zephirat Andre Tornado

Mike Shinoda tem de seguir em frente depois do desaparecimento de Chester Bennington. A música vem em seu auxílio e ele está preparado para encerrar esse capítulo maravilhoso da sua vida que foram os anos que passou ao lado do grande amigo e companheiro musical. Então, um conjunto de fotos misteriosas reaparece e com essas memórias vem também um enigma que Mike vai desvendar. Assombrado pelo passado, ele vai construir o presente e preparar o futuro, para, por fim, reconciliar-se com a sua perda.


Hayran Kurgu Gruplar/Şarkıcılar Yalnızca 21 yaş üstü (yetişkinler) için. © Linkin Park não me pertence. História escrita de fã para fã.

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I - Adeus


Pés descalços.


Olhava para os seus pés descalços sobre o soalho de madeira encerada, no limiar do compartimento. A porta estava fechada, o umbral era tão assustador como uma passagem para outra dimensão. E tomado desse medo irracional, dessa impressão esmagadora, não podia avançar mais. Não conseguia entrar ali dentro. Quis usar os olhos como voz de comando, mas os pés, obstinados, recusavam-se a franquear aquela fronteira e não obedeciam à insistência do olhar mortiço.


Doía demasiado e ele não era capaz.


Focou-se na sua própria respiração que acelerava, mirando os pés descalços.


Era ridículo, mas simplesmente não conseguia entrar no estúdio de gravação da sua própria casa. Havia demasiadas memórias ali dentro. Dias antes eram lembranças boas, ou nem sequer tinham classificação. Agora eram lembranças que o afligiam ao ponto de lhe cingirem o peito com uma faixa invisível que lhe cortava o ar.


Um lugar cheio de lembranças. Especialmente aquela que martelava dentro da sua cabeça, insistente e corrosiva, que o impedia de avançar. O dia da gravação da parte vocal da canção “What I’ve Done” que haveria de incluir o terceiro álbum dos Linkin Park que se chamaria “Minutes to Midnight”. A canção que seria lançada lançado como o primeiro single desse álbum. Mais tarde o tema integraria a banda sonora do filme “Transformers” e acabaria por se converter num grande sucesso, mais um dos êxitos da banda.


Nesse dia, Chester tinha chegado cedo, antes da hora, o que não era nada habitual nele que nunca cumpria horários, nem compromissos. A matriz sonora da canção estava mais ou menos criada e a voz podia ser acrescentada. Ou, pelo menos, uma versão inicial que podia ser trabalhada posteriormente. Ele tinha resolvido que aconteceria no estúdio da sua casa e Chester não se tinha oposto, aliás, até tinha gostado bastante da ideia, por um simples motivo de comodidade. Tinha uma reunião com amigos mais tarde, um churrasco, e precisava de se despachar.


- Certo, Mike. Eu apareço lá – dissera. – Vamos ser só nós os dois?... Ótimo!


E aparecera, cheio de adrenalina, numa daquelas posturas dele em que era impossível acompanhá-lo. Eletricidade, humor, observações, alusões, tudo num exagero que chegava a cansar se não se estivesse em sintonia. Estava com pressa, olhava muitas vezes para o relógio no pulso, tinha o churrasco para preparar. Era ele que cozinhava sempre que recebia gente em casa. Gostava da pressão de despachar uma tarefa com o tempo contado, um cronómetro malvado em contagem regressiva rápida, a engolir os segundos, como num contador de uma bomba. Era aflitivo.


No entanto, quando começou a cantar, concentrou-se e o primeiro take foi estranhamente sério.


- Ficou bom?


Mike assentira com a cabeça, diante do monitor. Tinha um caroço na garganta. A letra parecera-lhe, de repente, demasiado íntima e pessoal. Sem desfitar o monitor, pigarreou e respondeu, forçando a voz para ultrapassar aquele caroço imaginário.


- Sim, ficou ótimo. Mas vamos repetir… Importas-te? Temos de fazer alguns takes para podermos trabalhar sobre eles…


- Não, claro que não me importo. Um dia normal no escritório. Vamos a isso!


O entusiasmo não condizia minimamente com o que acabava de ser cantado. Mas o Chester era assim. Cantava sobre sombras e depois ria-se às gargalhadas ao apontar algum detalhe que era divertido e toda a gente se esquecia do peso daquilo tudo.


Na verdade, Chester tornava tudo bonito, mesmo que ele, interiormente, não estivesse nesse comprimento de onda.


Uma parte da canção, em particular, vibrava na mente embotada de Mike, que sempre gostara de palavras e, portanto, cada palavra encapsulava um mundo. As palavras não eram coisas levianas, dispensáveis, inocentes. As palavras eram armas – ou não fosse ele um rapper, um letrista, um poeta. Não, um poeta não seria, isso implicava uma certa dose de presunção que não tinha, definitivamente.



I’ll face myself to cross out what I’ve become

Erase myself and let go what I’ve done


Encaro-me para riscar o que eu me tornei

Apagar-me e deixar para trás o que fiz



Tinha havido uma tentativa de suicídio recentemente, por parte do Chester, meses antes daquela gravação. Agarrara num revólver e ameaçara estoirar com os miolos. Embriagado e desesperado, saíra de casa, a mulher chamara a polícia para que o procurassem. Já em casa, ela conseguira demovê-lo, ultrapassaram a crise. Seguiram-se longas sessões de terapia e de arrependimento. Conversas com profissionais, a sério. Conversas com os amigos, num registo mais descontraído. A música ajudava e ele dedicou-se à música. Era dele a letra da canção.


Houve um dia em que contara que precisava de extrair os sentimentos maus e conseguia-o através da criação de canções. Tinha sido sempre assim e Mike não achara nada de extraordinário. Como sempre, apoiara o amigo e incentivara-o, mostrando-se empático e motivador. Aparecera “What I’ve Done”. Uma purificação, como tantas outras. Mike ajudara-o a burilar a métrica, fazendo sugestões e ajustes. Lembrou-se do que lhe tinha dito.


- É uma metáfora para a morte, não te parece?


- Liberdade e arte – replicou Chester. – Eu sou um artista. É assim que consigo passar a minha mensagem, através da insinuação… Nunca ninguém saberá se estou a falar a sério, ou não.


- Todas essas coisas…


Mas quando cantada com aquela voz que arriscava uma certa vulnerabilidade, misturada com o arrojo de uma revolta gritada, adquirira uma consistência que se aproximava mais da verdade do que da mentira. E só no primeiro take.


No estúdio, do outro lado da divisória de vidro, a cabeça de Chester inclinava-se para a direita, escapando-se à barreira formada pelo microfone.


- Mike?


Ele despertou e descobriu-se de pés descalços, à porta do estúdio de gravação, no mesmo lugar onde Chester cantava que deviam esquecer o que ele tinha feito, pois existia um recomeço, algures, que ele desejava. Uma despedida…



In this farewell there’s no blood

There’s no alibi


Neste adeus não existe sangue

Não existe um alibi



A sua cabeça estava uma enorme confusão. A canção fora gravada havia dez anos e tanto que se passara, entretanto, desde esse dia em que o Chester ali estivera a cantá-la, pela primeira vez, até àquele estranho mês de agosto, em que ele padecia com a falta do amigo.


A segunda tentativa séria de suicídio tinha resultado e o Chester tinha partido do mundo no dia vinte de julho de 2017.


Não havia uma ligação direta entre os acontecimentos. Mas como a mente humana sempre procurou padrões para se orientar no mundo aparentemente confuso, a harmonia matemática do aleatório convertida em esquema racional e reconhecível, Mike juntava as peças e os dez anos não significavam nada e era como se ele tivesse estado com o Chester naquele mesmo estúdio no mês passado e este tivesse cantado como procurava aquele fim para se reinventar e ele, estúpido e distraído e egoísta, não se tinha apercebido do grito de socorro, do sinal de alerta.



For what I’ve done I’ll start again

And whatever pain may come

Today this ends

I’m forgiving what I’ve done


Por aquilo que fiz começarei de novo

E qualquer que seja o sofrimento

Hoje isto termina

Eu estou a perdoar o que fiz



Neste instante, Mike arfava, a respiração totalmente descontrolada. Era uma maneira de não desatar a chorar, embora sentisse os cantos dos olhos húmidos. Tinha chorado pouco desde que soubera do que acontecera ao Chester. Disseram-lhe que isso não era bom. Disseram-lhe que era preferível que tivesse aberto as comportas e chorado como uma carpideira. Disseram-lhe que devia ter feito uma cena, que ficasse histérico e selvagem. Impossível, no seu caso. Ele nunca perdera as estribeiras e sempre fora reservado, até em casa, até para si próprio. Tudo derivado da sua educação oriental e, especialmente, japonesa.


Doía muito, mas ele não conseguia reagir de outra forma que não fosse esperar, derrotado e cobarde, do lado de fora do lugar onde poderia, finalmente, exorcizar os seus fantasmas. A dor escavacava-o completamente e ele deixava-se perfurar, deixava-se magoar, inerte e prostrado.


Em choque e de coração partido, mas é verdade.


Quando escrevera esta frase na rede social Twitter para enfim confirmar a terrível notícia aos fãs dos Linkin Park de que Chester Bennington se tinha efetivamente suicidado no dia vinte de julho, viu-se como outra pessoa a fazê-lo, alguém que também iria consolá-lo com aquelas palavras, para que também ele acreditasse na notícia que era inverosímil de tão repentina. Mas é verdade. E essa verdade, por aqueles, dias, ainda custava a ser digerida e absorvida. Não cogitava a possibilidade de que Chester, efetivamente… tinha partido.


Fechou a boca com força, mordendo o interior dos lábios, para se dominar. Inspirava e expirava pelo nariz e sentia-se a afogar, dormente e cansado. Era um cobarde que não conseguia andar livremente pela sua casa, com receio das memórias… Mas doía. E doía. E não parava de doer.


Mas era mesmo verdade, Shinoda.


Na sua mão direita, o smartphone vibrava com a troca de mensagens no grupo do Whatsapp onde conversava com os outros elementos da banda. Brad, Rob, Joe e Dave. Um grupo privado. Tinha outros grupos que se enchiam de mensagens de condolências, mesmo depois de todos aqueles dias passados. Era exasperante estar a ler as mesmas coisas, uma e outra vez, ainda que ele soubesse que era com a melhor das intenções.


A conversa com os seus companheiros musicais era frustrante. Deviam estar em digressão pela América, ficaram todos em casa sem saber muito bem o que fazer a seguir naquele agosto. Tinha existido um objetivo concreto logo depois do sucedido, a cerimónia de despedida, o funeral do Chester, então, os dias distenderam-se imbecilmente e começaram a trocar mensagens curtas, que denotavam o seu estado de desacerto. Como vais? Estou indo. E tu? Mais ou menos. Dormiste alguma coisa? Algumas horas. Sem apetite. Queres vir cá a casa? Talvez amanhã. Tens visto a net? Está uma loucura, eu sei. Não tenho ido lá, é estranho. Parece que rebentou uma bomba. Estamos na merda. E agora, alguma ideia? Não sei. E outras frases evasivas, incoerentes, palavras soltas para manter o contacto e retirar um pouco do frio conforto de uma ligação por via da tecnologia.


Não havia conforto, para serem sinceros. Não havia maneira de terminar com aquela angústia. Sem consolo, sem apoio, sozinhos diante de uma enorme catástrofe. Ele tentava curar-se, ele escutava tudo o que lhe diziam nos primeiros cinco segundos. Passado esse tempo, distraía-se e a sua mente pregava-lhe uma rasteira. Punha-se a divagar, mergulhava numa bruma imaginária, perdia-se num zumbido e deixava de escutar o que lhe estavam a dizer. Era sempre tudo com as melhores intenções, mas ele não queria nada daquilo.


Só o queria de volta.


Queria poder fechar os olhos e estar nos bastidores sombrios e retumbantes de um espetáculo, a preparar-se para fazer mais uma apresentação de arromba, que arrasasse com tudo à volta, numa explosão de música, de luz e de festa.


Queria poder abrir os olhos e ver-se novamente em cima de um palco… com ele.


Queria que tudo fosse mentira.


But it’s true. Mas é verdade.


Diziam-lhe, naqueles pequenos cinco segundos iniciais que ele conseguia fixar, em que ele conseguia efetivamente escutar, que ele tinha de enfrentar os seus medos. Pois, isso era muito fácil de dizer.


Era incrível como as questões se transmutavam quando se vestia a pele da personagem que devia desempenhar um papel específico, que se colocava no centro e que recebia toda a luz dos holofotes. Não era a mesma coisa quando apenas se sabia, ou se julgava saber, as soluções para os problemas.


Sempre lhe fora intuitiva a coragem que era necessária para se avançar e fazer qualquer coisa na vida. Sempre se vira como alguém motivado, resiliente e concentrado. As conquistas e os prémios tinham sido o resultado da sua persistência e força de vontade. Era um dado adquirido. Até aquilo lhe ter acontecido e ele se ter visto, literalmente, sem apoio – apesar de o ter de todos os quadrantes, de lados inesperados, sem pedir ou implorar.


Olhava para os pés descalços e sabia que tinha de avançar.


Reunir a sua valentia, esmagar a dor, esticar um braço para abrir a porta e verificar que estava tudo vazio ali dentro.


Mas aí residia o maior problema.


Esse vazio.


Porque, na realidade, Mike Shinoda não queria que o estúdio estivesse vazio. Queria que ali dentro, a sorrir-lhe e a piscar-lhe o olho, numa expressão travessa desconcertante, estivesse Chester Bennington.


- Estás aí? Vamos lá fazer outro take que eu tenho um churrasco à espera.


E ele cantava, mais uma vez, “What I’ve Done” com profissionalismo, com uma leveza que levava a crer que essa metáfora da morte, essa liberdade e essa arte fossem apenas conceitos abstratos, um mero significado de uma canção que haveria de ser mais um sucesso dos Linkin Park pós-vendaval criado pelo sucesso gigantesco dos seus dois primeiros álbuns de estúdio.


Um eco do passado…


E ele queria tanto esse passado!


Crispou o punho esquerdo, sentindo a tensão nas falanges e nos nervos, na pele retesada. Ele queria poder agarrar esse passado e modificar aquela pequena decisão que, muitos anos e dias e horas depois, haveria de resultar nele sozinho, à porta do estúdio, derrotado, massacrado, sem conseguir chorar, a respirar como um asmático.


- Mike?


Recuou um passo, relaxou os músculos e teve quase a impressão de que ia cair no chão. Mas conseguiu recuperar o controlo do corpo desobediente.


- Está tudo bem? O que fazes aí?


- Sim, Anna. Está tudo bem.


Cabisbaixo, não conseguia encarar a mulher. Girou sobre os calcanhares e voltou-lhe costas. A porta do estúdio ficou do seu lado direito e o smartphone não parava de vibrar. Estariam a chamar por ele? Levantou o visor à altura dos olhos, deslizou o polegar sobre a tela. Era o Brad que estava a fazer uma pergunta sobre roupa. Pestanejou sem conseguir compreender o que estava a ler…


- De certeza?


A voz da mulher perfurou a bolha impenetrável que o rodeava.


- Sim. Estou bem. Acho que vou descansar.


- Vais dormir? Sim, devias dormir…


- Que horas são?


- Tens o telefone na mão, Mike…


- Ah… Sim. Quatro da tarde. Não são horas de dormir.


- O Dave convidou-te para ires jantar lá a casa, esta noite.


- Acho que não vou.


- Acho que devemos ir, Mike.


- Para quê?


- Vamos conversar um pouco. Temos de nos distrair. Não sais de casa há tanto tempo…


- Pois temos… De sair. Eu tenho de sair de casa.


- O quarto está preparado.


Ele agitou-se.


- O quê?


- O quarto. Não querias ir descansar?


- Vou para a sala… Não vou dormir.


- Queres que te prepare um lanche?


- Eh… Não, acho que não vai ser necessário.


Ela aproximou-se, cautelosa. Também estava descalça, reparou ele. Fez um esgar que se assemelhava a um sorriso. Era verão. Agosto. A casa estava obviamente climatizada, mas o bom tempo fazia-os usar roupas mais leves, andar sem sapatos, expor mais extensão de pele. Seria sobre isso que o Brad queria falar? Olhou novamente para as mensagens e leu qualquer coisa relacionada com a cor preta. Desviou o olhar. Podia ser sobre luto e ele não desejava aprofundar certos temas relacionados com… bem, relacionados com morte.


A Anna disse-lhe, numa voz tão suave que o arrepiou:


- Acho que devias tentar ir ao estúdio. Regressar à música. Precisas da música, Mike. É a melhor das terapias.


- Eu sei. Eu sei – respondeu mexendo o pescoço num estremecimento, como que a concordar, mas saiu-lhe um movimento desacertado. – A música e a pintura. Eu vou voltar a pintar.


- Não consegues entrar no estúdio, pois não?


- Claro que consigo.


Havia amargura no olhar dela. Fez-lhe uma carícia no braço e suspirou.


- Estou aqui contigo, Mike.


- Eu sei, querida. Agora, tenho de ir. O Brad precisa de saber umas coisas sobre… roupas.


- Roupas?


Reinventou outro esgar num sorriso mais largo que foi outra careta disforme em que mostrava os dentes.


- Não sei, querida. O Brad precisa de saber sobre roupas.


Afastou-se e encaminhou-se para a sala. Desabou sobre o sofá, atirou o telefone para longe que se perdeu, a saltitar, entre as almofadas. Assentou as mãos na cara, cobrindo-a com os dedos frios e suados, os cotovelos ficaram espetados.


- Tenho de te dizer adeus… Só que não sei como. Ainda não descobri como, Chester.

05 Mart 2021 17:04 0 Rapor Yerleştir Hikayeyi takip edin
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Sonraki bölümü okuyun II - Milão

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