marlosquintanilha Marlos Quintanilha

Tomas vê sua vida parar diante dos seus olhos. Todos os sonhos são despedaçados, e o futuro, antes certo, não passa de cacos espalhados pelo chão. A válvula de escape que Tomas encontra para aliviar o peso de tudo o que está acontecendo é a confissão silenciosa registrando seus sonhos e planos num diário. Parte de um quebra cabeças de alguém que já quis viver. Por ironia do destino seu diário cai em mãos de uma desconhecida. Mal sabiam eles que o destino estava dando uma chance para eles.


Romance Romance adulto jovem Todo o público.

#amor #romance #escola #humor #musica #adolescente #drama
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Um encontro do destino

Tom, essa será a sua última semana de sessão no mês, depois vamos aguardar a reação do seu corpo. – Explicou o Doutor Oliveira, meu oncologista.

- Essa semana ele está mais quieto do que o normal, Oliveira. Estou preocupada.

- Mãe, não precisa falar de mim como se eu não tivesse aqui.

- Gina, digamos que esse comportamento é normal. – o Doutor ergueu os dedos, fazendo aspas.

- Mesmo assim. As últimas semanas foram mais agitadas. – Continuou ela.

- Que inferno. Já mandei parar com isso. – Berrei.

- Tomas, não fale assim comigo.

- É tão bom não é? Pedir para fazer algo que seria normal, mas não. Quanto mais eu peço para não me tratar como um moribundo, mais você faz. – saí da sala batendo a porta e antes de fechá-la avisei – Estou no carro.

- Desculpas, Oliveira.

- Não precisa pedir desculpas, Gina. Daqui a pouco passa.

Cheguei à rua meio ofegante. Minha cabeça estava girando um pouco e me senti tonto o bastante para me fazer sentar num banco próximo. Era tarde de outono, com isso a pequena praça estava com o chão coberto de folhas e o sol era quase frio, se isso é possível. Ajeitei a touca na cabeça e fiquei de olhos fechados, respirando pausadamente. Até que minha mãe me alcançou.

- Por que fez aquela cena, Tomas? Você não percebe que isso me machuca?

- Mãe, de novo não. Por favor. Não começa com a cena.

- Tom, você precisa entender. Enfia na sua cabeça que estou sofrendo.

- Para, mãe. – Falei pausadamente. Ainda de olhos fechados tentando não aumentar a voz.

- Parar com o quê? De me preocupar ? De cuidar de você?

- De me tratar como uma criança indefesa – abri os olhos - prestes a tropeçar no próprio cadarço e cair no chão.

- Você não entende o que passa aqui dentro – disse ela aponta o coração.

- Você não respeita meu espaço. Você acha que pode estar vinte e quatro horas cuidando de mim.

- Cuido mesmo. E se possível, cuido vinte e quatro, trinta e seis e até quarenta e oito horas. Tudo isso num único dia. Deus me deu você para cuidar.

- Mas pra quê isso tudo? Qual a necessidade? Você acha que vai me impedir de morrer? Se realmente foi Deus que te presentou, foi um presente de grego. Pois aviso logo, o presente veio com defeito.

- Tomas! Chega!!!

- Não, mãe. Agora você vai me ouvir.

- Não vou ficar aqui batendo boca com você. Não depois de tudo que passamos.

- Então me deixa em paz.

- Okay, é espaço que você quer? Pois vai ter.

- Mãe...

- Não, Tomas. Vou fazer o que você quer.

- Não começa com o teatro.

- Para começar vamos mudar hoje, agora mesmo. Vá para casa andando. Vou sozinha. São apenas dois quarteirões daqui.

- O quê? Não estou acreditando nisso.

- Isso mesmo. Não quer espaço? Pois tenha. Não quer ser respeitado, senhor Tomas? Que Deus te abençoe.

- Você não está fazendo isso. Deve ser brincadeira. Surtou de vez?

- Fique com o celular na mão. Caso caia pelo caminho, tente ligar para a emergência.

Minha mãe saiu em direção ao estacionamento. Seus passos firmes e seguros percorreram rapidamente o pequeno trajeto da praça até o carro, mas suas mãos vacilaram quando ela tirou as chaves do bolso. Pude ver o brilho do sol refletido nas lágrimas que escorriam de seu rosto. Mas ela não titubeou. Abriu a porta e antes de entrar gritou para mim - Apesar de tudo, eu te amo - E assim ela entrou no carro, me deixando ali, sozinho. Minha mãe pode até ser super protetora, mas confesso, ela é uma leoa. Não julgo ela por isso, mas preciso de espaço. Estou sufocado e ela não entende isso. Eu preciso ser rude às vezes pra ela entender. Mesmo que me doa, eu preciso desse espaço e desse tempo. Acredite, é difícil.

- Muito bem, então é isso. Minha mãe me deixou literalmente na pista. Seria cômico se não fosse trágico, na minha atual condição moribunda.

Normalmente faria uns seis minutos até em casa andando. Correndo, no máximo uns quatro. Mas nas minhas condições atuais, devo levar seis anos. Olhei ao redor para me certificar de que realmente ela havia partido. Coloquei meu fone no ouvido direito e fui andando devagar, pensando na vida. Desde que descobrira o tumor, o máximo que fazia sozinho era tomar banho, de porta aberta. Minha mãe estava neurótica, tinha medo até do meu espirro. Dizia para eu ser cauteloso ao espirrar. Meu irmão era praticamente minha sombra dentro e fora de casa. Ele só estava a salvo quando estava na escola, fora isso, era meu guarda costas em tempo integral.

- É Dona Gina, por essa eu não esperava. Um surto de independência. Confesso que fiquei surpreso – falei comigo enquanto caminhava lentamente.

A tarde começava a cair e sol ficava cada vez mais fraco e o chão foi tomando um tom marrom, quase dourado. O horizonte estava igual a uma pintura. As cores do pôr do sol formaram quase uma aquarela gigante. Há muito tempo eu não admirava a natureza. Nos últimos meses eu apenas reclamei.

- Está frio, vou colocar meu casaco. Só me falta agora ficar resfriado nas últimas sessões de quimio – pensei.

Abri e mochila e percebi que o casaco não estava lá.

- Ah que bom. O casado ficou no carro. Parabéns, Tomas. Você é um gênio. Agora é encarar o ventinho frio e torcer para que a pneumonia não seja tão ruim assim.

Antes de fechar a mochila, no passo seguinte, me desequilibrei. Pensei que fosse entrar na terra, de tão forte que foi o impacto. Resultado: mochila aberta de um lado, celular para outro. Mais um pouco e eu mesmo viro um quebra cabeças. Me certifiquei de não haver sangue no ouvido esquerdo antes de levantar. Confesso que me senti aliviado ao ver a mão seca. Meu corpo doía, mas percebi que não havia me machucado de fato.

- Espero que as câmeras de seguranças estejam desligadas e que minha queda não apareça no jornal das sete.

Fechei a mochila e fui para casa com certa dificuldade. Caminhei cerca de vinte minutos e enfim cheguei igual uma múmia recém ressuscitada. Ao entrar em casa a cara do meu irmão foi impagável. Depois descobri que minha touca parecia um chapéu de folhas e terra. Me senti no tribunal, pois minha mãe me fez zilhões de perguntas e quis me levar ao hospital, no fim consegui convencê-la de que estava realmente bem. Depois do banho e da janta, fui para meu quarto ler um pouco. Mas ao abrir a mochila, percebo que algo está faltando.

- Que legal, perdi meu caderno de anotações.

Perguntei minha mãe se estava no carro e nada. Liguei para o médico e nada. Fiz Taisson, meu irmão, voltar à praça onde estive para procurar pelo chão, e não estava lá.

- Deve ter caído da mochila quando eu fui ao chão. Como as folhas estavam cobrindo o chão, não percebi. Estava preocupado em me certificar se estava vivo – falei olhando pra minha mãe - Melhor eu dormir antes que perca mais alguma coisa ou tente me enterrar vivo no chão outra vez.


"Segunda feira, mais um dia de batalha. Até quando vou aguentar isso? Até quando meu corpo vai suportar? Não aguento mais esses malditos efeitos colaterais. Hoje normalmente seria um dia feliz. Depois da escola iria treinar no estádio da cidade com o time da categoria de base e à noite assistiria um filme com a galera, pois segunda é dia de pagar meia entrada no cinema. Mas não, agora tudo é diferente. Minha rotina não é mais a mesma. Logo pela manhã eu vou fazer a primeira sessão da semana de quimioterapia. Quando meu corpo reage bem e os efeitos colaterais não são muito agressivos, eu vou à escola no período da tarde. Assim vivo eu, dia após dia, literalmente. Não posso fazer planos, não faço ideia de mais nada. Apenas sei que a qualquer momento a bomba relógio que virei vai fazer boom e explodir. É inacreditável como uma simples dor de dente pôde mudar minha vida. Lembro que senti muita dor naquele dia, mas como meu siso estava por nascer, imaginei que ele estava dando sinais de vida. Mas a dor persistiu e meu corpo estava estranho. Me sentia pesado, sem fome, dor de cabeça frequente. Passei a semana inteira com esses sintomas até que meu ouvido esquerdo amanheceu sangrando numa manhã de sábado, o que me levou até o hospital da cidade, desacordado. Após alguns exames, o diagnóstico, havia um tumor do tamanho de um limão siciliano no corte esquerdo do meu cérebro. Foram os dias mais difíceis da minha vida. Passadas as primeiras semanas, com a medicação fazendo efeito, então voltei para casa depois de um tempo no hospital. Agora estou aqui, vivo. Não sei até quando nem como, mas agora estou vivo. Talvez dure mais uma semana, um mês quem sabe, com sorte, vivo mais um ano ou mesmo, posso desabar no próximo segundo. Bom, passou um segundo e estou aqui. Uma das opções já posso eliminar. E é isso, estou doente, lutando por mais uma chance na vida. Esse ano lá na escolinha de futebol eu não faço mais os testes, mas com certeza no próximo ano estarei pronto para passar e serei aceito num grande time da capital. Sou forte, sempre fui – T."

13 de Outubro de 2019 às 03:02 0 Denunciar Insira Seguir história
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