Cem mil ienes.
Aquela torre tinha custado a bagatela de cem mil ienes.
Ou assim ele tinha dito para quem quisesse ouvir. A verdade...? A verdade pertencia ao vento.
Kanedaichi acreditava no estilo de vida livre e ecológico em que pudesse preservar a natureza e reaproveitar qualquer coisa que fosse possível. E nunca se deu conta do quanto suas escolhas o tornaram solitário até não ter mais qualquer poder de escolha.
Por três anos morou na torre, sabendo que sair dela era uma opção viável. E um velho esquisito preso em uma fotografia mudou isso. Primeiro prometeu um poder incrível! Cumpriu, de certo modo, não fosse esse tal “poder incrível” como a gaiola do qual nunca poderia sair sem pagar um preço.
A troca equivalente.
Por um mês Kanedaichi esperou que os inimigos se aproximassem para prendê-los como pássaros na gaiola.
O sonho acabou rápido e doloroso graças à surra que levou. Quase escapou por um triz, tendo a chance de prender Higashikata Josuke em seu lugar, mas nem todo o treinamento de morar na torre e todo o planejamento deram conta da sagacidade de Josuke, muito menos de seus punhos velozes. Crazy Diamond era um Stand assustador. A única opção foi desistir.
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A primeira vez que Mikitaka voltou a Superfly, Higashikata ficou irritado, pois imaginou que o outro rapaz vinha ali para zombar. Não podia esquecer quem era o grande culpado por Josuke escapar.
Nem todo o mal humor do mundo afastou Mikitaka, que ficou parado aos pés da torre observando em silêncio por quase uma hora antes de ir embora.
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A segunda vez que recebeu a visita, Kanedaichi não estranhou tanto. Nem perdeu tempo com ofensas, tiradas ácidas e perguntas agressivas. Ignorou o outro e continuou sua rotina, preparando o almoço no alto da torre, fingindo não sentir curiosidade pelo motivo de o inimigo estar fazendo aquelas observações silenciosas. Talvez ter um Stand tornasse os usuários uns esquisitões. Ou... talvez ser esquisito fosse o pré-requisito para conseguir algum tipo de poder. Exceto por ele próprio, claro, que não tinha nada de esquisito. Era um ambientalista e protetor da natureza digno de servir como exemplo para o mundo.
Enquanto continuava cozinhando, disfarçava os olhares na direção do rapaz lá embaixo, sem conseguir enxergar muitos detalhes porque a torre era realmente alta.
Aquele foi um dia agradável. Superfly era um Stand generoso na medida do possível. Ele não controlava a entrada/saída apenas de humanos. A torre também controlava qualquer coisa adversa, fosse um grão de poeira ou a brisa fresca em um dia quente, os pingos da chuva em dias de tempestade ou o calor do sol na plenitude do verão. Se mantivessem uma boa relação o Stand o protegia.
Só parou de disfarçar os olhares quando o... como era mesmo o nome...? (Como se ele pudesse esquecer!) Ah, Mikitaka! Sim, isso mesmo.
Mikitaka se afastou e Kanedaichi parou de fingir que não prestava atenção no misterioso visitante.
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Na terceira vez Kanedaichi foi derrotado de novo: ele não resistiu à curiosidade em querer saber o motivo daquelas idas silenciosas! Quando Mikitaka parou próximo a torre, resolveu ir questioná-lo face a face, ao invés de ficar gritando do alto de Superfly.
Foi descendo através das vigas, saltando como um verdadeiro acrobata até aterrissar na grama fofa bem em frente ao outro. Ajeitou a máscara no rosto, para dar uma impressão mais assustadora.
— Que pensa que está fazendo, idiota? — perguntou cruzando os braços e inclinando um pouco as costas para trás.
— Estou olhando.
— Aa?! Isso eu percebi. Quer brigar?!
— Não.
O tom neutro e a postura quase indiferente eram quase como um balde de água fria.
— Está me incomodando, vá embora e não volte. Isso não é um maldito zoológico!
— Zoológico...? O que é um zoológico? — a curiosidade na voz de Mikitaka era gritante, o tom que mais se aproximava de alguma demonstração de emoção até então.
Kanedaichi não levou a questão a sério.
— Vai me dizer que não sabe o que é um maldito zoológico?
— Não — Mikitaka não hesitou — Cheguei na Terra há pouco tempo, ainda não conheço todos os termos e peculiaridades desse planeta fascinante.
A resposta foi tão improvável que Kanedaichi ficou chocado e não disfarçou, por sorte a máscara não revelava suas reações. Por fim inverteu a posição e reclinou-se um pouco para a frente, tentando intimidar.
— Então você é um alien, idiota? Acha que eu vou cair nessa?
— Você não deve cair, creio eu. Vive pulando dentro do Stand.
— Aa?!!
— O que é um zoológico? — Mikitaka levou a mão ao queixo e tornou-se pensativo.
Kanedaichi balançou a cabeça e saltou segurando-se na viga mais próxima. Seus dedos tinham calos grossos moldados pela prática. Em segundos voltava para o conforto do alto da torre, de onde pode assistir o... alien se afastar até chegar à estrada, onde se tornou um pontinho perdido na distância e foi se tornando ainda menor à medida em que se afastava partindo.
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— Josuke-kun me explicou o que é um zoológico! — Mikitaka explicou com gritos ao fazer uma nova e não anunciada visita. Embora não fosse totalmente inesperada.
— Foda-se — Kanedaichi gritou de volta, não tão irritado quanto queria transparecer. Sua personalidade era das que desistiam mais fácil do que poderia admitir. E, no fim das contas, aquele pouco de interação servia ao menos para quebrar um tiquinho da solidão.
Ou talvez apenas a ampliasse, quando o outro ia embora...
— Olha! — Mikitaka exibiu um pacote que brilhou de acordo com os raios do sol que se declinava no horizonte. Todas as visitas eram feitas após o fim das aulas, depois das quatro horas.
O morador da torre tentou adivinhar o que era e não conseguiu. Por fim se rendeu e veio fazendo acrobacias até o chão, quando descobriu que o pseudo (ou não) alien segurava uma embalagem de snacks sabor bacon.
— Agora eu sei o que é um zoológico e entendi o conceito. Aqui, trouxe isso para pagar o ingresso, já que dinheiro lhe é inútil. — esticou o braço para que Kanedaichi pudesse pegar, coisa que ele fez sem pensar muito — Só fiquei em dúvida porque em zoológicos é contra as regras alimentar os animais, mas...
Não terminou a frase. Kanedaichi arremessou a embalagem e o acertou em cheio no rosto.
— Some daqui, alien falsificado! — e subiu para o alto da torre tão rápido quanto tinha descido.
Mikitaka assistiu confuso, sem saber onde tinha errado. Humanos tinham emoções afloradas quase impossíveis de serem desvendadas. Queria se aproximar do rapaz, pois ele sabia como era difícil viver isolado, em seu planeta natal trabalhava como piloto e viajava longas distâncias completamente isolado. Ao chegar na Terra tentou fazer amigos, mas todos se afastavam quando contava a verdade. Josuke e sua turma foram os primeiros a aceitá-lo do jeito que era. Amigos assim tão legais poderiam acolher qualquer tipo de pessoa. Até mesmo...
Enquanto se afastava da torre deu uma última olhada para trás. Estava longe o bastante para que não enxergasse muitos detalhes, mas não o suficiente para não ver uma manchinha agachada no chão do Stand, tentando alcançar o pacote de snack caído no chão com um improvisado bastão de bambu.
Mikitaka, que não era muito de sorrir, sorriu.
Um pequeno passo. Uma grande vitória.
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— Quer que eu cuide da embalagem?
Kanedaichi, que estava estendendo algumas roupas no varal, retesou as costas sabendo-se pego em flagrante. Era um “natureba” que preferia comer coisas saudáveis, todavia fazia tanto tempo que não provava salgadinhos (nem nada) de bacon que não resistiu! O desejo falou mais alto e ele devorou os petiscos sentado na torre assistindo ao silencioso luar.
— Embalagem...? — tentou ganhar tempo dependurando uma cueca boxer.
— É. O pacote vazio do ingresso que eu trouxe. Agora posso observar a torre, não é?
Kanedaichi veio descendo as vigas com a velocidade de um condenado à forca subindo no cadafalso: devagarzinho, sem pressa alguma. Nem parecia o acrobata habilidoso que treinou por anos até ganhar calos nas mãos. Em silêncio enfiou os dedos no bolso da calça e tirou a embalagem. Aquilo era mesmo um problema nada biodegradável que poderia prejudicar a natureza por séculos. Passou a ponta aluminada pela torre com cuidado, sempre mantendo a mão em segurança do lado de dentro.
Mikitaka recolheu o lixo e colocou no bolso do uniforme. E sem aviso algum saltou, começando a escalar as vigas com menos dinamismo que o dono de Superfly, conquanto tivesse certa habilidade.
— Oe! O que está fazendo, idiota?!
— Eu paguei o ingresso — o “alien” explicou como se fosse óbvio — Posso entrar agora, não é assim que funciona?!
— Aa?!! — Kanedaichi soou indignado — Quer brigar?! Eu vou embora e vou deixar você aqui!
O outro rapaz não fez caso da ameaça. Ambos sabiam que não era a sério. Kanedaichi tentou fugir um dia, perdeu a chance. E sua convicção em manter a vida eremita falou mais alto do que a tentação de escapar para o mundo lá fora, prendendo alguém em troca. Ali era o seu lugar.
Conformado, embora devidamente ofendido, escalou ágil, logo alcançando Mikitaka e terminando a escalada meio lado-a-lado.
— A vista é linda — o visitante suspirou observando a paisagem natural a se perder na distância, a estrada era um dos poucos sinais da humanidade, tão rustico que combinava com a ideia de retorno à natureza.
Kanedaichi apoiou-se na viga oposta, de braços cruzados, alternando olhares entre o horizonte e Mikitaka, que ficou em pé observando o pôr-do-sol.
— Claro que é — resmungou sem resquício de mau humor, mais por hábito do que por outra coisa.
— Me sinto mais perto de casa — dessa vez ergueu o rosto, os olhos se perdendo no alto céu avermelhado. Infinito céu avermelhado.
O dono de Superfly imitou o gesto, compreendendo o que Mikitaka queria dizer, conquanto não acreditasse. Aquele garoto não podia ser um alien de verdade, podia? Aquele poder misterioso devia ser resultado de um stand, tal qual o seu próprio.
Não havia a menor chance de... havia...?
— Aqui — a voz de Mikitaka tirou Kanedaichi das reflexões incrédulas. Ele tinha uma grande barra de chocolate na mão — O ingresso da próxima visita.
Por baixo da máscara Kanedaichi sentiu a boca se encher de água. Aquele doce! Fazia muito tempo que não o provava!
— Não sou um animal, idiota! — reclamou. E no fim das contas aceitou o agrado.
— Sei disso — Mikitaka respondeu como se fosse óbvio — Não podemos alimentar os animais no zoológico, mas alimentar outro ser humano não tem problema.
— Aa?! Quer brigar? — por algum motivo o jeito alienado conseguia tirar Kanedaichi do sério com facilidade.
— Não. Já respondi isso mais de uma vez. Você tem problema de memória?
— Tsc.
Os dois caíram em um silêncio mais agradável do que poderiam esperar, apesar do mau-humor de um, e da reflexão analítica do segundo.
Até que Mikitaka ofegou de leve, como se tivesse lembrado de algo. Desviou os olhos do pôr-do-sol e fixou-os sobre Kanedaichi que, por sua vez, admirava o chocolate já sentindo o gosto daquilo em antecipação.
— Ne, descobri um livro que me fez lembrar de você.
— Um livro? — Kanedaichi se interessou. Já estavam escrevendo sua incrível história de ambientalista e defensor da natureza?
— Sim! Rapunzel — Mikitaka sorriu — É sobre uma princesa presa numa torre e um príncipe que...
Não terminou de falar. O chocolate o acertou em cheio no nariz, o golpe inesperado o fazendo perder o equilíbrio e cair da torre. Acabou se transformando em uma pluma e deslizando com suavidade até o chão, aterrissando levinho ao lado da barra que chegou primeiro. Descida acompanhada com interesse pelo morado da torre.
Voltou a forma humana e acenou um adeus, ainda sentado no chão.
— Até a próxima! — despediu-se.
— Foda-se! — Kanedaichi esbravejou irritadíssimo, embora calculando a distância entre o chocolate jogado e a torre, tentando imaginar se conseguiria puxar com o bastão de bambu.
Mikitaka levantou-se, batendo a poeira do uniforme e foi se afastando, rumo à estrada que o levaria para a cidade. Tinha um sorriso no rosto, não compreendia porque aquelas visitas eram tão divertidas, apesar de o outro ser tão resistente em aceitar a amizade.
Mais um pequeno passo foi dado, uma grande vitória foi conquistada.
Onde aquilo o levaria? Não fazia a menor ideia. Mas tinha certeza que queria descobrir.
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