Notas Iniciais: Oneshot escrita para o segundo desafio do @DesafiosFanfics do Spirit.
Capa editada por mim com base em uma imagem de uso livre do Unsplash.
Boa leitura ♥
***
Do dia para a noite, o meu mundo mudou. Um maldito rival surgiu do nada e invadiu o meu território.
Não sei como ele conseguiu entrar tão sorrateiro, cruzando limites que não deveriam ser cruzados sob hipótese alguma! Também não sei como pôde ser tão desaforado ao ponto de ignorar o meu cheiro impregnado em tudo e achar que poderia reinar por essas bandas que já têm o seu próprio rei. Só sei que tanta cara de pau não pode ficar por isso mesmo. Vou expulsá-lo daqui ou não me chamo Milorde.
Essa é a segunda vez que tenho o desgosto de ver o Felino Pateta na minha frente. Admito que o primeiro encontro foi tão inesperado e assustador que, numa reação automática, meu corpo inteiro saiu do chão num pulo desengonçado e então eu corri em disparada. Tenho certeza que foi uma cena humilhante. O que me consola é que o outro gato se assustou da mesmíssima maneira e, quando olhei para trás, ele também estava com os olhos amarelos bem arregalados de assombro.
Agora, com o meu olhar mais intimidante e mortal, encaro-o a uma distância segura. Não que eu esteja com medo de me aproximar, longe disso, só quero analisar o inimigo com muita atenção, antes de encurralar o atrevido e lhe dar uma merecida sova com minhas patas e unhas, além de enlouquecê-lo com os miados mais estridentes possíveis.
Queria entender como ele veio parar no quarto da minha Humana, aliás. Ela trouxe algo para casa ontem, agora eu me lembro... Mas não cheirava como um outro de minha espécie. Fiquei tão feliz brincando com o papelão que embalava a tal coisa, que não percebi que era apenas uma distração para me fazer de idiota, claro! Com certeza, foi nesse meio tempo que o rival conseguiu entrar. Com a ajuda e conivência dela.
Francamente, sinto-me traído e ultrajado. Não sei como a Humana teve coragem de trazer uma criaturinha tão feiosa para concorrer comigo e acreditou que estaria tudo bem. Humanos são seres esquisitos, mas me entenderei com a minha depois, tenho um problema mais urgente me encarando agora. Isso mesmo, o infeliz tem a desfaçatez de me olhar de volta com o mesmo ar de desafio.
Permanecemos imóveis, um olhando para o outro por um tempo que se arrasta e pesa a cada instante no ar que nos separa. Até que, mostrando que não conhece qualquer limite, o rival ergue o rabo no mesmo segundo em que eu faço isso. Balança a cauda de um lado para o outro, suavemente, de um jeito ameaçador, assim como eu estou fazendo...
Maldição!
Essa provocação é a gota d’água! Só tem mesmo um jeito de acertamos nossas diferenças e eu preciso mostrar quem é que manda por aqui de uma vez! Sem pestanejar, aceito o chamado para a briga e caminho ameaçador na direção dele!
E estanco no meio do caminho, alarmado, ao me dar conta que ele também se moveu com a mesma postura imponente. Um miado rouco de protesto escapa da minha garganta e, apesar do pateta abrir a boca também, não capto o seu miado no ar.
Que patético... Um gato que não mia e se limita a repetir os movimentos do outro para confundi-lo. Eu riria da imitação deprimente, se fosse capaz de rir como os humanos.
Ao invés disso então, deixo-me dominar pela fúria e disparo até ele com um miado ainda mais alto e o pelo completamente eriçado. O maldito também se arrepia na hora, vem na direção oposta com igual velocidade e nos atracamos em cheio!
Ou quase isso.
É muito estranho, simplesmente não consigo enfiar minhas garras no seu pelo ridículo! O Felino Pateta está protegido por algum tipo de barreira que me impede de colocá-lo no seu devido lugar, como certamente merece depois de tanto me afrontar!
Ainda mais possesso, arranho a misteriosa superfície repetidamente e dou umas boas patadas no rosto medíocre que me encara de volta. Mas cada golpe é inútil e ainda rebatido com um movimento igualzinho ao meu!
Maldito imitador! Mio em desespero e de raiva! Ele me paga!
Dou tudo de mim pela causa! É uma questão de honra, mais do que nunca, colocar esse serzinho deselegante para correr daqui! Quem ele pensa que é?
A estrutura que o mantém a salvo de mim — por ora — treme com a potência dos golpes que desfiro e que o pateta rebate com um reflexo impressionante. Ele é quase páreo para mim. Quase.
A coisa inteira balança ainda mais enquanto tentamos nos engalfinhar a todo custo numa luta que parece não ter fim. Até que um ranger na misteriosa barreira me assusta, acende um alerta para perigo iminente e eu saio correndo.
Em minha defesa, o sujeitinho também disparou em retirada, ora essa!
Estou cruzando a porta do quarto depois de uma última olhada para o meu rival apavorado também, quando a estrutura despenca no chão e um estrondo cortante se espalha por toda a parte.
— Milorde!!! — a Humana grita de algum lugar do meu reino.
Assim que me encontra no corredor, ela me toma nos braços com tanto alívio e me aperta com tanto carinho junto ao peito disparado que não entendo mais nada. Para alguém que me afrontou ao colocar um usurpador nessa casa, ela está muito feliz por me ver são e salvo após o embate com o traste.
E por falar nele... nem sinal. Do colo da Humana consigo espiar o quarto e o Felino Pateta se foi. A estrutura que o protegia também encontrou seu fim, está tombada no chão e, pelo barulhão que fez ao cair, duvido que se recupere um dia.
Mio baixinho, feliz por ter conseguido espantar o rival daqui e acabado com qualquer ameaça. E só porque estou feliz assim, talvez eu releve o comportamento traiçoeiro da Humana e perdoe o seu crime mais rápido do que ela merece.
Claro que ela terá que me servir muitos sachês de salmão para compensar o meu desgaste na batalha infame...
Dias depois
Pensei que a Humana tinha aprendido a lição, que uma trégua era merecida e que o meu mundo tinha voltado aos eixos.
Imagine o meu choque quando ela chegou toda serelepe em casa, com mais papelão a tiracolo e, enquanto eu brincava inocentemente com um pedaço dele — simplesmente não resisti, me julguem —, um novo intruso surgiu bem na minha frente. E também brincando com um papelão! Ora, que atrevido!
Paramos na mesma hora e nos encaramos no mais absoluto silêncio. Um silêncio cheio de ameaças mútuas.
Movo o pescoço para cima. Ele faz o mesmo movimento, no mesmo segundo. Decido relevar por ora, pois preciso encarar a Humana nesse momento. É para ela que direciono um olhar acusatório e muito magoado.
É inadmissível, mas acabei de perceber que eu não passo de uma piada para ela.
FIM
Notas Finais:
Dentre as espécies capazes de se reconhecerem no espelho, os gatos não estão entre elas.
E esse foi o tema do desafio: Espelho!
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