Zeus revirou os olhos, o cotovelo apoiado na mesa, o pé descansando na perna de sua filha, Atena, que sentava-se ao seu lado. O século XXI não era a coisa mais interessante, não para ele ao menos. Aquelas coisas minúsculas munidas de internet não o agradavam. Na verdade, eram poucas coisas que o faziam se sentir um verdadeiro deus ultimamente: as aventuras se foram, as guerras eram travadas por homens agora, não pelos deuses, as divindades não eram mais respeitadas; em vez disso, tinham se tornado motivo de escárnio e ainda precisavam tolerar aquelas criaturinhas orando pelas coisas mais estúpidas possíveis.
— Sabem o que acho? — perguntou ele.
Encontravam-se no pátio do templo no monte Olimpo. Ele reunira os deuses ali com o intuito de fazerem um almoço para que pudessem se recordar dos tempos de guerra, das batalhas árduas e ferozes em que lutaram, dos dias do dilúvio — e, que ficasse claro, quanto mais entediado se sentia, mais queria repetir esse ato — e tudo aquilo grandioso que um dia já fizeram. No entanto, todos os seus filhos e irmãos estavam calados à mesa, mexendo nos celulares como se desvendassem o maior mistério do universo.
— Sabem o que que acho? — rugiu dessa vez.
— O que foi, meu pai? — questionou Atena, o celular ainda em mãos.
— Vocês todos deveriam largar esses... dispositivos. Pensei que pudéssemos ter uma reunião agradável, conversar de verdade. — Balançou a cabeça. — Deveria ter imaginado que isso seria um equívoco.
— Como você é mal-humorado — sibilou Hera, e tomou um pouco de vinho. — Deveria ficar feliz pela paz. Em vez disso, fica aí com essa cara feia.
— Feliz... É por essas e outras que os humaninhos já não nos levam mais a sério. Digo então: deveríamos puni-los!
— Pelo quê? — questionou Afrodite, o corpo inteiro à mostra naquele vestido de véu branco transparente. — Você só está chateado por eles estarem aprendendo a pensar por conta própria. Deveria ter orgulho disso.
— Caos! Vocês gostam do caos. Eles podem até estar mais inteligentes agora... alguns, ao menos, mas continuam os mesmos besouros barulhentos de sempre. E nós? Nós estamos retrocedendo. É isso que penso.
Atena suspirou. Parecia chateada, o que deixou Zeus ainda mais enfurecido, no entanto ele nada mais disse e um silêncio recheado de implicância tomou conta do Olimpo.
Após esvaziar sua taça, Zeus fez um gesto com o indicador e um humano com um sorriso demasiado falso veio servi-lo. Ao pegar a taça, o deus dos deuses sentiu um calafrio na espinha ao ver ondas se formarem no vinho. Sorriu, intrigado, estava tão entediado que começava a imaginar coisas. Seria isso?
Levou o vinho à boca enquanto via Dionísio sorrir sozinho olhando para o celular. Fez uma careta de desprezo destinada a ele quando de repente o Olimpo tremeu, esparramando seu vinho para todos os lados, inclusive em sua antes imaculada túnica branca.
Aquele calafrio veio mais uma vez. Ficou sério. Quando pensava em poder batalhar de novo, não era bem esses tipos de batalhas que lhe vinham à mente. Bom, poderia estar errado, claro, mas o frio em suas juntas gritavam de terror. E ele nunca havia sentido tal coisa como terror, a não ser quando...
Outro tremor, mais forte que o anterior, abalou Olimpo. Todos os deuses se ergueram com rapidez a fim de se manterem firmes no chão. As taças e os pratos foram sacudidos na mesa até se partirem e se estilhaçarem pelo salão, os humanos serviçais caíram gritando por socorro. E o coração de Zeus se acelerou enquanto ele tentava esconder o desespero de sua face.
Era o deus dos deuses, não podia mostrar fraqueza. Vivera tantas coisas, conhecera tanto do mundo, batalhara tantas guerras e ainda assim sentia-se vulnerável no que se tratava daquele monstro.
O tremor cessou por um instante. Olhou para frente, contemplando o mar de casas que se estendia ao redor do Olimpo, e percebeu que o céu se escurecia. É ele mesmo, pensou. Mas como diabos ele saiu do monte Etna?
— Peguem os humanos e saiam daqui agora! — gritou Atena, tomando as rédeas da situação, como devia-se esperar da deusa da sabedoria. — Eu comprarei tempo para que fujam... Meu pai, derrote essa criatura! — E jogou o celular na parede, espatifando-o.
Com um impulso, Atena correu em direção ao parapeito do salão, agarrou uma espada e um escudo que jaziam como decoração de uma das pilastras e saltou em direção à base do Olimpo. Ainda paralisado, Zeus apenas assistiu.
— Devemos ficar — falou Hefesto. — Podemos lutar com você, Zeus.
Nesse momento, uma fúria misturada com orgulho encheu o peito do deus dos deuses, trazendo de volta seu tempo de reação, e disse com sarcasmo:
— Agora querem lutar ao meu lado? Da última vez que Tifão apareceu, vocês se metamorfosearam em animais, colocaram os rabos entre as pernas e fugiram para o Egito a fim de se transformarem em bichinhos de estimação de humanos. Pois que façam isso mais uma vez. Não quero covardes ao meu lado.
Virou as costas e caminhou em direção ao parapeito enquanto a terra tremia mais uma vez. Avistou no horizonte inúmeros dragões vindo em direção ao Olimpo, o dia se transformando em noite por causa da presença maciça das criaturas que começavam a cobrir o céu por inteiro.
Hermes se pôs ao seu lado:
— Vou com você.
— Todos sabem que você não possui habilidade alguma em batalhas.
— Posso ter aprendido uma coisa ou duas com o passar do tempo. — Outro tremor, e agora Zeus podia ver com mais nitidez a imensa silhueta do monstro. — Pai, não vou fugir nunca mais, fiz essa promessa naquele dia e pretendo cumprir. Não quero ser aquele que o resgata, quero ser aquele que luta ao seu lado. Assim como Atena.
— Que assim seja.
O deus dos deuses subiu no parapeito, pegou impulso e se jogou de braços abertos, o vento batendo forte contra seu rosto enquanto caía por minutos de uma altura de mais de dois mil e novecentos metros. Quando se aproximava do chão, endireitou seu corpo e segurou sua túnica para que ela não saísse por sua cabeça. Aterrizou com um joelho no chão e o estrondo ecoou por todos os lados. Uma cratera se abriu na base do monte, ao seu redor, e poeira encobriu todo o local. Mais à frente podia ver o buraco onde sua filha havia caído.
Assim que a poeira começou a baixar, Hermes surgiu ao seu lado. Havia descido usando de sua velocidade e tinha o semblante sério, o que era inusual para ele.
Zeus sentiu-se orgulhoso.
— Leve-me até Atena. Ela já está bem mais adiantada. Melhor não deixarmos as coisas se repetirem.
Não queria ter de ouvir os ossos do corpo de sua pequena deusa se quebrando mais uma vez, como quando ela enfrentou Tifão eras atrás. Por mais que o terror o dominasse por estar indo de encontro ao único ser que um dia fora capaz de o derrotar, Zeus agora sentia-se mais confiante por saber não estar sozinho.
Hermes o ergueu nos braços e avançou com ele com rapidez, enquanto os tremores se tornavam mais intensos e o céu ficava negro como a noite. As criaturas voadoras de Tifão já rodeavam o Olimpo quando alcançaram Atena e pararam.
— Eles conseguiram fugir? — perguntou ela, preocupada com os outros deuses e os humaninhos serviçais.
— Foram todos. Não se preocupe — avisou Hermes.
Metros à frente, Tifão vinha furioso. Suas asas se abriram e pareciam prontas para engolir o mundo. De seus ombros, saíam mais dragões, que se enrolavam e se esticavam com as bocarras prontas para estraçalhar tudo e todos.
— Hermes — disse Zeus, os lábios crispados. — Passe pelas casas. Carregue os moradores para longe. Limpe a área para nós.
— Ainda há pouco queria exterminar os humanos. Agora quer que os salvemos — disse Atena, uma pitada de amor na voz.
Zeus fingiu indiferença com o comentário. De suas costas sacou um raio imenso. A arma suprema criada pelos ciclopes, a sua lança e seu escudo. Segurou-o firme enquanto entrava em posição de batalha ao lado da deusa da Sabedoria e via o deus dos Viajantes correr para retirar os humanos da área de perigo.
— Zeus! — bradou Tifão. Sua voz alta e retumbante causou uma ventania forte. — Hoje me vingarei de você, seu deus pequeno! Arrancarei seus membros outra vez, mas não vou mais o jogar numa caverna. Em vez disso, engolirei você e serei eu o seu cárcere!
— Que antiquado. Parece até o vô Cronos! — Riu Atenas, mas sua postura não ficou menos tensa com a piada.
— Também não vou mais o aprisionar em um vulcão, Tifão — gritou Zeus de volta. — Agora te mandarei para dentro de sua mãe, Gaia. Ela te fez e ela que te conterá!
A cada passo, Tifão parecia ainda maior e mais assustador do que o deus dos deuses se recordava. Agora, a couraça que ele vestia era feita de pedra da lava que secou de seu corpo, era como um titã esculpido em asfalto causando destruição desenfreada.
De repente, uma bola de fogo explodiu na cabeça de Tifão e então uma nuvem de cogumelo se espalhou para cima e para cima, causando em seguida uma onda de choque que quase tirou Zeus do chão. Teve de segurar Atena pelo braço para que ela não fosse carregada.
— Esses humanos... — resmungou Zeus. — Se meus raios quase não fazem cócegas nesse monstro, como uma bomba atômica poderia? Diga para Hermes dar um jeito nisso e depois venha atrás de mim.
— Não vamos atacar juntos?
— Faço o que eu digo!
Então Zeus correu em direção ao gigante, seu raio em punho já preparado para ser lançado enquanto ele juntava energia suficiente para que a explosão ao menos obliterasse a carcaça de pedra negra que cobria Tifão. A dois metros do monstro, lançou o primeiro raio, que explodiu e sacudiu o titã para frente e para trás, causando ainda mais tremores e lançando pedras que revestiam-no para todas as direções.
Zeus continuou correndo para tentar atacar mais de perto quando, de repente, uma horda de dragões veio em sua direção. Puxou mais um raio, porém Atena surgiu com um rugido de guerra e partiu dois dragões ao meio com sua espada enquanto se protegia de outro com seu escudo. Ela tomou um impulso usando a cabeça de outra besta e abriu passagem à força para Zeus, que seguiu em frente e em frente.
Mais um poderoso raio surgiu na mão direita do deus dos deuses que, com o coração na boca pela proximidade do ser que um dia o derrotara, lançou-o com fúria na cara do gigante, porém os dragões infernais se puseram na frente para receber o ataque. Ao seu lado, Hermes surgiu.
— Todos os humanos foram levados para longe — gritou ele, tentando ultrapassar o som da destruição.
— Arranje cordas.
— Para quê?
— Você quer ajudar. Então ajude. Amarre essas criaturas voadoras. Tire-as do meu caminho.
Zeus parou arrastando e levantando poeira do chão. Olhou para trás e viu Atena lutando com uma dezena de dragões, a veste já toda rasgada e o corpo picotado por causa da investida das bestas. Enfurecido por ver a situação da filha, o deus dos deuses apontou o indicador para Tifão.
— Você não vai me derrotar!
E jogou uma rajada de raios em direção ao monstro quando, de repente, plantas imensas brotaram do chão e se agarraram às pernas do gigante. Ao olhar para os lados, Zeus deixou o ar escapar de seus pulmões, surpreso. Os demais deuses do Olimpo estavam ali para ajudá-lo.
Não fugiram, pensou ele. Hum...
— Todos juntos! — rugiu, e os deuses se prepararam para uma investida única.
Zeus lançou o seu mais poderoso raio enquanto os demais deuses faziam sua parte. A colisão de seus poderes em Tifão resultou em um imenso clarão que apagou o mundo por um minuto inteiro. Quando a luz intensa recuou, o gigante estava prostrado ao chão e atônito.
Zeus, com um sorriso no rosto e com o tédio dissipado, olhou para o céu limpo de nuvens e de novo claro.
Que uma nova era comece então.
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