Fazia muito tempo que Aburame Shino não acordava cedo com uma crise daquelas. Não exatamente uma crise. Mas… com aquela sensação estranha que precede uma crise, que apenas quem sofre com Transtorno Obsessivo Compulsivo consegue identificar.
Sentia uma inquietação que o fez ter uma noite péssima de sono.
Saltou logo da cama para realizar os pequenos rituais, mas desistiu. Sabia por experiência anterior que reforçar o padrão diário acentuaria a ansiedade controlada com remédios.
Tinha que ter coragem e tentar se libertar antes que a crise se agravasse.
Então, apesar de ser muito cedo, apenas trocou de roupa e saiu de casa.
Era por volta de seis horas da manhã.
Cotidianamente acordava as sete, tomava um banho, preparava o café e saia de casa com tempo o suficiente para chegar na empresa com dez minutos de antecedência. Tudo com uma pontualidade britânica. Então mergulhava na rotina até certo ponto previsível de trabalho. Voltava para casa ao final do expediente para acabar o dia com mais uma pequena sequência de rituais.
A diferença estava nos pensamentos.
Como tomava uma dose regular de ansiolíticos, a obsessão ficava sob controle.
Até que aquela madrugada, por algum motivo e sem aviso, o pensamento rompeu o sono e o trouxe de volta a consciência. Seu pai vai morrer.
Era sempre inesperado. E sempre devastador.
Desanimado, Shino sentiu o ar frio do fim de madrugada aliviar a tensão em sua pele. Focar nos cinco sentidos amenizava bastante. Sua psicóloga ensinou técnicas que ajudavam muito, quando ele conseguia se focar.
Lembrava que romper a rotina antes da crise era um modo de manipular a ansiedade, pois trazia certo controle: a ideia de que Shino escolheu mudar os hábitos por vontade própria. Ele era senhor de si.
Enfiou as mãos nos bolsos do longo casaco enquanto caminhava pela rua.
Preferiu ir a pé.
Gostava de exercícios. Frequentava academia de duas a três vezes por semana.
Havia bastante gente andando àquela hora. A grande maioria já pronta para começar a trabalhar, rumando para seus empregos. O trânsito era intenso também.
Tokyo, a cidade que nunca dorme.
Shino suspirou com certo desgaste.
Quando suas crises atingiam um ponto alto, também não conseguia dormir. Não era um jargão divertido, na vida real era como estar sempre exaurido. De ânimo, de energia, de vontade de viver.
Mudou o trajeto. Escolheu dar uma volta maior, passando em frente ao parque Ueno.
Fazia tempo que não visitava o lugar, rotineiramente cheio de frequentadores, inclusive turistas oversea. Naquela manhã não era diferente. Viu pessoas sentadas nos bancos, seguindo em direção ao templo. Pequenos grupos, grandes grupos. Deduziu fácil que eram excursões que chegavam de madrugada ao local para aproveitar mais.
Seguiu pela calçada que circulava o parque. Aquilo era o bastante para acalmá-lo. Ver todo o movimento, as pessoas desconhecidas… sentia na pele que o controle era um desejo ilusório. Respirar era quase fácil.
Fez o percurso devagar, levando mais tempo do que seria necessário normalmente. Precisava desses minutos extras. Foi apenas ao alcançar o limite, rumando em direção à estação do metrô, que deparou-se com a cena inesperada que roubou sua atenção.
No último banco de cimento, recostado no encosto de um jeito bem desconfortável, estava um rapaz de cabelos castanhos despenteados, pele amorenada de leve e maçãs do rosto proeminentes, talvez devido a aparência esbelta demais, quase magra. Cochilava com a cabeça pendendo para trás e os lábios entreabertos.
Isso, por si só, não era de todo surpreendente. Shino já tinha visto outros jovens dormindo no parque, o habito que a cultura japonesa mantinha até hoje. Aquela questão de adormecer em qualquer lugar…
O que chamava a atenção era a bebê que dormia numa mochila-canguru, acomodada sobre o peito do rapaz, com o rosto meio escondido na curva do pescoço dele. Ao lado, no assento do banco, alguns takoyaki estavam espalhados, outros pelo chão, junto com um pratinho descartável. Não foi difícil deduzir que desconhecido adormeceu comendo e acabou perdendo a refeição.
A cena era tão inesperada, que varreu a sombra que pairava sobre Shino, limpou sua mente dos pensamentos repetitivos que se insinuavam sem permissão e o fez se questionar todas as possibilidades que regem a vida e que levaram aquela dupla a cochilar no parque, numa hora tão avançada da manhã.
Olhou no relógio.
Faltavam vinte minutos para as sete. A temperatura começava a esquentar, mas ainda era um tanto baixa. Aparentemente nada que incomodasse o sono alheio.
Em dúvida sobre continuar a caminhada, sem saber bem o porquê da hesitação, Shino notou o rapaz se mover devagar, um tanto letárgico, uma das mãos foi esfregar os olhos, enquanto a outra dava suporte à bebê que ainda dormia.
Dois segundos depois os olhos se abriram, seguidos de um bocejo preguiçoso e cansado; enquanto o rapaz observava ao redor tentando se situar no espaço e no tempo. Logo a expressão sonolenta desaparece e foi substituída por puro pesar: ele notou os bolinhos perdidos. Pareceu sentir tão profundamente, que algo no peito de Shino chegou a apertar. Sensação de piedade que diminuiu um pouco quando ouviu uma série de palavrões praguejando em frustração. O estranho era bem descortês!
Shino não estava perto demais dos dois, mas o suficiente para ser notado. O que aconteceu em seguida, quando o rapaz pinçou um dos bolinhos e olhou de um lado para o outro, como se em duvida sobre o que fazer. Foi quando percebeu Shino assistindo seu infortúnio.
— Caralho! — ele sorriu apesar de tudo — Meu café da manhã já era!
Passou a juntar os takoyaki que estavam ao seu alcance, depois reclinou-se com cuidado por causa da bebê e pegou os do chão, ajeitando todos sobre o pratinho.
Shino deu um passo a frente, seguindo um impulso. Logo ele, que nunca agia sem pensar, se viu oferecendo:
— Se não se ofender, posso pagar um café da manhã — não conseguiu acreditar que alguém tinha meia dúzia de bolinhos como primeira refeição. E desconfiou de leve que em tal situação a falta de dinheiro era um determinante crucial.
Iria descobrir se estava certo. A oferta podia ser mal recebida e ele acabaria rechaçado, então retomaria seu caminho, sua rotinha, como se nada daquilo tivesse acontecido.
Mas, não para surpresa total, o que aconteceu foi o oposto.
— Não me ofendo nem um pouco! — o rapaz inclinou-se para o outro lado e levantou-se pegando uma pequena bolsa cor de rosa, um tanto estufada — Aqui perto tem um restaurante que é bom e barato! Se não se importar em andar um pouco…
Shino balançou a cabeça. Aproximou-se em três passos, esperando que o outro indicasse o caminho.
— Meu nome é Kiba. Inuzuka Kiba — se apresentou com um sorriso lotado de dentes, onde duas presinhas salientes se sobressaiam.
— Aburame Shino — o nome veio com um reclinar suave de cabeça.
— Essa é minha filha, Inuzuka Sumire — Kiba ajeitou a menininha na mochila-canguru. A criança devia ter cerca de um ano, no máximo um ano e meio; e dormia apesar da posição não muito confortável, os cabelos de tom claro era lisinhos, lisinhos.
— Prazer.
— Que azar perder o takoyaki. Mas que sorte você estar por perto. Valeu cara, ta quase na hora do meu arubaito, não ia ter tempo de me virar pra comer alguma coisa!
Shino ouviu o falatório em silêncio. Não era de agir por impulso, mas também não era de ver alguém num momento de necessidade e não oferecer ajuda.
— Ali — Kiba apontou o pequeno restaurante, dois quarteirões afastado do parque. Ichiraku, dizia a placa.
Estava bem movimentado àquela hora, todavia o homem atrás do balcão acenou mostrando um banco vago.
— Bom dia, Teuchi-san! Sofri um acidente com meu café da manhã.
— Bom dia, Kiba-kun — o homem sorriu, reconhecendo um dos clientes quase diários — O de sempre?
Antes de responder, Kiba olhou para Shino que concordou com um aceno de cabeça. Pelo aspecto do restaurante, nada no cardápio deveria custar um absurdo.
— O de sempre! — Kiba concordou.
— Ótimo! Misso lamen com o dobro da carne! — Teuchi deu as costas e foi preparar o prato pedido.
Shino deu uma breve olhada no lugar. Havia um bom número de trabalhadores fazendo a primeira refeição do dia. O cheiro de comida era ótimo.
— Ei, Shino. Não quer experimentar o lamen? Teuchi-san é um mestre na cozinha!!
O chamado trouxe Aburame Shino de volta a realidade. Balançou a cabeça descartando a oferta.
Conseguiu desviar da rotina o máximo que podia imaginar! Naqueles últimos minutos não teve nenhum pensamento repetitivo. A sensação ruim da Obsessão desapareceu. Sentiu-se bem, não apenas por fazer uma boa ação, mas porque o terror do transtorno de personalidade fora afastado.
— Obrigado — dispensou — Preciso ir.
Chegaria atrasado na empresa. Antes, isso o deixaria mortificado e lamentoso o resto do dia. Naquela situação, não o incomodou. Chegar atrasado era um preço pequeno, caso pudesse ajudar alguém com fome.
— Caralho, Shino — o rapaz gracejou exagerado — Eu que agradeço, cara. Você salvou o meu pescoço!! Valeu mesmo!
Shino apenas balançou a cabeça, dispensando a gratidão. Afastou-se em direção ao caixa, notando muito de leve que a menininha começava a despertar e Kiba voltava a atenção para a pequenina.
Aguardou alguns segundos no balcão, até que Teuchi-san veio receber.
— Um misso lamen. Seiscentos ienes.
Shino ajeitou os óculos no rosto, estranhando que o homem errasse o prato:
— Misso lamen com o dobro de carne — corrigiu.
— Ah — Teuchi-san baixou o tom de voz, ganhando um ar cúmplice — O dobro de carne é por conta da casa — piscou.
Era o jeito que o dono do restaurante encontrou de ajudar o rapaz. Sabia que Kiba sempre ganhava café da manhã, por isso cobrava apenas o prato pedido, nunca o extra.
Shino ergueu as sobrancelhas. Acabou entregando uma nota de mil ienes e recusando o troco. Orientou que o homem ofertasse alguma bebida junto do lamen, talvez chá verde.
Então se afastou do restaurante, meio impressionado com tudo o que aconteceu.
Saiu de casa apenas na intenção de ajudar a superar uma doença que o perseguia desde a pré-adolescência e acabou fazendo uma boa ação para um desconhecido!
Gastou um valor que não tinha coragem nem de dar como esmola, quando um transeunte o pedia, porque era tão pouco que nem fazia diferença.
Chegou à estação de metrô e pegou um vagão lotado. Antes, teria ficado para fora e esperado uma viagem mais vazia. Mas estava tão concentrado refletindo sobre Kiba e Sumire, que nem se importou em espremer-se na multidão de desconhecidos.
Chegou a “Aburame & Yamanaka TechControl” com vinte minutos de atraso e isso lhe valeu cumprimentos surpresos mal disfarçados. Aburame Shino, coproprietário daquela empresa, nunca se atrasava desde que os funcionários pudessem se lembrar.
Shino não se importou com os olhares que recebeu.
Chegou na sala que ocupava, no último andar, e que dividia com Yamanaka Ino, sua sócia. Sabia que Ino estaria fora para fechar um acordo com um negociante do longínquo País da Areia. Negociante que estava em Tokyo com a família. Sendo um dos membros particularmente interessante para Shino.
E foi para essa pessoa que ele ligou.
— Alô, Kankuro? Aqui é Aburame Shino. Não. Não estou procurando a Ino. É com você mesmo que quero falar (...) Preciso que me faça um pequeno favor. Anote esse nome: Inuzuka Kiba. E descubra o que puder sobre ele.
Shino&Kiba
Notas: Essa fanfic é baseada em um meme do facebook, onde o pai solteiro leva o filho pro trabalho!
Vem vindo confusão aí... hohohohohoh vou tentar att toda quarta!
***
Fiz outra fanfic para esse desafio! Ela se chama "Wild Sweetness". ♥
Спасибо за чтение!
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