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Aquele em que Jimin descobre a cor amarela.

Naquele dia, Mile Davis ecoava por nossa casa enquanto mamãe dançava com papai pela sala em uma sincronia invejável.


Eu amava ambos, e também amava Mile Davis. No entanto, admito vergonhosamente que naquele momento específico eu não prestava atenção em nenhum dos dois. Meus olhos estavam estagnados no caminhão rosa parado em frente ao nosso prédio vizinho.


Eu tinha nove anos e não entendia muitas coisas do mundo dos adultos mas sabia que os novos vizinhos eram coloridos demais para nosso bairro.


As pessoas que moravam em Nob Hill normalmente usavam roupas escuras ou pastéis e seus cabelos sempre estavam bem aparados, com cortes uniformes. Não muito longo, apenas um pouco abaixo da clavícula, para as mulheres e cortado bem curto para os homens.

As crianças seguiam um estilo parecido, mas em geral as meninas podiam ter o cabelo um pouco mais longo enquanto os meninos (como eu) tinham seus cabelos lambidos em gel.


Garotos dos bairros vizinhos nos chamavam de engomadinhos, caretas e babacas. E um de meus colegas contara que haviam apelidado nossa vizinhança de Snob Hill.

Então acho que é compreensível quando digo que os novos vizinhos eram bem fora da caixinha em relação a nós.


Para começar, a mulher, que deduzi ser a mãe, era totalmente diferente da minha e de todas as outras que eu conhecia. Seu sorriso não era contido, mas sim brilhante. Sua gargalhada era tão harmoniosa que poderia encantar a cidade inteira.

Suas roupas não eram de cores apagadas como era comum ver nas mulheres que andavam por aqui e sim de cores completamente diferentes. Calça de um tecido que parecia ser jeans, uma blusa laranja claro leve e uma jaqueta de couro marrom. Lembro de achá-la completamente incrível.


Ela não era a única, no entanto, um homem alto não demorou a aparecer e meu choque foi ainda maior do que com a mulher ao seu lado. Seu estilo era tão diferente do de papai, mesmo ambos aparentando terem a mesma idade. Aquele estranho parecia muito mais diferente, ele parecia muito mais... livre.

Ele era quase tão colorido quanto ela. Usava uma calça de um tecido folgado claro, que estranhamente se parecia com o dos vestidos da minha mãe, seu cabelo passava muito além da nuca e era coberto por um tipo de chapéu esquisito que mais tarde descobri se chamar boina. Era genial.

Logo, um senhor desceu do caminhão e os abraçou, ele também era colorido, até mesmo sua pele era colorida, cor de terra molhada. Ele usava calças jeans iguais a da mulher, com uma faixa azul em torno de sua testa, o que acabava por amassar seu cabelo legal.

Observando os três juntos, senti uma coisa estranha. Eles eram uma bagunça de cores e sons tão distintas que de algum modo pareciam brilhar de forma inesquecível. Essa é uma das cenas que até hoje, quando estou me sentindo cinza demais, deixo passear por minha memória.

Eu estava encantando e por mais que quisesse prestar atenção em meus pais, que haviam parado para virar o disco e tomar chá, não conseguia. Me sentia culpado por achar isso, mas perto daqueles estranhos coloridos, meus pais eram cinzas demais. Assim como eu.

Antes que pudesse me afastar da janela e daquele sentimento estranho que havia me assolado, uma pequena figura surgiu.

Naquela época ainda menor que eu, o garotinho ganhou atenção de modo instantâneo. As figuras coloridas ficaram ainda mais barulhentas e felizes assim que ele apareceu e isso captou meus sentidos curiosos.


O que ele tinha de tão especial?


Senhor terra molhada puxou o garoto e o rodou fazendo ele, que parecia meio grogue assim que desceu do veículo, soltar alguns gritinhos que logo se transformaram em risadas contagiantes.

Os outros dois adultos também riam e embora eu soubesse que estava a mais tempo na janela do que deveria, já nem passava por minha cabeça sair dali sem ver a cara do risadinha.

Terra molhada soltou o garoto um pouco depois e ele parecia meio tonto, seu equilíbrio falho. Quis rir, mas assim que o mesmo se virou para seu pai, que estava de costas para mim, e o sol iluminou seu corpo batendo em seu rosto, quem se sentiu tonto fui eu.

Era o garoto mais bonito que eu havia visto em toda minha vida.

Talvez qualquer outro garoto em meu lugar teria pensado que era um pensamento estranho para um menino ter sobre outro. Mas eu não me importava, era a verdade e meus pais haviam me ensinado a sempre ser sincero comigo mesmo e com os outros.

Ele usava uma bermuda preta larga e seus pés estavam descalços. Seu cabelo, diferente dos meus coleguinhas da época, estava uma completa zona e era muito mais longo do que o meu, sem contar que eram mais escuros também.

Mas o que realmente dava luz a todo seu visual era a camiseta que ele usava. Era diferente até mesmo da de seus pais e amigo, era de um amarelo vivo, que me lembrava umas florzinhas que eu gostava de roubar da vizinha, e tinha um desenho no centro.


Um grande círculo com raízes enfeitando sua borda e três intervalos que iam em direção opostas até a extremidade.


Diferente dos outros coloridos, risadinha percebeu o intruso que os observava.

Assim que seus grandes olhos se chocaram com os meus, me senti sugado por um buraco negro. Diferente do que se possa imaginar, foi, e ainda é, a melhor sensação da minha vida.

Não pensei sobre outras pessoas, ou sobre como não gostava da nova música que havia acabado de começar. Só pensei naqueles olhos, que apesar de serem escuros, me fizeram sentir como se fosse mais colorido do que aqueles estranhos ao seu lado, mais colorido que um arco-íris, mais colorido que um jardim de diversas flores.

Ainda hoje não me lembro muito bem do que ocorreu depois disso, lembro vagamente da voz de mamãe me chamando para comer bolo de chocolate e do senhor terra molhada entrando em seu caminhãozinho rosa claro.


Mas lembro claramente da sensação borbulhante em meu corpo assim que risadinha abriu um sorriso e piscou seu olho esquerdo em minha direção.


Eletrizado, desorientado, vibrante.


Amarelo.

27 de Agosto de 2019 às 22:01 0 Denunciar Insira Seguir história
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Conheça o autor

Heather(s) Escritora caótica e perdida em algum lugar longe dessa galáxia.

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