O tempo vai passando, e as lembranças se acumulam como a areia sobre as dunas, ou como a neve na porta dos Nova-iorquinos. Ainda ontem eu corria pelo cafezal, tomava banho de rio, subia no pé de goiaba, caía nos capins amarrados por meus irmãos. Tantas coisas eu fazia e não havia preocupações como desligar a televisão ou trancar bem as portas. O mundo era quase perfeito e eu podia sonhar.
O mais legal era sentar à beira do fogão a lenha, e ouvir as histórias que meu pai contava. Ele tinha um dom especial, conseguia prender nossa atenção por longas horas. Digo, “nossa atenção” porque éramos uma família grande, onze irmãos, sendo cinco mulheres e seis homens. Ouvíamos coisas fantásticas, como a árvore que nasceu nas costas de um burro, as incríveis proezas de Pedro Malazartes, e a melhor de todas: a princesa que nunca sorria. Como era maravilhoso conhecer os personagens e participar do mundo deles. Pedro Malazartes me ensinou a ser esperta, a bruxa malvada me ensinou a ser corajosa, e a mula sem cabeça me amedrontava tanto, que eu não conseguia dormir. Isso tem uma explicação. É, que às vezes, eu mergulhava tanto nas histórias, que sonhava com mundos desconhecidos e monstros; teve noites que eu tive que ir para a cama dos meus pais. O motivo? Medo. Medo bom, mas mesmo sendo bom era medo.
Eu cresci em meio a histórias, mato e diversão, não me lembro de ser triste, nem quando apanhava por qualquer peraltice.
São tantas lembranças... Como esquecer as lindas bonecas de milho? As ruivas eram minhas favoritas, eu sentia um prazer imensurável quando via aquele lindo cabelo reluzindo ao sol, tocava as mechas e imaginava. Meu pai brigava, dizia que estávamos estragando milho à toa.
Para mim e minhas irmãs, as broncas não surtiam muito efeito, pois não impediam nossa imaginação, nós preferíamos viver em nosso universo particular, nele, as bonecas criavam vida, eram lindas princesas que moravam em castelos suntuosos, e em seus vestidos elegantes, esperavam por um príncipe encantado.
O bom mesmo é que eu era a rainha desse castelo, e como rainha, eu tinha alguns privilégios, além de ser casada com um rei lindo e pomposo...
Ai Deus! Meu rei? Nada mais era que um pedaço de pau, enrolado em um lençol! Ótimo marido! Pelo menos ele nunca discordava de mim. Bom, como rainha, nada mais justo que eu possuísse uma carruagem mágica, que me levava para onde eu quisesse.
Meu mundo mágico, onde tudo virava realidade num fechar e abrir de olhos.
Então, eu subia na carruagem e viajava por reinos desconhecidos. E de repente... Pluft!! Eu ia por planetas e mundos estranhos, onde havia diversas formas de vidas.
Geralmente eu retornava dessas viagens carregando apenas sonhos, não trazia nenhuma sacola, nenhuma lembrancinha, mas eu voltava cheia de alegria, e isso é que era legal.
Não sei qual é a alegria de hoje, não vejo as crianças dizendo que caíram em um poço; e a outra perguntando quem a tira. Não vejo a delicadeza de uma singela mão passando anel; e ninguém faz o que seu mestre manda.
Não critico o avanço tecnológico, acho importante a evolução e a expansão do conhecimento, só que é legal saber que eu vivi em uma época, em que se podia sonhar; talvez mais sonhar do que realizar o sonho.
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Obrigado pela leitura!