Quando eu tinha uns nove ou dez anos, quando ainda não tínhamos televisão, nossas tardes eram preenchidas com um programa de rádio chamado: Programa da Tia Leninha. Meu Deus! Adorávamos aquele programa, eu e minhas duas irmãs sentávamos junto à mesa e ouvíamos as musiquinhas infantis, os conselhos da Tia Leninha, as cartinhas dos ouvinte e a hora mais importante. A historinha do dia ou o capítulo da novelinha. Nesse tempo estava passando a novelinha do Chico gaioleiro. Um menino malvado que se divertia em apanhar pássaros para criar em gaiolas. Contávamos as horas os minutos e os segundos para ouvir a história do Chico Gaioleiro.
O problema é que tínhamos irmãos mais velhos, e irmãos mais velhos às vezes são tormentos que irmãs mais novas são obrigadas a suportar. E por muitas vezes fomos impedidas de ouvir nosso programa favorito.
A cena era mais ou menos assim. Meus irmãos chegavam da roça sujos e suados, e sem pedir licença, pegavam o rádio e se trancavam no quarto. Ficávamos as três chorando frente a porta, implorando para ouvirmos a Tia Leninha e a novela do Chico Gaioleiro. De dentro do quarto, eles riam e diziam que não tinham nenhuma tia chamada Leninha e que não conheciam nenhum Chico Gaioleiro.
Quando reclamávamos para nossa mãe, ela quase que implorava para que brincássemos de outra coisa, só que não queríamos brincar de outra “coisa” queríamos ouvir o programa da Tia Leninha! Essa situação nos deixou tão revoltadas que decidimos nos vingar, mas vingar de verdade com V de vingança bem grande.
Bom, eles eram muito mais fortes que nós, e por pouca coisa nos batiam, então na força jamais os venceríamos.
Se vocês não sabem, em famílias grandes, os mais fortes dominam os mais fracos, submetendo-os as mais cruéis torturas. E como eu disse, meus irmãos eram fortes, muito fortes mesmo. Tinha um que comia dez ovos no café da manhã. Já que éramos magricelas, precisávamos ser inteligentes para vencê-los. Só precisávamos descobrir qual era o ponto fraco deles, o que não foi muito difícil.
Assim como o Chico Gaioleiro, nossos irmãos também gostavam de fazer armadilhas para pegar passarinhos, nem precisamos queimar nossos neurônios para arquitetar um plano.
Todos os dias, íamos nos lugares onde eles armavam os alçapões e soltávamos os pássaros. Sentíamos dois tipos de felicidade: a primeira felicidade era ver os passarinhos voando livres. A segunda por imaginar a raiva que nossos irmãos ficariam, acho que a segunda felicidade era mais prazerosa.
Deus do céu! aquilo os deixava muito irritados, tão irritados que tínhamos que rezar para não sermos espancadas.
O dia em que comunicamos a soltura de um curió, eles praticamente ensandeceram, partiram como loucos pra cima de nós, e fizeram as mais terríveis ameaças. Assustadas ouvimos os brados ferozes dos animais em forma de seres humanos.
Eles juraram que não ficaríamos impunes, e que nossas bonecas sofreriam as consequências. Preocupadas, pegamos nossas meninas de plásticos e escondemos no baú da mamãe. Só que não parou por ai. Promessas de afogamento, surras violentas e até escalpamento foram proferidos em alto e bom tom.
Mas, tínhamos que provar que não estávamos brincando. Mesmo sob constantes ameaças, seguimos com o plano.
O dia em que soltamos um canário do reino, o mundo deles desabou de vez, nunca os vimos tão derrotados. Naquele momento sentimos que a batalha estava ganha.
Sem armas para nos enfrentar, eles propuseram uma reunião, queriam discutir os termos acerca do rádio. Concordamos.
As cinco da tarde estávamos os sete irmãos sentados nos bancos embaixo do pé de mangueira, mulheres de um lado homens do outro.
— Nós vamos permitir que você ouçam esse programa idiota! Mas nunca mais se aproximem dos nossos alçapões.
— Nós temos algumas exigências.
— Que exigências?
— Todos os dias nós vamos ouvir a Tia Leninha, vocês nunca mais vão pegar o rádio no horário do programa, e nunca mais vão dizer que não temos uma tia chamada Leninha! Tudo bem?
— Tudo bem, desde que não soltem mais os passarinhos, concordamos com vocês.
— Então? Acordo selado? — Perguntamos fazendo cara de meninas muito sérias.
— Acordo selado. — Responderam os quatro ao mesmo tempo.
Finalmente tínhamos paz e tranquilidade para ouvir as novelinhas e historinhas do rádio, então às quatro da tarde estávamos as três atentas a mais um capítulo da novela do Chico Gaioleiro.
Vocês podem pensar que éramos maquiavélicas ou vingativas, na verdade não, pois viver em família não é fácil, ainda mais em uma família grande, onde cada um quer seu espaço. Amávamos nossos irmãos, mas tínhamos que encontrar meios para sobreviver as mais diversas situações, e de vez em quando tirar algumas vantagens, o que nem sempre era possível, a não ser que usássemos nossos neurônios, pois eles tinham muita força nos braços.
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