Fanfic feita em homenagem a menina Vitória que foi encontrada morta duas semanas depois do seu desaparecimento.
“O momento mais importante da sua vida é quando você a pega nos braços. O corpo é pequeno demais e você sente medo de deixá-la cair e, desajeitado, abraça o pequeno pacote embrulhado em uma manta felpuda, procurando fechar bem os braços como uma segurança extra. O rostinho enrugado continua sereno, a mãe já a alimentou e ela está sonolenta. Você se pergunta como pode amar tanto assim um ser que você acabou de conhecer.
Mas você não realmente a conheceu agora, não é mesmo? Durante nove meses vocês conversaram; ela bem animada com sua voz, se mexendo em resposta às suas perguntas, parecendo ainda mais agitada do que o normal — já a mãe sofrendo com a dor nas costelas atingidas. Você sentiu o primeiro chute, sofreu um mini infarto quando, no ultrassom do quinto mês de gestação, ela abriu as pernas e te mostrou que era uma garota. Ela é uma extensão de você, a sua princesa.
Nos primeiros meses tudo é novidade, o amor que lhe tomou assim que a viu crescia mais e mais sem reservas, barreiras ou limite. Ela é tão preciosa, que até o sono que ela te tira lhe faz feliz. A mãe também está animada, querendo vê-la andar, falar e a ansiedade de serem amigas confidentes consumia seu peito.
E você a assiste crescer, o pequeno pacote que você tanto temia deixar cair agora conseguia andar sozinha pela casa e, nossa, ela não poderia ser mais espoleta — mexia na maquiagem e roupas da mãe, chamando feliz pelo pai para mostrar como estava bonita, e ela realmente estava. Era uma alegria só e cada dia era uma nova novidade, você nem piscou e já se passaram um ano e você se pergunta confuso quando foi que ela ficou daquele tamanho.
A primeira palavra foi papai, mas agora ela já estava esperta, vocês conversavam como adultos e volta e meia ela reclama sempre que você reforça sua decisão de que: nada de namoro antes dos trinta!
— Mas aí eu já vou tá muito velha e ninguém vai me querer, papai!
— Ora, melhor ainda, assim eu vou ter essa princesa só pra mim.
A conversa com um tom muito sério, acaba com uma dose de coceguinhas e pedidos de clemência em meio às risadas e, no final, ela parece chateada, fazendo biquinho e virando o rosto, mas no fundo tudo o que ela quer é ser para sempre a princesinha do papai. E ela é, mesmo depois dos seis, onde a alma mais delicada vai embora e tudo o que ela quer é bater nos coleguinhas chatos, correr pela rua e se sujar de terra.
A mãe não sabe o que fez de errado, como foi que sua princesa virou uma moleca? Mas o pai não liga, na verdade, ele gosta, pois agora eles jogavam futebol, brincavam de lutinha, assistiam desenho e, a melhor parte, foi que a ideia de namorar ficou esquecida.
— Papai, os garotos são chatos. Nunca vou querer namorar!
— Sim filha, o único cara legal é o papai.
E a paz reinou porque gostos e comportamentos jamais mudariam quem realmente ela era e a importância que tinha em sua vida, ela seria para sempre o pacotinho precioso em seus braços, mas ao mesmo tempo que assisti-la crescer te alegra, um sentimento melancólico te toma. Você se orgulha de quem ela está se tornando, mas seu peito sempre aperta quando você se lembra que logo mais ela vai querer abrir as asas e voar. Ela acabou de fazer doze anos e já pensa seriamente naquilo em que quer se formar — nada de bailarina, como a maioria das garotas, nem mesmo cantora, como você esperava; agora ela queria ser uma ótima veterinária para cuidar dos bichinhos. Sua criança, sua princesa, está crescendo diante dos seus olhos e no seu peito mal cabe o seu orgulho.
A mente dela é forte, ela é decidida e continua uma menina brincalhona, mas está mais responsável e é bastante inteligente, mais de uma vez você se pega a observando, chocado com como o tempo passou rápido demais; orgulhoso pela evolução dela e saudoso porque você não quer deixar as suas brincadeiras para trás, como pai, você quer tê-la debaixo das suas asas para sempre. Seu maior medo é o que o mundo cruel pode fazer com ela quando seus olhos não estiverem a vigiando, você tem medo que, mais para frente, você não tenha mais tanto espaço na vida dela. Você mesmo cresceu, você sabe que, no futuro, ela irá criar a própria família e o tempo para vocês dois pode ser curto demais.
Enquanto ela está ali, você é o melhor amigo dela; seu cúmplice quando ela come chocolate escondido da mãe antes da janta, o protetor quando ela ameaça os coleguinhas de aplicar “os golpes que o papai me ensinou” e é simplesmente o melhor pai do mundo, o cara que a criou com muito amor e quem ela ainda chama de papai mesmo fazendo agora treze anos.
Acontece que, ao ter um filho, sua vida deixa de ser sua e tê-la, a sua garotinha, a sua menininha, a sua princesa, é ainda maior e seu coração não é mais seu, ele é dela agora. E ter o seu coração arrancado do peito teria doído menos do que tê-la arrancada dos seus braços.
Em um dia qualquer, em uma semana qualquer, em um mês qualquer, toda a sua vida mudou, sua filha saiu para o colégio, como rotineiramente faz, mas ela não voltou. Seu peito, comprimido pelos temores e sua cabeça cheia de ideias ruins, te alertam que aquilo não é normal, que sua garotinha jamais sairia pra qualquer lugar sem pedir ou sem que o pai leve.
No dia seguinte, assim que amanhece, você recorre à polícia.
— Ela foi para a escola e não retornou.
O policial que toma nota de tudo que você informa parece tentar controlar o olhar de pena, assim como você, ele tem os mesmos pensamentos ruins e você sente a sua esperança sendo engolida junto com cada minuto que passa.
— Em qual horário ela estuda?
— Na parte da manhã.
— Em qual instituição?
— Centro Educacional 11 norte.
— Em qual horário ela normalmente retorna para casa?
— Às uma da tarde, no máximo.
Após o nada sutil interrogatório do delegado, as buscas foram iniciadas. Cada hora que passa é uma tortura, seu desespero tomou conta do seu raciocínio, e você mal consegue processar o que acontece ao seu redor. Onde ela está? Não saber o mata lentamente. Você não dorme, não come, se sente atormentado e a ansiedade não tem fim, é exatamente como estar preso em um pesadelo onde você se debate, mas não acorda e, como em todos os sonhos ruins, você apenas quer que chegue ao fim.
Mas foi exatamente em um pesadelo que você despertou.
Depois de duas semanas de buscas intensivas, o corpo de uma garota com tamanho, estatura e perfil físico parecidos com os que você informou para a polícia, foi encontrado. Você e sua esposa são chamados para reconhecer o corpo e com o coração na mão, rezando para que não seja ela, você vai ao local e o cenário te traz arrepios, vocês estão em uma estrada perigosa, fora das rotas mais conhecidas da cidade, e tudo o que tem ao redor é mata. Angustiado, você se apoia em sua esposa, aguardando que retirem o corpo, um policial vem a seu encontro e de alguma forma você sabe que sua sentença foi dada no momento em que você vê os seus olhos tristes.
— Encontramos a mochila dela a alguns metros do corpo.
A bolsa que, até então, você não reparou por estar agoniado demais, é exatamente igual a que você deu para a sua filha.
De pouco a pouco você se sente sufocar na mesma velocidade em que seus olhos acompanham o policial retirando os objetos da mochila, item por item, todos os materiais que você comprou para ela e, em câmera lenta, você vê ele tirar a carteira estudantil com a foto da sua garotinha. Aquele breve instante foi como ser atropelado por um caminhão e, sem aguentar aquela visão, você vira o rosto em direção da sua esposa, a mulher que gerou aquela menininha com tanto amor, apenas para encontrá-la tapando a boca, o grito preso na garganta e as lágrimas rolando soltas pelo seu rosto.
— Eu…
Mas sua fala não sai e você passa a respirar em goles rápidos e estrangulados, não sendo capaz de ver um palmo à sua frente até que, de repente, sente os braços magros da sua esposa ao redor da sua cintura e ela carinhosamente coloca seu rosto contra o pescoço dela.
— Vai... Vai f-ficar t-tudo bem.
Mas os soluços dela apenas servem para que você se descontrole. Sem perceber, você tenta avançar, querendo correr até esse corpo para ter o alívio de ver que não é a sua princesa ali. A polícia, no entanto, não te deixa passar porque aquela era a cena de um crime e a imagem de sua criança jogada no chão, sem roupas e muito machucada, não seria nem um pouco agradável, mas mesmo não a vendo sua mente conseguia imaginar com perfeição a cena e sua fúria era tamanha que, em algum ponto, você quis agredir alguém. Sua esposa tenta te acalmar, mas as lamúrias e a voz embargada apenas aumentam a sua ira.
— Eu sei que não é ela! Não é minha Kiyoko, eu sei!
Sua negação e seus gritos não passam de uma canção infeliz de um homem devastado.
Em momento nenhum deixaram com que você a visse e depois de algumas horas de pura angústia, dor avassaladora e muita conversa com os policiais, você finalmente teve permissão para identificá-la.
O seu rosto alvejado e marcado nunca mais sairia da sua mente.
Nos dias que antecederam ao enterro, você sobrevive como uma casca vazia; sem alegria, vida ou qualquer outra coisa. Como em um loop sem fim você se lembra exatamente como se sentiu na primeira vez que a pegou no colo, sua mente então continua a viajar e você se lembra de quando ela abriu os olhos, lhe deu um sorriso banguela e apertou seu dedo com força, não permitindo que você se afastasse dela; você se lembra do exato momento em que ela te chamou de papai; se lembra dos primeiros passos, onde ela deu um impulso e se jogou em seus braços que a esperavam abertos — e sempre esperaria. Sua noção de realidade vai se esvaindo, você se afunda em uma ilusão, vendo com exatidão o primeiro aniversário, onde ela foi toda enfeitada de rosa, mas sujou o rosto e o vestidinho rodado com bolo — você se permite afundar em memórias perdidas, como quando a ensinou a andar de bicicleta ou quando a ensinou a jogar basquete; ou aquele momento único onde a ensinou a derrubar alguém com um golpe de luta que te acertou bem no meio do seu estômago. Preso na sua própria mente e fugindo da sua própria dor, você renega a realidade, tendo a absoluta certeza de que aquilo era só um horrível pesadelo.
Porém não havia como fugir do rito de passagem e o final da sua jornada como um pai amoroso que deu seu coração para sua filha termina com seus olhos assistindo o caixão abaixando a sete palmos do chão.”
Ao terminar a leitura da redação sobre a minha família, levantei os olhos, não ficando surpresa por encontrar todos os presentes em um profundo e desagradável silêncio. Evitei olhar para o fundo da sala onde meus pais estavam e respirei fundo três vezes para conseguir falar sem chorar, eu havia ensaiado essa apresentação com muito empenho e em todas as vezes cai no choro antes de concluir a leitura, entretanto, dessa vez, eu senti que seria diferente. Me senti forte o suficiente para dizer tudo o que precisava.
— Sua redação foi muito tocante, Akemi, poderia nos dizer qual foi sua inspiração?
Olhei para a professora, esta que mantinha os lábios levantados em um sorriso forçado, e desviei o olhar em seguida, observando a todos na sala. Meus colegas de classe pareciam confusos, sem entender o que eu realmente escrevi, já os adultos e pais presentes na nossa pequena reunião do dia da família estavam com o rosto genuinamente chocado.
Eu sabia que essa reação era completamente normal já que não se é esperado algo desse nível ser escrito por uma criança de treze anos.
— Eu perguntei para meu pai sobre a minha irmã mais velha. — respondi envergonhada. — Ele me contou tudo sobre como foi ser pai pela primeira vez e foi muito legal conhecer mais sobre a Kiyoko, mas — meus olhos caíram, a tristeza retomando meu coração com força. — ...Eu sempre percebi essa melancolia e tristeza quando falam dela, por isso eu pesquisei sabendo bem que minha irmã foi assassinada.
O silêncio sepulcral voltou a tomar conta da sala. Agora todos estavam desconfortáveis, sem exceção e eu achei aquilo de uma hipocrisia sem tamanho. “Tenham pena, mas jamais toquem no assunto” era o que parecia ser o acordo absoluto entre os adultos, mas as coisas não eram tão simples assim, pois o mundo chegou em um nível de maldade tamanha e quão mais cedo possível você estivesse ciente do perigo, mais você conseguiria fugir dele.
— Sendo bem sincera, minha vida só começou depois que essa casal machucado apareceu no abrigo onde eu fui criada, — voltei a falar. — eu amo eles e não tenho dúvida de que eles me amam, só que não está tudo bem! — me exaltei, abaixando a cabeça e escondendo as minhas lágrimas com algumas mexas do meu cabelo. — Eu não pude conhecer minha irmã mais velha! Eu não pude fazer travessuras com ela, nem deixar o papai e a mamãe carecas! Na minha família tem um buraco que jamais vai fechar e tudo por que?
Levantei o rosto, encarando a todos com meu olhar magoado, eu tenho exatamente a mesma idade de quando ela morreu e fui adotada quatro anos depois que ela foi assassinada. Kiyoko morreu quando eu tinha quatro anos. Hoje era para eu ter uma irmãzona de vinte dois anos, que me levaria para passear e que trocaria roupas, maquiagens e falaria de garotos comigo.
— Uma família dilacerada por causa de alguns caras cruéis. — limpei grosseiramente as lágrimas no meu rosto. — Homens maldosos que me tiraram a chance de ter a irmã mais incrível de todas.
Olhei bem para meus pais. Papai estava chorando, mas parecia muito orgulhoso de mim, já a mamãe escondia o rosto no peito dele. Bom, eu nunca tomarei o lugar dela e nem quero, a Kiyoko sempre será a princesa do meu pai e eu sou a sua irmã mais nova.
E agora, nove anos depois da sua morte, eu sinto que pude a conhecer um pouco mais através das palavras do meu pai, que estou um pouco mais próxima dela. Da minha Nee-chan.
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