda mais impossível esboçar algum tipo de palavra, frase ou agradecimento.
Era um retrato dele, em tons de azul, pode notar que ao fundo, existia uma praia e algumas estrelas em volta.
Se pegou pensando em como um desconhecido conseguiu captar tão bem tudo que gostava e fazia parte de si, com certeza, guardaria aquela obra de arte por muito tempo.
E quando pensou isso, não estava se referindo exatamente ao presente; e sim, quem havia dado.
- Obrigado. - Foi o que conseguiu dizer, apertando a folha em suas mãos. - Ficou...lindo.
- Espero que tenha gostado das estrelas e da praia. - Kakyoin deu de ombros. - Me perdoe, imaginei que iria gostar por causa do seu trabalho. No seu cartão dizia que você é biólogo marinho.
- Sim, eu gostei, principalmente desse detalhe. - Sorriu. - Mas ainda me sinto no dever de pagar o estrago que fiz em sua camisa.
- Façamos o seguinte. - Noriaki se debruçou um pouco na mesa. - Ao invés de pagar a lavanderia, você paga o café na próxima vez que saírmos.
- Feito. - Falou, com um sorriso no rosto.
X
Naquela tarde vazia de outono, dois anos depois, Noriaki terminava de pregar na parede o quadro emoldurado com uma folha de papel. Alí, estava o desenho que fez quando uma súbita aura sem inspiração pairou sobre sua vida. Aquilo não tinha um significado especial apenas por esse detalhe, e sim, por aquilo trazer um dos maiores presentes que ganhou em toda sua vida.
As saídas para tomar café, ir em parques, cinemas e visitas a casa um do outro rendeu algo muito mais especial que uma exposição de sucesso: Um noivado.
Agora, Noriaki terminava de trazer suas coisas para o apartamento que alugou com Jotaro.
Como uma recordação, a mancha de café continuou na camisa que passou a ficar em um lugar de destaque em seu armário, para nunca mais esquecer da doce coincidência que a vida lhe deu.
''Você me ligou naquela tarde vazia e me valeu o dia...''
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