BEM VINDA A BEAUTHONGS FALLS
Zoe não sabia como, mas ela pressentia que uma hora ou outra isso iria acontecer. Quando sua mãe fechou os olhos pela ultima vez, Zoe sentiu no mesmo instante que não havia sido somente ela que havia partido, além da dor insuportável, da falta dolorosa e dos dias solitários, algo pior estava prestes a acontecer.
O sol já havia partido quando ela e seu pai entraram na caminhonete cinza que ele quase nunca utiliza, ela é velha e antiquada, e todos diriam que o mais sensato a se fazer é se livrar dela, e com certeza ele até faria isso se ela não fosse a queridinha de Mary, mãe de Zoe.
Mary chamava a caminhonete velha de Lady, era como o seu cachorrinho, e embora ela não andasse tão rápido, fizesse um barulho irritante e as portas se abrissem com dificuldade, ela toda manhã saia com Lady.
Na realidade Mary sempre gostava de coisas velhas, Zoe se lembra de que ela adorava as musicas dos anos setenta e ainda os filmes preferidos dela eram tão velhos que eram preto e branco, ah é claro ela também adorava colecionar objetos antigos, tanto que tinha uma relíquia de discos velhos que cheirava a pó, e Zoe lembrava-se de que os preferidos dela eram do Elvis Presley. Ao se lembrar desse detalhe, Zoe sorria e a imagem da sua mãe, cantarolando as canções de Elvis enquanto fazia o jantar vinha assustadoramente em sua mente. A imagem era construída tão perfeitamente que parecia até ser real. Jantar... Nossa, só de lembrar-se das comidas maravilhosas que sua mãe sabia fazer, Zoe sentia água na boca. Às vezes ela esquecia de que não a tinha mais, embora já houvesse passado um ano, ainda não parecia ser real. Ela fazia muita falta, tanta que ainda doía.
Se ela ainda estivesse aqui, Zoe não estaria nesse exato momento entrando na caminhonete cinza, sentando no banco do motorista, consciente de que não sairia tão cedo dali. É, se Mary nesse exato momento estivesse viva, Zoe estaria agora deitada na cama, talvez lendo um bom livro ou ouvindo musica no ultimo volume, talvez agora sua mãe estaria abrindo a porta e começaria aquele discurso de como ouvir musica alta prejudica a audição. Zoe até imagina as palavras que ela diria, seria as de sempre: “Você será uma velha surda no futuro se continuar assim!”.
É, mas a realidade é outra, as próximas quatro horas de Zoe será dentro da caminhonete, pelo menos é a previsão de tempo que demorará segundo seu pai para eles saírem de Chicago e chegarem a Stand Falls, o seu novo e incerto destino. Stand Falls. Como esse nome a perturbou. As quatro ultimas semanas esse nome ficou rodando em sua mente, cutucando-a e conseguiu incomodá-la o suficiente para fazê-la até perder o sono. É estranho, mas esse nome soa um tanto ameaçador, mas não tanto como Beauthongs Falls, esse é o pior, esse fazia até com que ela sentisse um frio percorrer por todo o seu corpo, o estomago revirar e o coração disparar tanto que parecia que sairia disparado por sua boca. Essas sensações a fizeram com que ela concluísse que está tendo uma fobia por um lugar que sequer conhecia.
Dizem que não se deve julgar um livro pela capa, mas dessa vez não poderia ser diferente. Ela nunca se achou muito intuitiva, e talvez essas sensações fosse á emoção de estar saindo de sua atual residência, cidade da qual ela viveu os dezesseis primeiros anos de sua vida, para agora estar indo para uma cidadezinha pequena e pacata que parece ficar do outro lado do mundo.
Está claro de que a imagem daquela escola – que será seu novo lar – não lhe passou uma boa impressão, Zoe a acha um “tanto macabra” e o local onde ela fica não ajuda muito. E enquanto cada minuto a leva para mais próximo desse seu novo destino, a mente de Zoe vaga e vaga, enquanto os seus olhos permanecem grudados na janela da caminhonete. Ela olha todas as casas, todas as árvores, todos os postes que passa por seus olhos, mas sua concentração é maior nas pessoas, como é bom ver pessoas, como é bom ver faróis, prédios, placas. É, pode parecer algo insignificante, foi insignificante para ela por anos, e na verdade é insignificante até você saber que não verá mais tudo isso tão cedo. Agora um muro alto a separaria daquilo, do ar da cidade, das pessoas das ruas, dos prédios, dos faróis. Na verdade o muro irá separá-la de tudo.
Ela fecha os olhos por alguns segundos, enquanto recebe por mais uma vez o choque de realidade, a partir de agora sua nova vida ficaria restrita a muros de pedra e portões de ferro, ela está prestes a ser presa, não, não é uma cadeia, mas seria algo parecido. Beauthongs Falls seria muito diferente de uma prisão? Pelo que parece não, pois lá também tem muros altos, portões de ferros, e ainda ela terá que ficar ali dentro vinte e quatro horas por dia, ela está prestes a ser separada do resto da sociedade, como se tivesse feito algum crime que a impedisse de ter uma vida normal, como se ela fosse um risco para o resto do mundo, mesmo que não fosse.
E esse é o pior, ela seria presa sem ser nenhuma criminosa.
Beauthongs Falls... Que droga de lugar é esse? Foi assim que tudo começou... Esse foi o primeiro pensamento que ela teve quando seu pai falou esse nome para ela pela primeira vez. Era uma noite qualquer, eles estavam jantando, silenciosos como sempre e de repente ele simplesmente a avisou que iria trocá-la de escola e que ela iria estudar em Beauthongs Falls. Depois disso, demorou dois dias para ela conseguir pronunciar o nome da escola, demorou mais dois dias para ela ter coragem de fazer uma busca sobre a escola na internet, e demorou mais um dia para ela decidir entrar no site e conhecer o seu novo lar. E claro, a primeira impressão não foi nada boa. Beauthongs Falls se trata de um internato de luxo que fica em Stand Falls, o utilizam como “depósitos” de adolescentes problemáticos. Mas não são depósitos de quaisquer adolescentes, mas sim, adolescentes ricos, muito ricos e alguns deles até de famílias conhecidas, mas por terem se tornado a “ovelha negra” das famílias, eles os mandaram para esse internato na tentativa desesperada de resolver o problema de conduta dos filhos. Mas o que mais a atormenta é que esse não é o caso dela.
Pelas pesquisas que ela fez referente a Beauthongs Falls, Zoe chegou a conclusão de que eles estão mais preocupados com as notas – são um dos primeiros nesse quesito – do que em disciplina. Zoe já está imaginando encontrar diversos adolescentes sem limites algum, causando problemas nos quatro cantos da escola. O que para ela é um tanto desesperador, ela não é uma garota problemática, nem briguenta, na realidade ela não sabe nem como puxar o cabelo de uma garota. E por isso, ela já imagina que será uma verdadeira aberração dentro daquela escola, com certeza se sentiria deslocada, seria rejeitada. Isso porque ela já tem grandes dificuldades em fazer amizade.
“Sim Zoe, você está completamente ferrada!”.
É o pensamento mais frequente que passou pela sua cabeça durante uma, duas, três horas de viagem. E em quase todo o trajeto, Zoe fez em sua mente uma retrospectiva de seus dezesseis anos de vida. Focou-se no tempo em que ela era feliz, isso quando sua mãe era viva e seu pai ainda sorria, após a morte dela já há um ano, ela e seu pai foram se distanciando, chegando ao certo ponto de parecerem não falar mais a mesma língua, ele trabalhava tanto que esqueceu o que é viver, com certeza esse foi o meio dele de esquecer a realidade, esquecer o quanto sofreram e também esquecer o momento – exatamente no enterro de sua mãe – em que ele segurou a mão dela e disse: “Não chore, eu cuidarei de você sempre...”.
Ele trabalhou tanto, que esqueceu... Tanto que quis transferir esse trabalho para Beauthongs Falls, é mais fácil desembolsar o dinheiro das mensalidades do que dar a atenção que ele deveria dar a ela. E quando ela indagava dizendo não entender o motivo dessa decisão, já que o nome dela e o “rebeldia” nunca poderiam ser colocadas na mesma frase, Walter, seu pai dizia: “É um momento difícil, acredito que essa escola poderá fazer bem para nós dois”. Zoe sabia que na realidade ele estava querendo dizer que faria bem para ele e não para ela. Ela é o segundo plano, é claro.
Aonde chegou à relação dos dois? Aonde eles erraram para ele ter que tentar se livrar dela dessa forma? Ela ficou fazendo essa pergunta, enquanto observa as primeiras gotas de chuva caírem pela janela do carro até se transformar em uma forte tempestade. Em Stand Falls está chovendo, tanto que em poucos segundos o vidro começara a embaçar, ela tentou limpá-lo com a manga de sua blusa para conseguir visualizar melhor. Porém, não dá para ver muita coisa, mas ainda assim ela conseguira ver algumas casas, uma praça, uma igreja. Mas não havia pessoas, muito menos carros, parecia mais uma cidade deserta.
A viagem durara ainda mais alguns minutos. Nesse meio tempo, Zoe olhara para Walter pela primeira vez desde que entrou naquela caminhonete, ele mantinha-se sério e com olhar fixo a sua frente. Aquela expressão dura permanecia, a mesma expressão que ele carrega desde a morte de sua mãe.
Ele havia envelhecido bastante em apenas um ano, Zoe podia notar algumas rugas nele que não existiam antes de Mary morrer, os olhos de Walter estão mais fundos também, está claro que ele não dorme muito, e principalmente que ele não é feliz. Ele também está sofrendo, é claro, continua sofrendo, ele não soube lidar com a morte de Mary, ele não soube lidar com a perda e principalmente ele não soube o que fazer e muito menos como trata-la após tudo isso.
A solidão foi a única saída, claro, a mais dolorosa para ambos, mas foi a única coisa que restou, Walter parecia não saber lidar de outra forma com a dor, o que é muito triste para Zoe, já que tudo poderia ter sido diferente e menos doloroso se eles estivessem dividido o sofrimento. Mas agora, nada disso importava-se mais, não agora que ela também está prestes a perde-lo de vez.
A tempestade está aumentando, ao mesmo tempo em que Walter foi diminuindo a velocidade da caminhonete, até pará-la por completo. No mesmo momento o estomago de Zoe embrulhara, à medida que ela fora fechando os olhos. Já sabendo que é os últimos minutos com seu pai, é o ultimo momento que ela poderia convencê-lo a mudar de ideia.
— Pai... – Zoe inicia, abrindo os olhos. É a primeira vez que ela falara com ele desde que entrou na caminhonete e talvez seria a ultima vez por um bom tempo. Ela sabe que precisa tentar mais uma vez, e torcia para que dessa vez fosse diferente das outras tentativas fracassadas de convencê-lo a desistir de tudo isso.
— Não vai começar, por favor, já conversamos sobre isso! – disse Walter, como se conseguisse adivinhar o que ela iria dizer.
Ele a olha com a expressão de dureza de sempre, os seus olhos negros estão pouco cansados, embaixo olheiras que Zoe conhece muito bem, os cabelos meio grisalhos entregando sua meia idade, estão todos baguncados.
— Conversar? Você chama aquilo que tivemos de conversa? – Zoe reclama, discordando com a cabeça. – Você nem quis saber se eu quero ou não estudar aqui!
— Beauthongs Falls é o melhor para você nesse momento... – ele retruca, desviando o olhar para frente.
— O melhor para mim? Por quê? Eu nunca fugi de casa para ir para festas, sempre tirei boas notas, não sou uma alcoólatra, nem uma drogada, muito menos uma marginal, não tenho motivos para ficar presa ai... – ela responde, num tom sarcástico.
— Estou falando em questão de ensino, Beauthongs Falls é um ótimo colégio, você vai sair daqui uma nova pessoa, pronta para entrar em qualquer universidade... – ele fez o discurso de sempre, o mesmo que fez a um mês atrás.
Quando ele simplesmente disse: Eu vou trocar você de escola.
Não, ele não perguntou se ela queria trocar de escola, ele não perguntou se ela se interessava em mudar de cidade, ele não perguntou nem se ela quer entrar em alguma universidade, simplesmente deu uma de pai autoritário, e decidiu por ela, como se ela fosse uma menininha de cinco anos de idade que ainda não tem como decidir por si própria. Ela sabe que existe ótimos colégios em Chicago, não tem necessidade para tudo aquilo, mas mesmo assim, ele preferiu viajar até Stand Falls para abandoná-la na escola apenas para se livrar dela, talvez ela está sendo um problema para ele. Isso já está muito claro.
— Onde já se viu uma escola no meio do nada? – Zoe reclama, tentando iniciar um argumento, mas ele já a interrompe..
— Não vamos começar Zoe, não vim até aqui para discutir isso com você, não vou mudar de ideia! – ele fala já num tom impaciente, aumentando seu tom de voz.
Ah claro... Ele não iria querer perder quatro horas de sua ocupada vida indo até Stand Falls para voltar para trás e viajar mais quatro longas horas com ela no carro.
E então ela entendeu. A conversa não se prolongaria, não teria como ela argumentar, falar o seu ponto de vista, ela querendo ou não seria deixada em frente aquele colégio. Não teria alternativa.
Ela não tem culpa pelo que havia acontecido, ela não tem culpa que sua mãe havia tido câncer, ela não tem culpa que sua mãe morreu.
Mas parecia que alguém tem que ser o culpado, seu pai a julgou e como pena a tirou da vida dele, sem razão alguma ela foi rejeitada, ela tornou-se a filha que ele não queria mais, e como se filhos pudessem ter prazo de validade e ela já estava vencida, ela seria jogada dentro de um internato sabendo que não era isso que ela queria para ela.
Enquanto alguns estavam ali por serem violentos, por serem rebeldes, por terem vícios, Zoe estava ali porque simplesmente seu pai não a queria mais. E como ela era o lado mais fraco da história, ela fez a única coisa que poderia fazer. Virou-se para trás, pegou a sua mochila no banco da caminhonete, e virou-se para frente, abrindo a porta e saindo rapidamente de dentro do carro.
— Tenha uma boa vida! – disse Zoe num tom raivoso, batendo fortemente a porta do carro para descontar a raiva que está sentindo.
Ela respira fundo e fecha os olhos, deixando as lágrimas misturarem com a agua da chuva, que cai com força em seu corpo pequeno, fora então que ela se lembra de sua mãe mais uma vez, e enquanto Zoe via a caminhonete se afastar, ela conclui que não havia apenas perdido sua mãe há um ano atrás, não havia sido só ela que havia sido enterrada, Mary havia levado Walter com ela, ele podia estar ali fisicamente, mas sua alma parecia não estar mais, naquele momento tudo havia ficado claro para Zoe, ela havia perdido os dois, sim, estava completamente sozinha.
A chuva continua caindo violentamente, as gotas caem com tanta violência no corpo de Zoe que chega até a doer, tentando se proteger da chuva ela colocara a sua mochila em cima de sua cabeça, mas isso não adianta muito, logo que ela chega à frente da escola, já está toda encharcada.
Ela solta um longo suspiro enquanto observa o internato pela primeira vez, ele fica afastado da cidade e não havia nada por perto que não fossem as enormes arvores, que aliais tinham formatos assustadores. Na realidade não dá para ver muita coisa já que um enorme muro e o duplo portão de ferro tampa praticamente toda a visão. Nada de novo, parece estar igual ás fotos do site da escola, ela pensa. Em seguida aproxima-se mais e olha para campainha.
Antes de tocá-la, ela pensa por um momento na possibilidade de sair correndo e fugir, mas logo depois ela já acha a ideia um tanto estúpida, afinal para onde ela iria? Seu pai a encontraria de qualquer forma e tudo iria piorar, no final das contas ele iria trazê-la arrastada e a jogaria dentro da escola, seria pior, mais vergonhoso, mais traumatizante. O melhor então fora não pensar e apertar logo a droga da campainha e entrar naquela escola com a pouca dignidade que lhe resta, não existe outra alternativa. Ela agora só teria Beauthongs Falls.
E então, foi o que ela fez, apertara a campainha. Esperara mais alguns segundos, e apertara novamente e só na terceira tentativa, alguém aparece.
É um homem, ele está com uma capa preta e puxa pela corrente um cachorro negro da raça Rottweiler e na sua outra mão ele está segurando um chaveiro onde contém diversas chaves, logo que ele se aproxima da garota o coração dela dispara de forma automática, ela segurara a respiração por alguns segundos, enquanto o via abrir o portão.
— Está atrasada! – disse ele numa voz levemente rouca, sem sequer a olhá-la, seus olhos mantinham-se fixos no portão que agora está aberto, já ela diferente dele, o encara enquanto passa pelo portão e entra na escola.
Só quando ela para ao lado dele, e finalmente o olhar do homem subiu para ela, encarando-a, ela finalmente consegue ver o seu rosto, no qual ele parecia tentar esconder com o capuz.
Pela aparência ele deveria ter em torno de cinquenta anos, sua pele é bem branca, chega até a ser pálida, os olhos negros é da cor de suas sobrancelhas grossas, são bastante escuras, seu semblante é fechado, o olhar é frio, mas o que mais chamou a atenção da garota fora uma cicatriz enorme de queimadura que ele tem sobre sua bochecha esquerda, que vai até a altura do pescoço.
A jovem estremece levemente logo quando aqueles olhos negros do homem a fuzilam. Está claro, que ele não ficara muito feliz com aquele olhar curioso da garota para cima dele. Então rapidamente ela desvia o olhar para o chão, evitando olhar diretamente para ele de novo.
Mas logo desiste e seu olhar volta a subir, assim que ela escuta o latido do cachorro, Zoe olha para o Rotweiller com os olhos arregalados, percebendo que o cachorro latia para ela, enquanto é segurado com força pelo porteiro.
— Fica sossegada, ele não vai te morder! – o homem fala, ao perceber a expressão de medo no rosto de Zoe. E então puxara o cachorro pela corrente segurando-o com mais força.
— Er... Tem certeza? – Zoe gagueja, não acreditando muito devido o modo da qual o cachorro latia, e tentava vir em sua direção.
— Sim, ele só morde se eu mandar... – ele responde agora de um modo mais simpático.
— Ah, então... – Zoe inicia, passando a mão em seus cabelos molhados. – Eu moro muito longe daqui e acabamos pegando trânsito por causa da chuva, e só pude chegar agora e...
— Sem explicações... – ele a interrompe, meio impaciente. – Só que todos os outros alunos já chegaram então você vai precisar tocar o interfone na porta de entrada! – o homem explica secamente e Zoe logo concorda com a cabeça.
Quando ele se vira, para voltar a fechar e trancar o portão, Zoe decide se virar para o lado oposto ao dele, para observar a escola.
Ela é um prédio escuro, deve ter uns quatro andares, quase todo tampado por enormes arvores que Zoe as considerou um tanto assustadoras. Eram tantas que é difícil até de visualizar a porta de entrada. Mas ela não podia ficar muito tempo parada, a chuva continua a cair.
Então, ela começa a correr em direção a porta de entrada, tentando não se molhar muito. O que é uma tarefa impossível. Por causa da forte tempestade, as roupas já está pesando, seu corpo treme de frio, o que não é nenhuma novidade, esses últimos dias a temperatura havia sido baixa, e isso a irritava, Zoe não gosta muito do frio.
Ao parar em frente à porta de entrada, ela coloca sua mochila nas costas, olha para o interfone e o aperta. Só precisou apertar uma única vez para ela escutar um barulho da porta se destrancando. Um tanto macabro... Ela pensa, porém sacode a cabeça e meio receosa ela abre a porta, entra e fecha-a atrás de si, ao observar a sua frente, ela depara-se com um longo corredor, sem muita iluminação, as luzes são fracas, as paredes totalmente branca e o chão escuro.
Ela começa a andar pelo corredor, observando as portas, havia muitas, e ela está perdida sem saber para onde ir. Foi quando, uma das portas de repente se abre e uma mulher gorda, baixa, de cabelos negros. presos em um coque e vestida com um vestido azul marinho aparece, segurando alguns papeis em sua mão. Zoe parou de andar imediatamente, para olhá-la.
— Zoe Maher? – ela pergunta, enquanto observa um dos papeis.
— Isso... – Zoe responde, a voz sai com dificuldade.
— Está muito atrasada... – ela disse agora a olhando atentamente, dos pés a cabeça e da cabeça aos pés, parecia reparar cada detalhe. – E ainda está molhada, vai molhar todos os corredores da escola...
— M-Me desculpe... – ela gagueja, sentindo as bochechas pinicar. Havia ficado levemente vermelha. – É que eu moro longe daqui, e...
— Seu quarto é o A-18... – a mulher a interrompe, parecendo não querer ouvir as explicações de Zoe também. –Você irá dividir ele com outra garota... – ela entrega um papel com a letra e o numero do quarto. – Você sabe das regras, não sabe? Sem celulares ou qualquer outro aparelho eletrônico que interfira em seus estudos, o objetivo de Beauthongs Falls é colocar muito conteúdo na cabeça de vocês...
Ela abre a porta pelo qual havia saído minutos antes para falar com Zoe e entra na sala, Zoe a segue, meio receosa. Ao entrar avista o escritório dela, é uma pequena sala, com uma escrivaninha, computador, telefone e um enorme armário onde Zoe logo imagina que ali deve ser o local em que é guardado os prontuários dos alunos.
— Me dê sua mochila... – ela pede de repente.
— O que? – Zoe pergunta, franzindo as sobrancelhas.
— Me dê sua mochila! – ela repete. – Preciso saber se você não está infligindo às regras da escola...
Zoe meio incomodada, tira a mochila, e entrega a ela. A mulher a abre e começa a remexer nos pertences de Zoe, ela sente um leve desconforto em ter a sua intimidade invadida. Mas como ela já sabe sobre as regras não havia trazido nenhum aparelho eletrônico, não queria sofrer o risco de ter ele confiscado.
— Muito bom... – ela disse após revirar todos os pertences dela. Ela fecha a mochila e entrega-a novamente a Zoe. – Um ponto ao seu favor, sabe obedecer ás regras, a maioria dos alunos mesmo sabendo tenta trazer escondido... – ela aproxima-se e começou a apalpar Zoe, tentando encontrar algum celular em suas roupas, Zoe sente como se estivesse querendo entrar em uma boate, e tem que ser revistada pelos seguranças.
—Eu não trouxe, eu juro! – ela disse, a cada segundo mais desconfortada por estar naquela situação.
— Desculpe, mas tenho que verificar, são as regras, sem aparelhos eletrônicos! E também não é só isso, tem alunos que querem entrar com bebidas, drogas, cigarros, que claro, nem preciso dizer que é proibido, não é? E também nada de objetos pontiagudos... Já temos brigas demais sem eles... – Zoe a encara com as sobrancelhas arqueadas. O que ela estava querendo dizer com isso? – Mas não parece ser seu caso, por que veio parar aqui?
— Porque essa instituição tem uma boa fama no quesito educação? – ela tenta.
A mulher dá de ombros.
— Isso eu não posso negar, mas eu não acredito que esse seja o único motivo... — Zoe já ia respondê-la, quando ela a interrompe. – Bom, e esse é o seu horário... – ela disse, pegando um papel em cima da escrivaninha e entregando a ela. — Os dormitórios ficam no segundo andar, terceiro corredor, vá lá e deixe suas coisas, em seguida vá para o anfiteatro, assistir a apresentação do diretor que está dando boas vindas aos alunos e falando sobre as normas e regras de conduta que tem que manter nessa instituição, o anfiteatro fica no terceiro andar, final do corredor, porta dupla... Seja bem vinda a Beauthongs Falls... – ela finaliza.
Zoe sorri forçadamente, enquanto concorda com a cabeça, em seguida se virae sai de dentro da sala, fechando a porta atrás de si, solta um suspiro e olha para o papel que está escrito A-18.
— Espero que essa escola não seja tão ruim como estou imaginando que é... – Zoe fala para ela mesma, enquanto começa a andar pelo corredor.
E a medida que foi passando os segundos ela começa a aumentar os passos, mas sem deixar de olhar para todos os cantos da escola, era bom saber onde fica cada lugar, ela não sabia ainda o porquê, mas ela sentia que isso seria importante, já que a escola seria o lugar na qual ela irá viver por dois longos anos de sua vida.
Ela continua a caminhada até o fim do corredor, ele está tão silencioso que fazia com que ela sentisse estranhamente sozinha. É um sentimento estranho, porém ela ainda não sabia se isso a deixa mais calma ou mais nervosa, afinal, ela não acredita que os alunos de Beauthongs Falls são bonzinhos e que irão recebê-la muito bem.
Ao chegar ao fim do corredor e olhar para a escada que leva para o segundo andar, Zoe para de andar, respira fundo e lentamente começa a subir as escadas, ao subi-la depara-se com vários corredores, pareciam estar todos vazios, a jovem logo se lembra que a mulher tinha dito para ela entrar no terceiro corredor, e então ela assim o faz, seguiu nele. E então começa a olhar porta por porta.
— A-11, A-13, A-12... – dizia ela lendo as letras e números em vermelho, nas portas negras. – A-15, ali... – Zoe para em frente à porta. – A-18! – sorrindo, ela a abre.
Logo ela se depara com um quarto bem grande, com pouca iluminação, as paredes brancas e o piso escuro. No quarto tem duas camas de madeira, uma que fica encostada na parede do lado direito, e outra, distante, encostada na parede do lado esquerdo, e entre elas, também tem um criado mudo de madeira, e no canto do quarto, dois guarda-roupas, próximo a ele outra porta, que Zoe imagina que deve ser o banheiro.
Zoe fecha a porta, e olha novamente em volta do quarto, a sua colega de quarto não está ali, o que é um tanto obvio. Nesse momento ela deve estar no anfiteatro, e isso faz Zoe se sentir um pouco aliviada.
Ela se aproxima da cama do lado direito, afinal à outra cama parecia que a sua colega de quarto já escolheu, devido o fato de em cima dela haver uma bolsa vermelha.
Zoe coloca sua enorme mochila na cama, a abrira e começa a remexer até pegar uma toalha junto da roupa do uniforme que seu pai havia comprado, ela percebe que a roupa está meio molhadas por causa da chuva, mas ela não teria escolha, teria que vestir assim mesmo.
O uniforme é uma saia que vai até um pouco acima do joelho, da cor preta, na borda havia escrita em uma letra pequena o nome da escola na cor branca, a parte de cima do uniforme é uma blusa totalmente branca, com uma gravata preta que combina com a saia e um blazer preto que no frio poderia ser usado por cima da blusa branca.
Ao vestir o uniforme, ela entra no banheiro e olha a sua volta, o banheiro não é muito diferente do da sua casa, tem um boxe, uma pia e o vaso sanitário, parecia que é o único cômodo da escola que não é um tanto assustador. Suspirando, ela se olha no espelho pequeno que tem na parede acima da pia, passa a mão em seus cabelos molhados e dá mais outro suspiro, um pouco deprimida.
— Saco! Eu tinha feito chapinha hoje... – Zoe resmunga, num tom baixo, bufando de raiva.
Já atrasada, ela decide se apressar, sem perder tempo ela seca seu cabelo com a toalha e o penteia, vestindo rapidamente a roupa do uniforme e volta a se olhar no espelho, desistindo de passar maquiagem, afinal, ela já está muito atrasada.
— Vamos Zoe... Coragem! – disse ela para ela mesma, então respira fundo e sai do banheiro e do dormitório rapidamente, fechando a porta e começando a andar em direção ao terceiro andar, local onde a mulher havia falado que é o anfiteatro.
Os corredores continuam todos silenciosos, o medo faz com que Zoe andasse mais rápido. Afinal, mesmo parecendo que não havia ninguém nos corredores, ela não podia arriscar. Ainda não conhece os alunos e não sabe como eles tratam os alunos novos.
Em questões de poucos minutos, Zoe já estáa em frente à sala do anfiteatro. E ali, ela percebe que sim, havia barulho de pessoas falando. Com o coração disparando e se sentindo meio nervosa e ao mesmo tempo envergonhada, ela abre a porta bem devagar.
Ao abri-la se ela depara-se com uma sala bem grande e assim como o resto da escola com pouca iluminação, o anfiteatro lembra uma sala de cinema, as cadeiras pelo menos são iguais, mas em frente, em vez da tela de cinema tem um palco onde em cima dele, ela vê um homem de terno, falando no microfone.
Zoe percebe que aquele homem é jovem, aparenta quarenta anos, e tem um ar de superioridade que impressionaria qualquer um. Os cabelos são negros, olhos azuis, estatura alta e um belo porte. Olhando para ele, Zoe se lembrava de empresários bem sucedidos, no qual, ele parece ser.
Para o alivio dela, parecia que nenhum dos alunos e nem o homem havia percebido que ela havia entrado no anfiteatro. Todos os alunos estão sentados nas cadeiras olhando para o homem, bastante sérios.
O homem fala no microfone distraidamente e como a sala é grande parece que naquele momento ele não está prestando atenção na porta, Zoe fica aliviada, mas ainda sem graça e com vergonha de alguém notar sua presença e ver que ela acabara de chegar, ela decide ficar parada perto da porta, de braços cruzados, sem olhar para nenhum dos alunos. Apenas fixou seu olhar naquele homem de terno.
— Espero que todos vocês tenham um bom ano letivo e que tenham entendido todas as regras do colégio, e para os novos alunos, sejam todos muito bem vindos. Espero que sejam bem recebidos pelos alunos de Beauthongs Falls!
Nesse momento alguns alunos riram logo que aquele homem falou o: “Sejam bem recebidos pelos alunos de Beauthongs Falls!”.
Aquilo tinha parecido um tipo de risada irônica, o que deixa Zoe meio confusa e intrigada, ela arqueia as sobrancelhas sem entender a graça, mas logo dá de ombros, não pensando mais naquilo. Sua atenção volta-se nos alunos que começaram a se levantar para se retirar. Zoe então percebe que havia chegado tarde demais.
Ela se desencosta da parede e observou cada aluno que saia do anfiteatro, pareciam estar tão apressados que nem percebem a presença dela.
Demora algum tempo até os últimos alunos saírem. Só após isso, que Zoe sai do anfiteatro. Ela os observa seguirem pelo corredor, e começarem a descer o andar, para irem cada um para os seus devidos dormitórios.
Ela os segue, descendo as escadas e parando no andar de baixo, então observa alguns alunos entrarem em um corredor, outros no outro. Zoe entra no seu, e segue em direção ao seu dormitório parando na porta, abrindo-a, e só quando entra ela nota que dessa vez o dormitorio não esta vazio, havia duas garotas e um garoto dentro dele.
Zoe engole em seco, sente seu rosto esquentar, logo quando percebe que os três a olharam de uma maneira bem curiosa. Eles parecem reparar nela, e muito. Seus olhos são tão curiosos que de inicio miram os pés e vão subindo até chegar ao rosto da garota, o que torna impossível não sentir um certo desconforto. Nunca, ninguém havia a olhado daquela forma.
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