Para onde quer que eu olhe, cascas vazias. Pessoas incapazes de expressar seus próprios sentimentos. Máquinas trabalhistas que seguem uma mesma rotina. Isso é mesmo viver? Quantas vidas teremos antes de perceber? Que viver é um único segundo, que manter essa rotina cansativa é um abuso? Tento me desprender da crisálida e voar além do arco-íris. Mas no fim sou como todos eles: uma casca vazia que já deixou de viver.

Vazio. Dentro de mim, um labirinto de caos. Gritos que descem garganta abaixo ecoando na mente em estilhaços. Seu nome permanece gravado na memória junto dos olhos que se apagaram como as chamas de uma vela ao sabor do vento. Lembro-me de repeti-lo insanamente, gritando e gritando. Não pude voltar no tempo no entanto. A vida se esvaiu de seu olhar. Perder você foi como ver o mundo acabar. Agora só resta a culpa. Nada mais.

Noite adentro, as estrelas pingam no céu até que se faz dia novamente, e cada segundo arrastado é marcado pela insônia que se tornou uma velha companheira. Distante, ouço o riso zombeteiro de quem tinha dito que as coisas aconteceriam exatamente assim. Que os sonhos são para serem sonhados e não vividos. Talvez esse tenha sido meu erro: sonhei demais e esqueci como viver.

Exposta, desnudada e destruída na frente de todos. Suas palavras trazem em mim o pânico de outra crise, o ruído branco tomando conta de tudo. Você não cita nomes, não é preciso quando o olhar paira sobre mim diante das acusações feitas. Humilhada, destroçada, acabada. Olho o reflexo no espelho e não mais me vejo, pois você arrancou quem eu sou de mim. Ouço seus risos, o regojizo em minha dor. Pra mim é o fim. Você sorri. Você só ri.

"Entendo.", disse ela novamente sem que a palavra realmente me alcançasse. Entendia mesmo? Não falo nada, tentando assimilar aquilo. Tentando compreender quantas vezes já tivemos a mesma conversa sem chegar a lugar algum. "Acho que as coisas nunca vão mudar.", disparo de repente, e pareço tê-la atingido com o solavanco de um coice. "Fico triste que pense assim." Mas é só isso. Uma tristeza passageira. O comodismo permanece. Nada muda.

Cheguei ao topo do mundo e olhei para baixo. Senti como se o ar rarefeito fosse explodir meus pulmões - e como queria que fosse assim. O peso das correntes era demais, atadas aos pulsos e tornozelos, me fazendo mergulhar no vazio eterno. Senti o vento frio sobre as bochechas e decidi dar um basta. Larguei os grilhões e ouvi o peso da destruição que eles causaram ao atingir o solo. Libertei-me do peso daquilo que me sufocava e me permiti sorrir. Um passo de cada vez.

Você olhou através de mim, enxergando apenas o que queria como se eu não refletisse o meu próprio ser. Sorriu como sempre, serviu o café como sempre e fez a torta que eu gosto, falando trivialidades e perguntando sobre o clima. Você não tocou no assunto proibido, nas feridas ainda abertas que ficaram estigmatizadas em mim. Ao contrário, fingiu que nada aconteceu e seguiu em frente como lhe faltasse a visão periférica. Tento entender, mas não consigo. E todas as feridas que você causou doem.

Você virou as costas pra mim quando eu mais precisei do seu apoio. Disse que estaria lá pra me ajudar quando ela, com todo seu desprezo, me mandasse embora de casa porque não me aceita como eu sou. Mas o seu compromisso era mais importante, uma rota de fuga pra você não ter que encarar comigo aquele terror. Foi então que compreendi: eu sempre estaria lá por você, mas você não estará lá por mim.

A boca seca e as palmas das mãos suam. Seus olhos brilham com lágrimas que não posso suportar. Espero as piadas a respeito da minha revelação a respeito da minha sexualidade: 'bipolar? biscate?', mas elas não vêm. Você dá um passo à frente, a expressão resoluta, e fecho os olhos, temendo pelo tapa que nunca veio. Ao invés disso, sinto seus braços me puxarem para perto num abraço caloroso. 'Estaremos juntos', você diz. E me sinto livre para amar e ser quem eu sou sem o seu julgamento.

Vejo nos seus olhos quando você me olha; a tristeza refletida na dor de um nome proibido, impronunciável diante de ti. E me machuca tanto quanto todas as palavras maldosas que já ouvi. Como naquele dia do desprezo velado que até hoje me persegue. É tão difícil assim me aceitar? Me amar pela bandeira rosa, azul e púrpura que eu decidi abraçar? Tento compreender, mas é difícil. Tão difícil quanto seu desapontamento diante do nome proibido. Às vezes me questiono: seria melhor se eu tivesse morrido?