Sanji abaixou a cabeça, deixando-a rende ao chão, quando a porta do seu quarto bateu, fechando em seguida os olhos com força, permitindo que as lágrimas salgadas que estavam acumuladas escorressem pelas suas bochechas inchadas.
Levou a mão ao último local que o seu pai lhe tinha tocado antes de sair, passando os dedos suavemente sob a marca avermelhada, que iria ficar roxa em breve, no seu braço. Todo o seu corpo doía das pancadas constantes que recebia do seu pai biológico, Judge, que já não usava só as mãos ou pés, mas também outros objetos que estivessem por perto, como cintos, pratos e vassouras. Aquela marca no braço era apenas uma das muitas que tinha por todo o corpo sempre que o seu pai resolvia libertar todas as frustrações que sentia sobre o seu terceiro filho fisicamente no próprio. Deixando claro com palavras revoltadas como se sentia por cada incompetência que o seu filho demonstrava para qualquer tipo de atividade que envolvesse força bruta.
Sanji chorou sem se importar se seria ouvido, pois todas as pessoas presentes em sua casa já o tinham ouvido diversas vezes, então o loiro já nem se importava em demonstrar como ficava sempre que o seu pai resolvia castigá-lo. Sentou-se no chão frio lentamente, apenas soluçando enquanto tentava limpar as lágrimas que insistiam em cair.
A porta foi aberta lentamente, e Sanji soube, sem nem precisar olhar, quem é que entrava no seu quarto. Reiju, a sua irmã mais velha, era a única que abria a porta com tanta delicadeza, especialmente depois do seu pai sair, nenhum empregado da grande casa se atrevia a ver o estado de Sanji, preferiam não se meterem nos problemas da família para manterem o emprego.
Reiju observou o seu irmão de 9 anos encolhido, coberto de diversos hematomas e marcas causadas pela violência que sofria com certa regularidade nos últimos 4 anos. Andou até à cama do pequeno, abaixando-se para pegar na caixa de primeiros socorros que tinha guardado ali para aqueles momentos. Aproximou-se de Sanji com cautela, contendo as lágrimas ao ver o seu doce irmão passar por aquilo, sem ter realmente culpa. Abaixou-se e pegou com a maior delicadeza que conseguia no braço de Sanji, começando a tratar das feridas para que o seu irmão não sentisse tanta dor.
– Obrigado Reiju. – Agradeceu Sanji com uma voz fraca, observando o que a irmã fazia no seu braço.
– Não é nada. – Respondeu com uma voz triste, ela queria poder fazer mais pelo irmão, mas não sabia como ajudá-lo.
Uma vez falou com um dos empregados, pedindo-lhe que ajudasse Sanji, no entanto, apesar do empregado ter chamado a polícia, alegando que uma criança sofria violência doméstica, Judge disfarçou os ferimentos do filho e, por uma razão que Reiju desconhecia, Sanji mentiu sobre os maus tratamentos, dizendo que era desastrado e por isso se magoava com facilidade. O resultado foi atiçar a fúria de Judge que despediu o empregado por se meter em assuntos da família, usando-o silenciosamente como exemplo para os restantes empregados, que se mantinham o mais afastados possíveis de tudo que estivesse fora das suas competências.
– Queres falar sobre o que aconteceu? – Perguntou Reiju ao terminar os curativos no irmão. Normalmente a razão era sempre a mesma, no entanto desta vez Reiju não estava presente, pois tinha treinos e talvez se Sanji desabafasse sentir-se-ia melhor.
– Fomos ao dojo de judo, eu não consegui vencer ninguém, então como já é a quarta vez que lá vamos, o pai ficou chateado e trouxe-me para casa. – Sanji fungou um pouco ao lembrar-se do silêncio no carro do dojo até casa, e das palavras rígidas que o seu pai lhe dirigiu quando o puxou pelo braço até ao quarto, Sanji já sabia o que ia acontecer, pois era sempre a mesma coisa, mas mesmo assim chamava pelo pai e pedia desculpas, desculpas por não conseguir praticar aquele desporto, desculpas por não saber fazer as coisas, desculpas por ser fraco, mas o pai não ligava para as suas palavras e dizia que ia fazer dele um homem, que o iria tornar forte, mesmo que à força.
– E os manos? – Perguntou a mais velha ao guardar a caixa debaixo da cama novamente.
– Eles ficaram no dojo, ficaram a lutar com outras crianças mais velhas, já que derrotaram as da nossa idade. – Respondeu Sanji suspirando e abraçando o corpo.
Ali estava um dos problemas, apesar de Sanji não ter jeito para atividades que envolvessem força bruta, todos os seus irmãos gémeos tinham muito jeito para isso, bastava alguns treinos com Judge em casa e com professores profissionais, financiados pelo pai, que eles conseguiam evoluir rapidamente, mostrado resultados muito positivos e acima da média comparativamente a outras crianças da sua idade. Judge, para mostrar a si próprio, e a possíveis patrocinadores, do que a família Vinsmoke era capaz, depois de alguns treinos levava os filhos para dojos especializados, em cada desporto e de preferência com fama, e os seus filhos ficavam a treinar, derrotando os restantes aprendizes com maestria, quando isso acontecesse, Judge passava a ensinar outro desporto, geralmente outro tipo de luta, para que o ciclo se voltasse a repetir. No entanto, por mais que treinasse todos os filhos da mesma forma, Sanji não demonstrava ter nenhum tipo de aptidão para aquele tipo de atividades, mesmo que se esforçasse para aprender, então Judge, que era campeão em algumas modalidades, e que tinha como objetivo fazer a família ser mundialmente conhecida pela sua força em desportos individuais, libertava a frustração de ter um filho incompetente com palavras duras e golpes no corpo do menor.
– Sanji. – Chamou Reiju depois de um momento de silêncio, tendo uma ideia que poderia animar o irmão. – O pai saiu, provavelmente voltou para o dojo, queres aproveitar e ir para a cozinha? – Perguntou com um sorriso doce nos lábios, que aumentou de tamanho quando Sanji levantou o rosto, encarando-a com um brilho no olhar.
– Sim! – Afirmou animado, levantando-se com alguma dificuldade e caminhado com a irmã para a cozinha.
Os únicos momentos em que Sanji podia fazer algo que realmente gostava era quando o seu pai e irmãos estavam fora de casa, era a altura em que podia usar a cozinha sem que eles aparecessem e o criticassem por não saber lutar, mas gostar de cozinhar. Sanji criou uma paixão por cozinha quando viu um programa de culinária pela primeira vez, nesse momento percebeu que queria que todos os que provassem os seus cozinhados sorrissem, assim como aparecia no programa. No entanto, a primeira vez que experimentou cozinhar algo, o seu pai descobriu-o e foi a primeira vez que fora agredido, segundo o pai se tinha tempo para desperdiçar na cozinha poderia usa-lo para treinar, mas Sanji não se arrependia de ter tentado cozinhar, era algo que ele tinha gostado, e quando contou à sua mãe, a mesma apoiou-o, então Sanji teve a certeza que o que fazia era o mais correto, e por isso continuava a praticar na cozinha sempre que podia.
– Aproveita enquanto podes Sanji. – Disse Reiju, assim que chegaram à cozinha e viu o irmão sorrir. – Eu vou ficar a vigiar, assim que o pai chegar eu venho avisar-te. – E assim saiu, deixando Sanji sozinho.
Naquela casa Reiju era a única pessoa que apoiava que Sanji cozinhasse, por isso sempre que podia fazia com que o irmão ficasse na cozinha enquanto a mesma observava a entrada da casa pela janela, assim teriam certeza que Sanji não seria descoberto, e o menino era o mais organizado possível para fazer com que parecesse que a cozinha não tinha sido utilizada. Reiju era a filha mais velha da família, três anos mais velha que os seus irmãos quadrigémeos, e apesar do pai também a ter treinado até recentemente, a mesma tinha jeito para desportos, o que alegrava o pai e fez com que não tivesse de sofrer como Sanji. Os treinos dela apenas terminaram quando a mesma disse que queria especializar-se em muay thai, e pelo talento demonstrado, o pai deixou, sob a condição de que tinha de ser a melhor, e Reiju estava a conseguir atingir as expectativas do pai.
Demorou cerca de 1 hora e meia para que Judge e os outros irmãos voltassem, e assim que viu o carro, Reiju correu para avisar Sanji e ajudá-lo a esconder as provas se fosse necessário, por sorte já estava tudo organizado e o menino estava a guardar o que cozinhara dentro de um tupperware para poder levar para o seu quarto. Com um suave sorriso nos lábios o loiro correu desajeitadamente até ao quarto, agradecendo à irmã, escondendo a comida que tinha feito para poder prová-la mais tarde.
Sanji viu que a irmã não o seguira, provavelmente tinha ido treinar para que o pai não a criticasse, e fechou a porta do quarto, aproximando-se da janela do lado oposto à porta que ocupava a altura da parede, sentando-se encostado à mesma, observando o céu azul.
Foi nesse momento que percebeu uma estranha movimentação do lado de fora, a zona onde morava não era muito movimentada, então era estranho ver um rapaz sozinho e desconhecido a andar por ali, especialmente quando andava com a mão na cabeça e parecia confuso. Sanji seguiu-o com um olhar curioso até perdê-lo de vista, esperando uns minutos e surpreendendo-se quando voltou a ver o mesmo rapaz, que agora parava no caminho e parecia que não sabia que já tinha passado ali antes. O loiro ficou algum tempo a observar o rapaz do outro lado, vendo-o a ir em diferentes direções e voltar sempre ali, ficou a vê-lo tempo suficiente para que o sol se começasse a pôr e o rapaz na rua decidisse sentar-se, provavelmente por não conseguir voltar.
Sanji decidiu que queria ajudá-lo, pegando num casaco e preparou-se para sair do quarto, mas antes observou a gaveta onde guardara a comida e teve uma ideia de não só ajudá-lo a encontrar o caminho, mas também alimentá-lo e, com sorte, vê-lo sorrir ao comer algo que ele tivesse feito.
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