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Sobre invocações

Notas iniciais: Olá! História escrita para o desafio Lute como um Garota da embaixada do Inkspired!

Queria fazer uma abordagem meio diferente, tratar o assunto por outros olhos por assim dizer. Espero conseguir demonstrar isso no decorrer dos próximos capítulos.

E é isso, boa leitura!

***

A questão principal quando se trata de invocações demoníacas é saber como fazer.

Não é como se fosse simplesmente recitar um punhado de palavras em latim, sacrificar uma ou duas virgens e usar o seu sangue para desenhar uns símbolos satânicos quaisquer no chão de casa que a coisa toda estaria feita.

Não, não era tão simples assim. E a Sra. Albuquerque sabia disso. Durante sua estadia nessa terra – e olha que pouca coisa não havia sido – ela já havia visto muitas coisas. A essa altura do campeonato, acreditava que nada mais podia surpreendê-la.

Pois bem. Quanto a invocação, ela sabia que a maioria das crenças estava errada. Primeiro de tudo, demônios não gostavam de sangue de virgem – inocentes demais para seres tão perversos, dizia-se – e, sejamos francos, se sua única chance de estar acima do solo fosse essa, quem gostaria de ser chamado com sangue? Maneira horrível de se fazer uma chegada, não? O latim tudo bem, afinal apenas algumas palavras dessa língua diáfana eram o suficiente para invocar os demônios de mais baixo escalão, mas o sangue? Nananinanão.

Demônios gostavam de geleia. Isso mesmo, a boa e velha geleia de frutas vermelhas, azeda demais para que as crianças provassem, e doce de menos para evitar uma diabetes. Além disso, era necessário encontrar o pentagrama - este desenhado de modo invertido, preste bem atenção - de forma correta e perfeitamente alinhado. A menor modificação no desenho podia acabar por trazer um ser diferente do que era esperado e a burocracia toda para mandá-lo de volta seria insuportável e infinita – não é à toa que os demônios eram conhecidos pela sua tortura, tantos formulários como aqueles exigiam um nível de perseverança que as pessoas já não mais possuíam.

E por último, mas não menos importante, haviam as velas. Delicadas velas pretas que emitiam um cheiro suave de ervas aromáticas: capim-limão, jasmim, maçã-verde, dentre outras mais. Junte todos esses elementos, garanta uma pronúncia adequada da língua utilizada, e você estará pronto para uma perfeita invocação.

O que nos leva de volta ao começo dessa história e a Sra. Albuquerque que se encontrava curvada – ainda que suas costas já não fossem mais as mesmas e reclamassem de cada mínimo movimento – com vários potes de geleia de frutas vermelhas espalhados pela sala em graus variados de uso.

Então, por esses exatos motivos citados anteriormente, que o chão de sua bela casa localizada na Rua do Esquecimento se encontrava pegajoso do sumo condensado dessas frutas. Parece cruel batizar uma rua de Esquecimento, ainda mais quando era nela que residiam a maior parte da população de terceira idade da cidade, cujos filhos e netos preferiam passar suas férias viajando para os Estados Unidos ao invés de aparecer em um domingo para uma boa e velha torta acompanhada de uma partida de damas. Deplorável.

A Sra. Albuquerque parou alguns segundos para avaliar o trabalho feito, levando as mãos as costas para esticá-las até onde conseguia após tanto tempo curvada. Seus ossos estralaram, e ela sentiu uma onda de satisfação percorrer seu corpo velho ao encarar o desenho feito no piso. Era perfeitamente simétrico e tão reto quanto qualquer cabo esticado. O pentagrama perfeito para o demônio perfeito. Ela apenas esperava que ele não estivesse ocupado demais para atender ao seu chamado, temia que o estoque de geleia que vinha mantendo não fosse suficiente para uma nova tentativa.

O ar abafado pelo odor concentrado de ervas liberado pelas velas era o bastante para fazer qualquer outro ser humano que entrasse na sala naquele momento engasgar e sair rapidamente com os olhos lacrimejando. Tal situação, no entanto, não incomodava a velha senhora a qual havia perdido seu olfato quase por completo durante um protesto envolvendo uma bomba de gás lacrimogênio. Já não podia sentir o cheiro de muitas coisas que outrora tanto apreciara, embora, mesmo assim, sua torta de frango ainda fosse a melhor do bairro.

Com um suspiro, ergueu-se por completo apoiando a mão em umas das poltronas de cor amarela berrante que havia afastado para abrir espaço para o pentagrama e puxou os óculos de leitura pendurados por uma cordinha de contas ao redor do seu pescoço para o rosto antes de catar o livro delicadamente aberto no assento do móvel. Consultou as imagens por um minuto e então arrastou-se de volta a despensa, trazendo nos braços uma gama de objetos que muitos considerariam suspeitos ou, no mínimo, estranhamente curiosos.

Posicionou-os cuidadosamente em cada uma das pontas, a faca cerimonial no topo e a estátua dos gatos siameses de duas cabeças na última, sentiu o solo tremer de leve. Soube então que era o momento. Pegou o livro e ajustou os óculos no rosto tentando encontrar o foco correto, antes de começar a recitar as frases com uma pronúncia perfeita advinda de muitos anos de treinamento.

Cada partícula do ambiente pareceu vibrar em expectativa e logo colunas de vapor escuro subiam da forma desenhada no centro da sala. O cântico se tornou mais rápido e mais forte, acelerando pelas linhas de tinta negra em páginas amareladas e tomando todo e quaisquer outros sons que porventura estivessem sendo emitidos naquele instante.

A Sra. Albuquerque chegou ao fim das últimas linhas e parou de modo lento e agradável. Ergueu o rosto para fitar a coluna de fumaça que agora girava muito mais rápido e acompanhou a forma escura subir pelo buraco flamejante aberto no piso de sua sala outrora tão bem cuidada, mas que agora levava cinzas por toda parte, inclusive nos cabelos brancos de sua cabeça.

A figura se assomou diante de si, com o físico muito maior do que qualquer homem viciado em academia poderia adquirir e, aos poucos, seus contornos foram ficando cada vez mais nítidos. Os chifres - oh, sim, porque ele possuía mesmo um belo par de chifres – e digo isso não no sentido a que recorrem atualmente. Oh, pobres homens e sua masculinidade frágil – ameaçaram raspar no teto alto.

— Quem ousa me invocar? – A voz trovejou pelo cômodo.

— Seja bem-vindo. – A senhorinha sorriu com doçura, feliz por sua tentativa ter acabo em êxito, e sentou-se na poltrona, batendo as cinzas para longe, de modo que pudesse dar um descanso para os seus ossos doloridos. — Espero que tenha tido uma viagem boa e o trânsito não estivesse um inferno.

— Humana tola! Você sabe com quem está falando? Eu sou o grandioso Lúcifer, a Estrela da Manhã, o Anjo Caído, Senhor do Inferno e o Grande Tentador...

— Sim, sim, eu sei de tudo isso. – Ela se recostou, deixando escapar um suspiro ao sentir as costas afundarem no encosto macio. — Conheci uma seita satânica há muito quando era jovem, eles preferiam chamá-lo de Diabo, Capiroto, Capeta, Belzebu, Tinhoso, Pé Preto, a lista é bem grande.

A figura no pentagrama contraiu as feições borradas em uma inconfundível careta.

— Nunca gostei desses títulos – confessou –, tiram toda a glória da minha posição. Quem em plena consciência pediria para ser chamado de Tinhoso?

A Sra. Albuquerque assentiu, compreensiva.

— É mesmo uma coisa horrível quando não respeitam o seu nome.

— Nem mesmo no inferno aceitamos esse tipo de comportamento.

— Parece que você dirige bem as coisas por lá. Desejo muita prosperidade.

— Obrigado – agradeceu, um misto de surpresa e confusão passando por sua face demoníaca.

A mulher não devia estar gritando ao invés de debater tranquilamente esses assuntos? Será que depois de tanto tempo sem ser invocado ele havia perdido o jeito da coisa? Não, não. Era o Senhor Soberano do Inferno, os humanos tremiam só de ouvir a mera menção do seu nome. Assentiu para si mesmo e voltou-se para a Senhora que o aguardava com educação.

Pigarreou e tratou de engrossar a voz, quanto antes essa humana fizesse o seu pedido, mais cedo voltaria ao seu palácio e ao jogo de damas pela metade que havia deixado por lá, esperava apenas que Samael, aquela cobra desgraçada e trapaceira, não roubasse enquanto estava fora.

— Muito bem, humana. Você ousou me invocar então eu lhe concederei um desejo. Fale agora e eu…

— Gostaria de sentar? – Interrompeu ela, apontando para uma segunda poltrona azul bebê alguns metros a sua frente. — É a poltrona favorita do meu falecido marido.

Não querendo ser mal-educado, o demônio sentou-se. No mesmo instante, o estofado começou a queimar fazendo-o levantar de um pulo e apagar as chamas com um estralar de dedos.

— Lamento muitíssimo – voltou-se para velha senhora e encontrou apenas um sorriso compreensivo.

— Está tudo bem, mas talvez você pudesse diminuir um pouco as chamas, não gostaria que o restante da casa pegasse fogo.

Ele concordou, mudando de forma para um corpo humano de cabelos negros, rosto fino e pele morena, vestido com um terno de veludo vermelho que se ajustava com perfeição ao corpo esbelto. Terminada a transformação, o demônio acomodou-se confortavelmente na poltrona, não antes sem estender um dedo ao piso ainda coberto de geleia e levá-lo a boca para provar.

— Essa geleia é deliciosa – comentou. — De que marca é? Talvez possa levar um pouco de volta para o inferno quando tudo acabar.

— Fico feliz que tenha gostado, é uma receita minha.

— Oh.

— Ainda tenho alguns potes sobrando, posso lhe dar uns se quiser.

— Sim, por favor. Não sabe o quanto é difícil encontrar uma marca adequada que coloque mais geleia do que conservantes. Os demônios podem ter inventado a indústria capitalista, mas os humanos certamente a elevaram para o próximo nível.

— De fato. Nem mesmo as frutas e vegetais conseguiram fugir desse destino. É lamentável – ela assentiu. — Mas permita-me dizer, como o governante de uma horda que se aproveita do caos e da maldade, era de se esperar que você aprovasse tais métodos.

— Não é assim que funcionam as coisas – o visitante balançou a cabeça inconformado. — Minha queda do inferno foi causada pelo humanos e, como previ, eles acabaram por se tornar criaturas verdadeiramente abomináveis. Você vê? Destruir e modificar a natureza que o Todo Poderoso lá de cima lhes deu é apenas uma prova disso. Rir enquanto o fazem, mais um motivo para castigá-los após a morte. Deve sempre haver um equilíbrio então por que não apreciar o meu trabalho enquanto o mantenho – e sorriu com malícia, aproveitando para se servir de um pouco mais de geleia.

Ambos permaneceram em silêncio após essa explanação, o ser satânico a estudando com atenção, tentando ver por entre a casca o que motivava aquele velho corpo a convocá-lo até ali. Discutir os direitos do meio ambiente? Duvidava fortemente. Havia algo ali, algo que, pela primeira vez, ele não conseguia identificar.

Na maioria das vezes costumava ser fácil. Os pensamentos humanos não iam muito além de riqueza, poder e prazeres carnais. Porém, esta humana não exalava esse tipo de aura. Havia um quê de aceitação e tranquilidade em sua postura, algo que chocava o demônio profundamente.

— Muito bem. Agora que superamos as preliminares, conte-me: o que deseja?

Ela pareceu hesitar, mas, com um suspiro exausto, piscou os olhos cansados e prosseguiu:

— Então, eu estava aqui me perguntando, você poderia me levar?

— Desculpe, Senhora... – o demônio de condescendeu. Não era todos os dias que encontrava alguém desejando ir para o inferno, ainda mais em sua companhia. As pessoas tendiam

— Pode me chamar de Luiza.

— Como desejar. Como dizia, sinto muito, Luiza, mas essa é função de outro.

— Oh, entendo. Lamento muito tê-lo perturbado – suspirou novamente de forma mais pesada do que antes. Ele prosseguiu, antes que ela pudesse ter péssimas ideias a respeito do seu próximo passo.

— Eu também não recomendaria invocar nenhum anjo. Eles não costumam ser tão indulgentes quanto nós, demônios. De fato, nunca se teve mais notícias da última pessoa que tentou invocar um.

A Sra. Albuquerque assentiu, o olhar distante. E então, de repente, pareceu despertar, voltando-se para o seu convidado que dava sinais de estar desconfortável.

— Por favor, não se prenda aqui pela minha pessoa. Você está livre para partir – e apontou para o pentagrama invertido que parecia pulsar, chamando-o de volta. — Espere só um instante enquanto pego o restante da geleia.

O silêncio agora era sepulcral. O diabo acompanhou-a se levantar com rigidez e sentiu uma estranha compulsão, uma que há muitos milênios pensou estar morta e enterrada em seu ser: pena.

Tinha pena daquela Senhora que parecia abandonada e sozinha naquela casa, ao menos o bastante para tentar invocar ao senhor do inferno para ter uma chance de se livrar de tudo de uma vez. E, ao mesmo tempo, identificava-se com o sentimento. Comandar o poço do Sheol não era tão divertido quanto todos aqueles demônios menores sedentos de poder imaginavam. Não era à toa que tinha respondido aquele chamado, fugir, mesmo que por um momento, de tudo aquilo lhe parecera ser uma válvula de escape muito conveniente.

Não demorou muito e ela logo estava de volta, passos vacilantes e vários potes vermelhos nos braços, mas uma determinação plena no olhar.

— Aqui está o restante – as mãos trêmulas estenderam-lhe os vidros e ele os pegou. — Espero que esteja a seu gosto.

Uma estranha hesitação aliada aquele novo sentimento recém-desenterrado o fez parar a poucos metros de sua passagem de voltar e se virar para encarar aquela humana que tivera a ousadia de lhe invocar uma última vez. Antes que percebesse, já se encontrava dizendo:

— O que acha se eu voltar a manhã para contar como estava?

A Sra. Albuquerque o encarou por alguns segundos, os olhos arregalados, e então um sorriso gentil surgiu em sua face.

— Eu adoraria.

18 ноября 2019 г. 0:32 3 Отчет Добавить Подписаться
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Продолжение следует… Новая глава Каждый понедельник.

Об авторе

Nathy Maki Fanfiqueira sem controle cujos plots sempre acabam maiores do que o planejado. De romances recheados de fofura a histórias repletas dor e sofrimento ou mesmo aventuras fantásticas, aqui temos um pouco de tudo. Sintam-se à vontade para ler! Eterna participante da Igreja do Sagrado Tododeku <3

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solis sum solis sum
Caramba! Gostei demais desta história. Aguardo o próximo capítulo.
Artemísia Jackson Artemísia Jackson
Brilhante, MADRINHA VOCÊ É BRILHANTE, MARAVILHOSA! Não tenho ideia de como essa história vai seguir, mas já adorei o começo, sua narração é ótima, prende a gente e sua criatividade é estupenda. Sério, ser sua leitora é um privilégio, você é maravilhosa Nathy!
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