Tony fechou a geladeira após pegar sua cerveja favorita e se direcionar para a piscina onde passava a maioria de seus dias tristes desde que perdeu seu emprego. Deitou no colchão inflável sobre as águas e se empurrou para o centro da piscina enquanto pegava o telefone caído entre suas pernas. Deslizou uma mão para dentro da água gelada enquanto discava um número com a outra, levando o aparelho ao rosto e pegando a cerveja, virando-a toda em sua boca com desprezo:
— Alô? - perguntou algúem do outro lado da linha.
— É Tony Thompson. Fala pra ele. - respondeu Tony soltando a bebida na piscina.
Tony ajeitou o óculos de sol laranja em seu rosto enquanto o telefonema era direcionado para o ouvinte desejado:
— Faz exatamente sete anos, três meses e dez dias que Tony Evans Thompson não me telefona. A que devo a honra? - perguntou um homem do outro lado com a voz rouca.
— Há quanto tempo, senhor Giovanni. - respondeu Tony com a voz trêmula de medo.
— Para de enrolação e me diga de uma vez o real motivo desta ligação. - falou Giovanni com raiva.
Tony ficou calado por alguns minutos tremendo de medo e aperando o telefone com as duas mãos:
— Eu perdi o trabalho, padrinho. - respondeu Tony já prevendo o surto do homem raivoso do outro lado.
— Antes de tudo, não ouse me chamar de padrinho. Não sou padrinho de covardes. - falou o homem com uma voz calma. — E desde que abandonou a família, nós não temos mais nada a ver com você. Você decidiu seguir seu rumo sozinho, não venha pedir nossa ajuda depois de virar as costas para nós. Sabe que faremos o mesmo agora.
— Eu peço perdão por meu erro, pa... Digo, senhor Giovanni. Eu mudei, ficar tanto tempo longe da minha família me fez abrir os olhos. - falou Tony apertando o colchão de medo.
— Se tivesse mudado realmente, estaria pedindo perdão pessoalmente para mim e não pela porra de um telefone! - gritou Giovanni fervendo de raiva.
Tony travou de medo ficando em completo silêncio. Giovanni estava certo e o rapaz sabia disso. Ele respirou fundo e se preparou para responder seu padrinho, porém foi impedido:
— Vamos fazer assim. Eu pensarei no seu perdão quando o fizer pessoalmente. Venha até minha casa e me explique sua situação. Estarei lhe aguardando. - falou Giovanni com uma voz calma.
— Obrigado, padrinho. Não irei o decepcionar. Vou provar que mudei. - respondeu Tony não contendo a felicidade.
Giovanni desligou a ligação e colocou o telefone sobre sua mesa, se levantando de sua cadeira e virando-se para o grande quadro atrás de si:
— Não entendo. Mesmo depois de ter traído a família você ainda pretende dar outra chance para ele. - falou um homem barbudo fumando um charuto cubano.
— Não podemos ficar presos ao passado para sempre, Sandro. - falou Giovanni com as mãos para trás traçando o quadro com olhares.
— Não podemos depositar confiança naqueles que não merecem, Don. - rebateu Sandro batendo o pé no piso e partindo da sala.
Giovanni abaixou o rosto fechando seus olhos enquanto levava suas mãos ao quadro.
Algumas horas após a ligação, Tony havia convidado um amigo para sua casa. Ele queria conversar sobre o ocorrido com alguém e só confiava em uma pessoa, Cliff Richard. Tony o recebeu com um forte abraço agradecendo por Richard ter aceitado o convite:
— Pode contar comigo sempre, é sério. Mas diz aí, o quê aconteceu? - perguntou Cliff sentando-se em um sofá espaçoso.
— Eu tô fodido. Me enfiei na merda profunda. - Tony começou já anunciando o clima da conversa. — Não consigo mais trabalhos, tô ultrapassado. Já tentei várias saídas, mas nenhuma anda funcionando. Então acabei recorrendo ao extremo.
— Não me diz que tu fez aquilo. - falou Cliff cruzando as pernas e os braços no mesmo momento.
— Lamento. Eu fiz. Liguei pra ele. - respondeu Tony fechando os olhos.
— Não, cara! Não! Tu sabe dessa merda toda porra! - falou Cliff se levantando com raiva.
— Eu tava desesperado! - gritou Tony fechando os punhos.
— Beleza. Entendi, saquei. Pelo menos foi só uma ligação. - falou Cliff sentando novamente no sofá.
— Ele exigiu minha presença. - falou Tony já esperando outro grito.
— Não, Tony! Porra! Não faz isso contigo! - gritou Cliff se levantando novamente.
— Não tenho outra opção! Tô desesperado! - gritou Tony socando a parede ao seu lado.
— Sempre tem, mas vamos pensar nesse problema agora. - respondeu Cliff se acalmando. — Tem cerveja aí?
— Tem, chega mais. Vamos lá na cozinha. - respondeu Tony caminhando para a cozinha ligando as luzes.
Tony abriu a geladeira e pegou duas latas de cerveja e as jogou sobre a mesa. Ambos puxaram cadeiras para sentarem e então abriram as bebidas e voltaram a conversar:
— Ele te deu uma data? - perguntou Cliff tomando um gole da cerveja.
— Não, não, nada de data. Ele apenas falou para eu aparecer por lá algum dia. - respondeu Tony esfregando a mão no rosto.
— Estava pensando em aparecer por lá quando? - Cliff continuou fazendo perguntas.
— Não sei. Amanhã tô atarefado, fiz umas compras onlines e tenho que buscar do outro lado do estado, para quinta eu marquei um acampamento na mata, pra sexta eu... - Tony foi interrompido por Cliff antes de terminar sua fala.
— Caralho, Tony. Sua vida pode estar em jogo e tu tá se preocupando com essas merdas. Foco, amigo. - exclamou Cliff com raiva puxando os cabelos.
— Eu só tava relembrando... dos... meus afazeres. - respondeu Tony ficando em silêncio e virando a bebida toda.
— Beleza. Beleza. Vamos fazer assim. Eu vou com você, entendeu? Inventamos uma história. Sou seu guarda-costa, segurança, motorista. Vou estar lá pra te dar confiança e ajudar a sair dessa enrascada. - falou Cliff colocando a bebida na mesa.
— Tá bom. Ótimo. Valeu mesmo cara. - Tony passou longos minutos agradecendo o amigo pela cooperação.
No dia seguinte, próximo do escurecer, Cliff estacionou o carro na entrada do prédio onde Tony residia e desceu para o esperar, escorou no carro e acendeu um cigarro jogando o cabelo para trás e olhando para o céu profundo. Passaram-se alguns minutos e Tony apareceu com uma bela vestimenta social para a ocasião:
— Foi mal te deixar esperando, parceiro. - falou Tony abraçando o amigo e sentindo algo na cintura dele. — Tu tá armado?
— Prefiro o termo preparado. - respondeu Cliff atravessando para o outro lado e abrindo a porta do carro. — Agora entra aí e vamos tentar sair vivos disso.
Os dois entraram no carro e partiram rumo a residência de Frank Giovanni.
Na mansão, Giovanni falava ao telefone com um importante amigo de Roma:
— Posso lhe garantir que falo a verdade, senhor Partizzoli. Minha família ainda vive. - falou Giovanni abrindo sua caixa de charutos. — Pode confiar que seus negócios estão seguros.
Giovanni desligou depois de alguns minutos conversando sobre macarrões, se levantando e saindo de sua sala enquanto ajeitava os anéis em seus dedos. Ele era acompanhado logo atrás por dois homens armados com pistolas. Ele chegou a sala de televisão de jantar e se sentou, levantando as mangas da roupa e sendo servido um vinho escuro:
— Qual o cardápio de hoje, chefe Lionel? - perguntou Giovanni balançando levemente a taça de vinho.
No mesmo momento, Cliff e Tony pararam em frente à mansão, sendo recebidos por dois homens armados com escopetas:
— Não podem parar aqui. - falou um deles levantando o rosto e olhando para os dois.
— Viemos a convite do senhor Giovanni. Diga a ele que Tony está no portão. - falou Cliff pegando o cigarro da boca e soltando no sapato de um dos guardas.
Eles se encararam por um momento e enquanto um continou de guarda vigiando Cliff e Tony, o outro foi avisar os demais sobre a chegada dos convidados:
— Abaixa isso aí, amigão. Somos todos amigos aqui. - falou Cliff com um sorriso de canto no rosto.
O guarda permaneceu em silêncio segurando a escopeta na direção dos dois.
O outro guarda retornou autorizando a entrada de Cliff e Tony:
— Ele espera por vocês. Sigam até a porta principal. - falou o guarda permitindo acesso.
Os dois seguiram caminho ajeitando suas roupas e cabelos, com seus corpos fervendo e corações pulsando forte:
— Se morrermos aqui, saiba que você foi o melhor amigo que tive. - falou Tony tremendo e olhando pro alto.
— Compartilho o mesmo sentimento, mas não morreremos. - falou Cliff colocando a mão na cintura indicando a arma.
Eles subiram os degraus e adentraram a casa, recheada de homens armados e com Frank Giovanni sentado em um sofá no centro da sala:
— Você veio! - falou Giovanni sorridente batendo palmas. — Posso saber quem é o rapaz? - perguntou Frank abaixando as mãos e escorando no sofá.
— Este é Cliff Richard. Meu segurança, motorista, essas coisas. - falou Tony com medo.
— É tão molenga que precisa de um segurança pra proteger sua bunda? - perguntou Giovanni rindo induzindo todos os demais a rir.
Cliff se posicionou a frente e colocou as mãos na cintura:
— Que hipocrisia, velhote. Você tá fazendo a mesma coisa. - respondeu Cliff abrindo um sorriso.
A sala ficou em completo silêncio e todos prosseguiram ignorando a resposta de Cliff:
— Sentem-se, vamos conversar. Tragam uma bebida para esses homens! - falou Giovanni sorrindo e apontando para eles se sentarem.
Os dois se acomodaram nas poltronas, sendo rapidamente servidos um vinho escuro:
— Então deseja voltar a família mesmo depois do seu vergonhoso passado. - falou Giovanni cruzando as pernas. — Isto não será fácil.
Tony apertava suas pernas com força, tremendo de medo e suando como nunca. Sua boca não conseguia abrir nem para tomar o vinho. O medo havia tomado conta dele:
— Você não voltará para a família. Não aceitamos fracos, você sabe disso. - falou Sandro saindo da escuridão do canto da sala. Ele foi interrompido por Giovanni, mas ignorou a ordem e prosseguiu por cima do chefe. — Você nos abandonou, virou as costas para sua família e seu dever, por uma vida mais fácil. Você trocou uma vida de verdade por uma falsa. E ainda tem a audácia de recorrer a nós apenas após sua queda completa.
— Já chega, Sandro! - gritou Giovanni.
A sala ficou em silêncio novamente enquanto Giovanni se recompunha:
— Ele não está errado, Tony. - falou Giovanni o encarando. — Você traiu nossos votos e regras por uma vida mais fácil e morta. Confiança é o que não terá aqui. - continuou Frank bebendo um pouco do vinho. — Mas estamos dispostos a ouvir a sua versão.
Tony ainda não conseguia dizer nada, estava paralisado de medo. A atenção de Giovanni então voltou-se para Cliff:
— Senhor Cliff Richard, vou chama-lo só de Cliff, tudo bem? - perguntou Giovanni com Cliff concordando com a cabeça. — Está interessado em entrar para a família também? Uma pessoa talentosa como você seria muito útil em minha organização.
— Não, senhor. Mas se quiser deixar o cartão comigo, pode ser que um venha à calhar. - falou Cliff levantando a taça para Giovanni.
— Seu rosto não se moveu um minuto desde que chegou aqui, mas seus olhos ao contrário não pararam um momento, sempre marcando os meus homens com olhares rápidos e sagazes, e não ache que não notamos sua pistola, nós só não tomamos pois sabemos que você não fará nada com ela. - falou Giovanni terminando de beber seu vinho após a fala.
Cliff ficou em silêncio encarando Giovanni com um olhar feroz. A tensão havia tomado conta da sala e ambos os dois já estavam preparados para a morte certa:
— Me diga. Onde aprendeu isto? Não foi fazendo filmes junto do Tony. - falou Giovanni colocando a taça na mesa.
— Servi ao exército. - respondeu Cliff ainda encarando Giovanni.
— Por quanto tempo? - continuou Giovanni.
— Sete anos. - respondeu Cliff escorando na poltrona.
— Trocou as guerras por uma vida fácil também? - perguntou Sandro se intrometendo novamente induzindo todos aos risos.
Cliff riu junto deles abaixando a cabeça e passando a mão no rosto. Ele ergueu sua cabeça e firmou os olhos em Sandro:
— Não. - falou Cliff fazendo todos pararem os risos lentamente. — Eu fui expulso direto para a cadeia por matar meu batalhão inteiro durante um serviço.
Todos se calaram e fitaram Cliff com olhares ferozes e assustados. Cliff se levantou da poltrona, fazendo todos os guardas segurarem suas armas de maneira firme:
— Isso foi inesperado. - falou Giovanni abrindo um sorriso. — Mas só aumentou ainda mais meu interesse.
O silêncio tomou novamente conta da sala, o único som que podia ser ouvido era o do vento soprando entre todos. Os guardas não tiravam os olhos por um momento de Cliff, que estava com as mãos na cintura e em um rápido segundo Cliff saltou para cima de Tony atrás de si e disparou contra Giovanni acertando um tiro certeiro em sua cabeça e o matando no mesmo momento. O estrondo assustou a todos os obrigando a se esconder e engatilharem suas armas. Cliff e Tony, que saiu da hipnose de medo com o tiro, estavam escondidos atrás de uma poltrona:
— Fique bem aqui, Tony. Vou cuidar desses filhos da puta. - falou Cliff puxando outra pistola de um coldre axilar por baixo da jaqueta. Tony concordou com a cabeça protegendo-a.
Todos os guardas saíram de suas coberturas e começaram a atirar nas duas poltronas com toda força que podiam, enquanto gritavam de ódio, as poltronas não aguentariam muito e logo as balas atravessariam. Cliff pulou rolando para trás da outra poltrona lançando sua jaqueta para o alto, atraindo os disparos dos mafiosos. Era o momento perfeito.
Cliff se ergueu atrás da poltrona e com as duas pistolas em mãos começou a disparar pela casa toda, levando destruição e morte para eles. Quatro homens apareceram na entrada atrás dele:
— Cliff! - gritou Tony apontando para a porta.
Cliff se virou rapidamente e saltou para os lados, levando alguns tiros mas continuando firme, ele preparou o corpo e rolou para uma cobertura ao cair e disparou rapidamente nos quatro na entrada e voltou a atenção para os demais. Enquanto as balas voavam pelo local, Tony se arrastava no chão até o corpo dos guardas mortos na entrada. Cliff jogou uma pistola ao outro lado, atraindo a atenção de alguns poucos e saltando para trás do sofá:
— Esse truque besta não vai funcionar novamente! - gritou Sandro apontando a arma para o sofá.
Cliff estava atrás do sofá, sangrando com a mão direita baleada e sem conseguir a mover, ele segurava os gritos de dor mordendo os lábios. Cliff deitou no chão e com a mão esquerda atirou no lustre de luz no teto, acabando com a luz na sala e o derrubando no chão, lançando pedaços de vidro para todas direções. Ele se levantou e começou a correr para o outro lado enquanto disparava desesperadamente contra os guardas, mas foi impedido por um tombo que o fez acertar a cara em cheio no piso:
— Desgraça! - gritou Cliff com os olhos fechados.
Os guardas restantes começaram a se aproximar de Cliff quando Tony levantou atrás da poltrona com uma escopeta e disparou contra eles:
— Vão pro inferno, seus porras! - gritou Tony enquanto descarregava a arma neles.
Sandro foi o primeiro a ser atingido, caindo em angústia no chão, os demais tentaram escapar mas foram pegos pelos tiros caindo um após o outro. Tony largou a arma quando percebeu que todos já estavam caídos e caiu também, com a barriga furada e sangrando. A adrenalina em seu corpo estava tão grande que não sentiu o tiro o acertando.
Não houveram sobreviventes naquela noite, a polícia chegou ao local aproximadamente quarenta minutos após os disparos acabarem. O ocorrido foi interpretado como uma briga interna na família. Tony Evans Thompson, de trinta e sete anos, ficou conhecido como um mafioso daquele dia em diante e não mais por seus pápeis em Cães de brigas, As aventuras de Billy Trevolworld e entre outros, sem familiares encontrados e amigos próximos, Cliff Woody Richard, de quarenta e dois anos, havia deixado uma esposa e dois filhos para trás, os sentimentos da família estavam confusos entre raiva e tristeza e os corpos da família Giovanni foram enviados para Roma a pedido de Vito Partizzoli, onde foram enterrados e esquecidos.
Obrigado pela leitura!
Podemos manter o Inkspired gratuitamente exibindo anúncios para nossos visitantes. Por favor, apoie-nos colocando na lista de permissões ou desativando o AdBlocker (bloqueador de publicidade).
Depois de fazer isso, recarregue o site para continuar usando o Inkspired normalmente.