lara-one Lara One

Você tem medo de monstros? Já olhou dentro do armário? Um caso aterrorizante para nossos agentes, mas nem tão aterrorizante quanto o sobrinho de Scully, que está passando um tempo com a tia...


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S02#17 - NÃO DURMA


INTRODUÇÃO AO EPISÓDIO:

Fade in.

[Som: Theme from Movie Nightmare on Elm Street]

Noite. Uma casa de madeira, de dois andares, muito bonita.

Grama, flores, arbustos. A luz do jardim está acesa.

Som de grilos.

[A câmera aproxima-se rapidamente, num impulso, até a porta. Pára.]

Som da fechadura girando.

Penumbra.

[A câmera entra, aproximando-se lentamente da escada. Sobe as escadas rapidamente, num impulso. Focaliza um lado e depois o outro lado do corredor, simulando uma visão. Focaliza a porta do quarto. A câmera aproxima-se lenta. Porta se abrindo.]

Meia luz do abajur.

[Foco na cama, onde uma casal dorme profundamente. Aproximação rápida, saltando sobre os dois. O casal começa a gritar. Close nas paredes onde muito sangue espirra e escorre rapidamente.]

Fade to black (tela escura).

Som de gritos.

Som de carne sendo dilacerada.

Silêncio total.

VINHETA DE ABERTURA: A VERDADE ESTÁ LÁ FORA


BLOCO 1:

Apartamento de Scully – 3:27 A.M.

[Som: Theme from Movie Nightmare on Elm Street]

Fade up.

Penumbra.

No quarto, Mulder e Scully dormem profundamente. Mulder abraçado em Scully. As mãos de Mulder estão enfaixadas.

[A câmera desvia o foco para o chão, indo até a porta, de onde se vê uma claridade entrando por baixo.]

[A porta abre-se lentamente.]

Os dois agentes continuam dormindo.

Alguma coisa salta sobre eles. Mulder senta-se na cama dando um grito apavorado.

Scully acende o abajur. Mulder põe a mão sobre o peito, ofegando. Scully olha pro garotinho ruivo, de 10 anos, vestido com um pijama do Pokémon, sentado sobre a cama.

SCULLY: - Will, não deveria fazer uma coisa dessas!

WILL: - Não consigo mais dormir, tia Scully. Tem um monstro no armário.

Mulder ainda está catatônico.

SCULLY: - Mulder, está bem?

MULDER: - ... (PÂNICO)

SCULLY: - Venha, Will. Vou matar o monstro.

WILL: - Legal! Mas não vai pegar sua arma pra fazer isso? Quero que encha ele de chumbo!

Scully levanta-se da cama e sai do quarto de mãos dadas com o menino.

Mulder fecha os olhos, ainda ofegante. Tenta se acalmar. Abre os olhos. Olha pro despertador: 3:29 A.M. Respira mais aliviado.

Scully entra no quarto, fechando a porta.

SCULLY: - Mulder, está bem?

MULDER: - Acho que vomitei meu coração pela boca.

Scully deita-se na cama.

SCULLY: - (RINDO) Você ficou branco! O que pensou que fosse? Um monstro querendo te agarrar?

MULDER: - Sei lá no que pensei, Scully. Numa hora dessas você imagina até um alienígena invadindo o quarto.

SCULLY: - Não era um alienígena, Mulder. Era meu sobrinho de dez anos.

MULDER: - Scully, por que ele tem que ficar justamente aqui?

SCULLY: - Charles me pediu um favor, Mulder. O Bill não pode, a Tara mal consegue cuidar de um!

MULDER: - Eu quase tive um enfarte! Não estou acostumado com mais de duas pessoas numa casa!

SCULLY: - ... Durma. Vai ficar melhor.

MULDER: - (IRRITADO) Dormir? Eu perdi o sono!

Mulder deita-se com os olhos abertos.

MULDER: - Vai deixá-lo com quem durante o dia?

SCULLY: - Ele vai ficar sozinho.

Mulder senta-se na cama.

MULDER: - (PÂNICO) Sozinho? Você deve estar brincando! Quando voltar, restarão apenas cinzas no lugar do prédio!

SCULLY: - Mulder, não exagere! Ele é uma criança difícil, mas não é um piromaníaco!

MULDER: - ... E se ele espalhar migalhas de biscoito pela sua casa?

SCULLY: - Ele é criança, Mulder.

MULDER: - (IRRITADO) Ah, ele é criança. Se eu faço isso, você fica uma semana buzinando nos meus ouvidos!

Scully senta-se na cama.

SCULLY: - (INCRÉDULA) Não acredito! Mulder, você está com ciúmes de uma criança?

MULDER: - ... Eu não estou com ciúmes! Só acho que ele é muito bagunceiro!

SCULLY: - Que moral tem pra falar dele?

Scully deita-se.

SCULLY: - Durma, Mulder. Temos que levantar cedo.

Scully desliga o abajur. Mulder deita-se.


6:55 A.M.

[Som: Bobby McFerrin – Don’t Worry, be Happy]

Scully prepara o café às pressas. Will entra na cozinha, vestido com o pijama.

SCULLY: - Ei, mocinho, ainda é cedo pra estar acordado.

WILL: - Vai trabalhar?

SCULLY: - Vou. E você vai me prometer que irá se comportar. Voltarei para o almoço.

WILL: - Posso mexer no computador?

SCULLY: - Pode. (SUSPIRA) Tenho backup de tudo.

WILL: - Quero ir pro FBI com você!

SCULLY: - Outro dia te levo pra conhecer o FBI. Mas hoje não. Preciso trabalhar.

WILL: - Mas eu quero ir hoje!

SCULLY: - Will, eu já disse que não.

WILL: - ... (EMBURRADO, CRUZANDO OS BRAÇOS)

SCULLY: - Você fez uma coisa errada ontem. Não deveria me acordar daquele jeito!

WILL: - E você também. Não deveria dormir com o seu namorado!

SCULLY: - De onde tirou a ideia de que ele é meu namorado?

WILL: - Papai disse que você tava com um namorado novo.

SCULLY: - Menino, estou cuidando dele! Ele está doente!

WILL: - E precisa cuidar dele no seu quarto?

SCULLY: - Ele estaria dormindo na sala, mas dei o sofá pra você! Você chegou de surpresa ontem. Mulder já estava deitado, não poderia mandá-lo embora... Por que estou dando explicações da minha vida pra você?

Scully ergue as sobrancelhas.

Mulder entra na cozinha.

MULDER: - Ô, garotinho chato e irritante, tem certeza de que seu pai é seu pai mesmo? Ou sua mãe andou dando umas escapadinhas com o Bill?

SCULLY: - Mulder!

MULDER: - Por que você é chato igual ao seu tio, garoto!

WILL: - E você tem o nariz grande! Parece o Pinóquio!

Will sai correndo da cozinha. Scully segura o riso.

MULDER: - Tá vendo? Depois eu sou a criança por aqui!

Mulder tenta servir uma caneca de café. Scully o ajuda.

MULDER: - Saco! Não posso fazer nada sozinho.

SCULLY: - Mulder, tente superar isso. Vai ficar bom logo. Ainda sente dor?

MULDER: - Não. Mas não posso me coçar. Meus dedos não querem se mexer.

SCULLY: - Precisa continuar a fisioterapia, Mulder. Você danificou os músculos e quase lesionou os tendões... Precisa tentar mexer os dedos.

MULDER: - Mas dói!

Scully entrega a xícara nas mãos dele. Mulder está de mal humor.

SCULLY: - Pode segurar?

MULDER: - Posso. Com as palmas das mãos juntas. É nessas horas que você se pergunta pra que servem os dedos dos pés! Aqueles inúteis!

Mulder encosta-se no balcão da cozinha.

SCULLY: - Will só vai ficar por alguns dias, Mulder. A mãe dele precisa repousar, fez uma cirurgia difícil...

MULDER: - E o Charlie? Que tipo de pai é?

SCULLY: - Charlie está numa conferência sobre Reiki.

MULDER: - Ah! Então a ‘Tia Dana Solteirona’ ganha o prêmio. Se eu tivesse filhos os levaria até pro inferno, mas não incomodava os outros. Se ainda fosse uma menina, comportadinha...

Will entra na cozinha dando um grito. Mulder dá um pulo e deixa a caneca cair no chão. O garoto começa a rir e sai correndo. Mulder olha pra Scully.

MULDER: - (IRRITADO) Essa noite, eu fico no meu apartamento. Meus peixes pelo menos não pulam na minha cama durante a madrugada... Embora se fizessem isso, eu ganharia muito dinheiro com eles.

SCULLY: - ... Mulder, por que não gosta de crianças?

MULDER: - Não é que não goste de crianças. Gosto das que ficam sentadas e quietas o dia todo.

SCULLY: - Crianças normais não ficam sentadas e quietas o dia todo.

MULDER: - Crianças me irritam! Não tenho um pingo de paciência. Não sei lidar com elas, Scully.

Scully vai pra sala. Pega seu casaco. Will aproxima-se.

SCULLY: - Comporte-se e te trago um doce.

WILL: - Tá.

Scully beija-o na testa. Will beija o rosto de Scully. Mulder abre a porta com as duas mãos. Will vai pro quarto. Scully caminha até a porta.

Barulho de algo se quebrando.

Scully suspira. Ameaça voltar pra dentro. Mulder enlaça seu braço no dela.

MULDER: - Vamos embora. No caminho passamos por uma agência de seguros e você faz seguro total dos seus pertences!


FBI – Arquivos X – 10:38 A.M.

Mulder entra com uma pasta de papel debaixo do braço. Scully está sentada, ao lado do fax. Há um fax saindo da máquina.

SCULLY: - Mulder, acho que temos serviço.

Scully corta o fax. Levanta-se. Lê em voz alta.

SCULLY: - “Prezados colegas. Por intermédio deste viemos solicitar vossa ajuda. Há dois dias um casal foi assassinado e não encontramos explicação racional para o fato. Na noite de ontem, outro casal apareceu morto nas mesmas condições. Não gostaria de entrar em detalhes sobre o crime através deste fax. Suspeitamos ser obra de algum fanático religioso. Queremos vossa opinião, se assim for possível. Atenciosamente... Xerife Myers, da polícia do condado de Fremont...”

MULDER: - Fremont?

SCULLY: - Nebraska.

MULDER: - Vou pedir autorização pro Skinner.

O telefone toca. Mulder atende com as duas mãos, quase deixando o fone cair. Apóia-o com o rosto e o ombro.

MULDER: - Mulder.

TELEFONISTA (OFF): - Mulder, externa pra agente Scully. Parece que é urgente.

MULDER: - Ainda tô esperando aquela torta que você prometeu...

TELEFONISTA (OFF): - E eu tô esperando o convite pra jantar fora.

MULDER: - (DEBOCHADO) Sabe que não janto. Preciso fazer dieta.

TELEFONISTA (OFF): - Conte outra, Mulder. Telefonistas conhecem a vida de todos os funcionários.

MULDER: - Vai dizer que tem escutado meus telefonemas?

TELEFONISTA (OFF): - Estamos no FBI, sei tudinho de você. E, embora não o veja há alguns meses, não acho que esteja precisando de dieta.

MULDER: - (DEBOCHADO) Aposto que não sabe muita coisa. Mas tudo bem, sou pouca areia pro teu caminhão. Até concordo.

TELEFONISTA (OFF): - Me disseram que machucou as mãos. É grave?

MULDER: - Estou melhor agora. Mas quem precisa de mãos?

Scully olha pra Mulder, o interrogando com os olhos.

TELEFONISTA (OFF): - Mulder, você não presta mesmo! As linhas estão congestionando. Conversamos outra hora... Tô passando a ligação. Quando não estiver ocupado com suas baratas por aí, vê se disca o 9. Nem que seja pra pedir uma ligação, embora tenha uma linha externa.

[Som: Bobby McFerrin – Don’t Worry, be Happy]

Mulder aguarda.

KAUFMAN (OFF): - Eu poderia falar com a agente Scully?

MULDER: - Quem gostaria?

KAUFMAN (OFF): - Aqui é o vizinho dela. Poderia dizer à ela que os bombeiros estão em seu apartamento? Precisei chamá-los, vi fumaça saindo pela janela.

Mulder olha pra Scully.

MULDER: - Agradeço sua preocupação, senhor...?

KAUFMAN (OFF): - Kaufman.

MULDER: - Obrigado, senhor Kaufman. Avisarei sua vizinha.

Scully olha pra Mulder. Pega a bolsa e sai correndo porta à fora. Mulder desliga.

MULDER: - ... É, Scully. Você ainda duvida da minha capacidade de estudar perfis comportamentais... Eu disse que ele era um piromaníaco. Eu falei... Você nunca acredita em mim! Vá comprovar cientificamente com os ‘olhos da ciência’.


Interestadual de Iowa – 2:33 P.M.

[Som: Bobby McFerrin – Don’t Worry, be Happy]

Scully dirige. Mulder olha pela janela. Will está sentado no banco de trás, jogando num daqueles games de pilha. Mulder o observa pelo retrovisor de fora do carro.

MULDER: - Sabia que pessoas assim possuem sérios distúrbios familiares, como falta de carinho e atenção, por isso fazem de tudo para serem notadas?

Scully olha pra Mulder.

WILL: - Tão falando de mim?

SCULLY: - (DISFARÇA) Não. Estamos falando do suspeito.

WILL: - (EMPOLGADO) Vai atirar nele quando o pegar?

MULDER: - Garoto, ao contrário do que pensa, não estamos no velho oeste. E nem num jogo de vídeo game.

WILL: - Tio Bill disse que você mata alienígenas! É verdade?

Mulder olha incrédulo pro garoto.

MULDER: - Eu não mato alienígenas!

WILL: - ... Pois eu os mataria cruelmente! Depois colocaria fogo neles, cuspiria neles, e atiraria suas cinzas verdes num poço de excremento.

Mulder fica assustado.

SCULLY: - Acho que não foi uma boa ideia trazê-lo. Mas como o deixaria sozinho? Ele queimaria mais panelas!

WILL: - Eu não estava queimando panelas. Eu queria apenas ver o que acontece quando se coloca uma formiga pra fritar! Só que fiquei atirando talco nos passarinhos pela janela do quarto e esqueci do fogão ligado.

MULDER: - (DEBOCHADO) Ele é um futuro cientista, ‘tia Dana’. Não pode condená-lo. Tem seu sangue. Formigas fritas, passarinhos perfumados...

SCULLY: - Cala a boca, Mulder!

WILL: - Sabia que as lagartixas não gostam de loção pós-barba?

Mulder fica em pânico. Scully começa a rir.

SCULLY: - É, Mulder. No caminho nós compramos outra loção pra você. Pelo menos tenho lagartixas com o seu cheiro.

MULDER: - Muito engraçado, Scully.

WILL: - Tô com sede.

SCULLY: - Pode esperar só um pouquinho?

WILL: - Tô morrendo de sede. E tô com fome.

Mulder suspira.

MULDER: - Sabia que se tirar a asa de uma mosca e gritar pra ela voar, ela consegue voar?

WILL: - Sério?

MULDER: - E que se tirar as duas asas dela e gritar do mesmo jeito ela não voa? Conclusão: Não voa porque fica surda.

WILL: - Ela não voa porque não tem asas, bobalhão!

Scully começa a rir.

SCULLY: - Ele é esperto, Mulder. Ganhou de você. Até merece um refrigerante.

WILL: - E um hambúrguer! Com batatas fritas!


Delegacia do Condado de Fremont – Nebraska – 3:57 P.M.

Mulder e Scully entram na delegacia. O garoto de mãos dadas com Scully. Mulder tenta puxar a credencial, mas não consegue. Scully puxa a sua e mostra para um auxiliar que está atrás do balcão.

SCULLY: - Somos do FBI. O Xerife Myers nos espera.

CHEDDY: - Ah, sim. Ele é o agente Mulder, ‘O Estranho’?

Scully segura o riso. O auxiliar entra por uma porta.

SCULLY: - (DEBOCHADA) Sua fama está percorrendo o país, Mulder. Ainda não pediram autógrafo?

O auxiliar volta.

CHEDDY: - Me desculpem, ele está no telefone. Querem um café?

MULDER: - Não, obrigado.

CHEDDY: - ... (EMPOLGADO) Agente Mulder, poderia me dar o seu autógrafo?

Scully vira-se pra porta e ri. O xerife Myers chega. É um cinquentão gordo, muito simpático.

MYERS: - Agentes Mulder e Scully?

MULDER: - Sim.

MYERS: - Sou o xerife Myers.

O xerife olha pro garoto.

MYERS: - Bonito filho vocês têm. Parece-se com a mãe.

SCULLY: - (SORRI FELIZ)

MULDER: - (CORTANTE) Não, não é nosso filho. É o sobrinho dela.

MYERS: - Qual seu nome, garotão?

WILL: - Willian Scully.

MYERS: - Ah! ... Nome bonito! Ô Cheddy! Leve o Willian Scully pra conhecer a delegacia.

WILL: - Legal! Posso ver onde prende e açoita os assassinos seriais? Onde fica a masmorra?

O Xerife ri. Cheddy sai com o garoto.

MYERS: - Crianças... Imaginação fértil... Desculpe incomodar o FBI, agentes, mas confesso que temos pouco pessoal por aqui. A cidade é pacata. Mas a notícia do assassino está correndo a solta e os moradores estão cobrando nossa agilidade. Minha suspeita é que seja alguém de fora, algum maluco religioso.

Mulder tenta puxar um bloco de anotações do bolso. O bloco cai de suas mãos. O xerife observa, curioso. Scully pega o bloco. Entrega pra Mulder que o segura com dificuldades. Começa a ler suas anotações.

MULDER: - Nos disse que são quatro vítimas... Dois casais: Os Dixon e os Danner.

MYERS: - Perfeitamente.

SCULLY: - Essas pessoas tinham uma vida normal? Conheciam-se umas às outras?

MYERS: - Sim, agente Scully. Como disse, é uma cidade pequena. Todos se conhecem. Confraternizam aos domingos nas festas da igreja. Eram gente boa.

MULDER: - Idade?

MYERS: - Pouco mais de 30.

MULDER: - Filhos?

MYERS: - Não, eles não tinham filhos.

MULDER: - Alguma semelhança física ou comportamental?

MYERS: - Nenhuma.

MULDER: - Algum suspeito?

MYERS: - Nada. Os vagabundos da cidade só arranjam brigas, roubam calotas de carro e às vezes, matam alguma galinha e a colocam na porta de alguém. Coisa de adolescente.

SCULLY: - Podemos ver os corpos?

MYERS: - Ainda estão no local do crime. Achei melhor esperar para verem. Se não chegassem logo, ia despachar por causa do cheiro... Não vão gostar do que vão ver.

MULDER: - Sabe a hora da morte?

MYERS: - Uma vizinha foi até a casa deles pela manhã, como de costume, e encontrou os corpos. Calculo que deva ter sido entre 3 e 4 da manhã.

MULDER: - Pode nos levar até lá?

MYERS: - Claro. Mas acho melhor deixarem o menino com o Cheddy. Não será uma cena muito agradável...


BLOCO 2:

Residência dos Danner – 4:37 P.M.

O Xerife abre a porta do quarto. Scully e Mulder entram. O xerife aproxima-se da cama. Levanta o lençol. Mulder vira o rosto.

MULDER: - Merda! Que diabos houve por aqui?

MYERS: - É, agente Mulder. Pode ter 30 anos de profissão, mas o estômago sempre se surpreende.

SCULLY: - Ah, meu Deus! Foram decapitados!

MYERS: - Ainda não encontramos as cabeças, agente Scully.

Scully tira um par de luvas de borracha do bolso. Veste-as. Aproxima-se dos corpos.

SCULLY: - Estão dilacerados... Parece que foram atacados por algum animal selvagem.

MYERS: - O animal mais selvagem nessa região, agente Scully, são os gamos. E gamos não fazem isso.

Mulder olha para as paredes.

MULDER: - Seja o que for, foi bastante violento.

SCULLY: - E forte.

Mulder olha pra Scully. Scully analisa o corpo do homem que está de costas.

SCULLY: - Arrancou a cabeça, com a coluna vertebral inteira, sem danificar um osso!

Mulder aproxima-se da cama. O Xerife o segura.

MYERS: - Cuidado, agente Mulder. Há pedaços de carne por todos os lados.

Mulder aproxima-se da cama, com cara de nojo.

MULDER: - Xerife, pode me ajudar a virar o corpo dela?

O xerife vira o corpo da mulher.

MYERS: - Também teve a coluna arrancada.

MULDER: - As outras vítimas também estavam assim? Dilaceradas, decapitadas e sem a coluna vertebral?

MYERS: - Do mesmo jeito. Também não achamos as cabeças. Os corpos estão irreconhecíveis.

Mulder afasta-se. Olha embaixo da cama.

MULDER: - Encontraram alguma pista?

MYERS: - Sem pistas. Nem aqueles fósforos de motel com um nome e um telefone estranho.

Mulder olha para o Xerife.

MYERS: - (RI) Pelo menos é sempre o que acontece nos filmes.

Scully tira as luvas.

SCULLY: - Precisamos retirar os corpos daqui, Xerife. Tem algum lugar onde eu possa fazer a autópsia?

MYERS: - Aí mesmo, agente Scully. Não temos nenhum lugar por aqui.

Mulder começa a bisbilhotar o lugar.

MULDER: - Como o assassino entraria aqui?

MYERS: - As pessoas nunca trancam a porta, agente Mulder. Não havia motivos, até agora.

Mulder abre o guarda-roupas com as duas mãos. As roupas todas estão caídas dos cabides.

MULDER: - Scully. Dê uma olhada aqui.

Scully aproxima-se.

MULDER: - Alguém revirou esse armário.

SCULLY: - Talvez procurasse alguma coisa.

MULDER: - Xerife, o armário das outras vítimas também estava revirado?

MYERS: - Sim senhor.

MULDER: - Scully, quero que faça uma autópsia nesse dois... ou no que sobrou deles. Xerife, preciso da ficha dessas pessoas e preciso falar com quem encontrou os corpos. Quero nome de amigos, parentes, qualquer pessoa que frequentava a casa deles. Vou solicitar exames de DNA para confirmar a identidade das vítimas.

SCULLY: - Mulder, preciso de equipamentos! Como vou fazer uma autópsia nessas condições?

MULDER: - Tem um bisturi?

SCULLY: - Tenho, mas é só isso.


5:17 P.M.

Mulder e o Xerife largam o que restou do corpo do homem sobre a mesa da cozinha, ao lado do corpo da mulher. Scully ajeita o lustre sobre o corpo do homem.

MYERS: - Acho melhor trancar a porta, agente Scully. E feche as cortinas. Os vizinhos por aqui não precisam de convites para entrarem.

SCULLY: - Certo. Mulder, pode me fazer um favor?

MULDER: - Claro.

SCULLY: - Cuide do Will.

MULDER: - (MAQUIAVÉLICO) Pode deixar, Scully. Isso vai ser moleza!

SCULLY: - Mulder.

MULDER: - O que é.

SCULLY: - Não se esqueça: ele é uma criança, não um serial killer... Vai conseguir dirigir?

MULDER: - Se não conseguir, peço pro seu sobrinho. Aposto que ele adoraria.

Mulder e o Xerife saem.

[Som: Bobby McFerrin – Don’t Worry, be Happy]

Scully tranca a porta. Volta pra cozinha. Amarra um avental sobre o nariz.

SCULLY: - Isso vai ser interessante...

Scully pega uma balança de medir farinha. Coloca sobre o balcão. Abre uma gaveta e tira um facão. Procura algo nos armários.

SCULLY: - Álcool... Álcool...

Scully encontra uma garrafa de uísque.

SCULLY: - Hum... Escocês legítimo? ... Isso é um desperdício, mas... Não quero contaminar as provas...

Scully pega o facão, aproxima-se da pia e derrama uísque sobre ele. Volta pra perto do corpo. Pega o gravador e liga. Larga o facão sobre o corpo. Veste as luvas e pega o bisturi.

SCULLY: - Iniciando autópsia em ... Hum, acredito que seja um homem branco, caucasiano, aproximadamente 35 anos, 1 metro e 80... e 90 quilos. Acho. Sobrou muito pouco pra saber... A vítima foi rasgada, teve a cabeça arrancada e a coluna removida. Estou retirando amostras para identificação positiva da identidade da vítima. O corpo apresenta diversas lacerações... Hum... Ossos intactos... Lesões musculares na região do pescoço, indicando que o agressor forçou o pescoço puxando a cabeça para trás... Talvez tenha arrancado a cabeça junto com a espinha... Estranho...

Scully analisa o pescoço mais detalhadamente. Vira o corpo do homem, com dificuldades.

SCULLY: - ... Retirando amostra da coluna e pescoço para análise de arma... Possivelmente um objeto mal afiado, pelas bordas dos cortes não apresentarem formato liso...

Scully olha fixamente. Coloca a mão dentro das costas do homem e retira um pedaço de garra.

SCULLY: - ... Há um elemento estranho alojado na carne ao lado do pulmão esquerdo. Parece um tipo de garra de animal... Está quebrada...

Scully pega o facão.

SCULLY: - Iniciando análise e medida de órgãos internos. Ou o que sobrou deles... O que significa que terei de juntar intestinos do chão do quarto... O que significa que isso é um trabalho sujo! ... Por que não escolhi ser professora?


Residência dos Walker – 6:02 P.M.

Mulder estaciona o carro. Will está ao lado dele no carona.

MULDER: - Muito bem, companheiro, sua tia está dando uma de carniceira e eu preciso interrogar a testemunha. Portanto, quero que fique aqui e se comporte, ouviu?

WILL: - ... Quero ver a autópsia!

MULDER: - Acredite, não quer ver não.

WILL: - Não vou ficar parado aqui! Não tenho nada pra fazer!

MULDER: - Tire um cochilo.

Mulder sai do carro. Abaixa-se e olha pra Will dentro do carro.

MULDER: - Se deixar o som ligado e essa bateria for pro espaço, faço você engolir o rádio.

WILL: - ...

MULDER: - Se furar algum pneu, vai assoprá-lo até encher. Se tocar em alguma coisa, você morre. Compreendeu?

WILL: - Eu não gosto de você!

MULDER: - Estamos quites. E se soltar puns aí dentro, prometo que quando voltar vai ter troco.

WILL: - Chato! Você é chato! Não quero que namore com a minha tia!

MULDER: - Desculpe, parceiro. Mas isso é decisão dela, não sua.

Mulder bate a porta do carro. Caminha até a casa. Volta pro carro. Bate na janela do carona. Will desce o vidro.

WILL: - O que foi?

MULDER: - Mais uma coisa. Se tirar o pé daí de dentro, eu mando um alienígena vir pegar você. Sabe que conheço os alienígenas... Somos amiguinhos.

O menino arregala os olhos.

MULDER: - E as chaves do carro estão comigo. Só pra avisar.

WILL: - Se eu me comportar me traz um doce?

MULDER: - Se você se comportar prometo que te ensino a ser um bom detetive.

WILL: - (SORRINDO) Sério?

MULDER: - Sério. Podemos ser parceiros se quiser.

WILL: - Certo.

MULDER: - Então fique aqui no carro, parceiro, e vigie qualquer movimento estranho. Se vir algum suspeito, como um monstro de duas cabeças, grite.

WILL: - Certo, parceiro.

MULDER: - Lembre-se: Você é um agente do FBI. Tem que se comportar.

WILL: - Eu quero uma credencial!

MULDER: - Arranjo uma pra você.

WILL: - E a minha arma?

MULDER: - Vai ter sua arma quando conseguir ter controle de seus impulsos.

WILL: - ... (CRUZA OS BRAÇOS, EMBURRADO)

MULDER: - Lembre-se, ‘Gafanhoto’... Controle sua ira e conseguirá ser um agente do FBI. Tudo está na mente... Faça duas horas de ioga e relaxe. É uma ordem.

Mulder afasta-se. Caminha em direção à casa. Will arregala os olhos.

WILL: - Muito bem, assassino do Nebraska! Seus dias estão contados! O Agente Will Scully, o Justiceiro Implacável, está no seu rastro!


6:27 P.M.

Geraldine, uma senhora gorda de uns 50 anos, serve o chá na xícara. Entrega pra Mulder, que está sentado no sofá. Ela está nervosa, olhos cheios de lágrimas.

GERALDINE: - Imagine... Imagine a sensação de encontrá-los daquele jeito... Eram nossos amigos, senhor Mulder. Meu marido Arthur e o Brandon costumavam pescar juntos.

MULDER: - Conhece alguém que tivesse motivos para matar Brandon e sua esposa?

GERALDINE: - Não, eles faziam parte da igreja. Eram pessoas boas.

MULDER: - Não notou nenhum movimento estranho durante a madrugada?

GERALDINE: - Não, eu costumo ficar vendo filmes até tarde, mas não vi nada.

MULDER: - E seu marido?

GERALDINE: - Faz dois dias que foi para o Alabama, visitar alguns parentes... O Arthur não estava aqui na noite do crime.

Mulder levanta-se.

MULDER: - Obrigado senhora Walker. Pelo chá e pela conversa.

[Som: Theme from Movie Nightmare on Elm Street]

Corta para Mulder aproximando-se do carro. Bate no vidro. Will abre a porta.

MULDER: - E aí, parceiro? Tudo ok?

WILL: - (ASSUSTADO) Eu vi.

MULDER: - Viu o quê?

WILL: - O monstro.

MULDER: - Ah, o ‘monstro’. E como ele era?

WILL: - Enorme... Feio... Fedia muito.

MULDER: - Tinha duas cabeças?

WILL: - Não.

MULDER: - (DEBOCHADO) Então não se preocupe. Não é o monstro que procuramos. O que procuramos é cheiroso.

WILL: - Mas eu vi. Ele estava correndo pro meio do mato.

MULDER: - Gafanhoto, não pode acusar uma pessoa por estar correndo. Isso não significa que é suspeito. Vamos embora. Sua tia já deve estar pensando que te sequestrei.

WILL: - E a minha insígnia? Você prometeu!


Motel Fremont – 8:39 P.M.

Will, sentado no chão, assiste TV. Mulder e Scully cochicham, sentados na cama. Mulder olha pra um saco plástico, que Scully segura contra a luz.

SCULLY: - Parece uma garra de animal.

MULDER: - Muito estranho, Scully. O que mais descobriu?

Scully olha pra Will. Ele está compenetrado num desenho. Scully olha pra Mulder.

SCULLY: - Mulder, depois que saiu, o Xerife Myers voltou. Um caçador encontrou dois crânios e alguns ossos de coluna vertebral, no meio da floresta. Mandei-os pra análise no escritório de Nebraska. Acho que são dos Danner. Não houve identificação positiva do xerife, porque pele, carne e cabelos foram removidos, restando apenas o crânio. Oco. Não havia nada nele.

MULDER: - (NOJO) Não acharam pelo menos os miolos?

SCULLY: - Acharam o conteúdo do cérebro, Mulder. Analisei. Estava tudo ali, com exceção da medula espinhal.

MULDER: - Vou investigar esse tal de Brendon Walker. Não estava na cidade no dia da morte dos Danner. Mais isto pode significar apenas conveniência.

SCULLY: - Mulder, acho que o senhor Walker não tem nada a ver com isso. Quer minha teoria?

MULDER: - Tem uma?

Scully olha pra Will. Will está olhando pra eles, prestando atenção no assunto.

SCULLY: - Depois, Mulder.

MULDER: - Ô, Gafanhoto, poderia nos dar licença por um momento?

WILL: - Você mentiu pra mim! Disse que seríamos parceiros. Mas me deixa fora do caso.

Scully olha pra Mulder sem entender nada. Mulder olha pra Will.

MULDER: - Ok, então tenho um serviço pra você. Vá para o meu quarto, ligue a TV e assista o noticiário local.

WILL: - Que serviço bobo!

MULDER: - Preciso que descubra se a imprensa sabe do caso. Isso pode prejudicar a investigação.

WILL: - ... Tá legal...

Will levanta-se. Estende a mão pra Mulder. Mulder tira as chaves do bolso, com dificuldades, e entrega.

MULDER: - E fique longe da minha loção de barba!

Will sai.

SCULLY: - (SURPRESA) Como fez isso?

MULDER: - Psicologia infantil, Scully.

SCULLY: - ?

MULDER: - Ele é um agente do FBI agora.

Scully sorri, olhando apaixonada pra Mulder.

MULDER: - Tá, qual sua teoria? Agora podemos falar alto.

SCULLY: - ...

MULDER: - Scully, tá me ouvindo?

SCULLY: - (SAI DO TRANSE) Mulder, pela forma como os ossos da coluna estavam limpos e pela ausência da Medula Oblongata...

MULDER: - Oblon o quê?

SCULLY: - Oblongata. Acho que o agressor decapitou para roubar a medula e suas ramificações pela coluna vertebral.

MULDER: - Não está me dizendo que ele come...

SCULLY: - Acho que se alimenta da medula espinhal, Mulder. Os ossos estavam limpos, como se houvessem sido chupados, tendo as ramificações de nervos sugadas e...

MULDER: - (NOJO) Ah, credo! Acho que vou vomitar!

SCULLY: - ... Mulder...

MULDER: - Sei o que vai dizer, Scully. Ele não é humano. Então o que estamos procurando?

SCULLY: - Não sei. Pra dizer a verdade, não faço a menor ideia.

MULDER: - ... Ai!

SCULLY: - (PREOCUPADA) O que foi? Suas mãos estão doendo?

MULDER: - (MANHOSO) Ai, minha médica... Meu coração está doendo... Acho que estou apaixonado... Estou enfartando de saudades!

SCULLY: - (RINDO) Mulder, você me assustou!

Mulder a empurra, deitando Scully sobre a cama. Beija-lhe o pescoço.

SCULLY: - Mulder, não! ... O Will...

MULDER: - Ele está vendo o noticiário. Quando começarem a falar em economia, vai cair no sono.

Will entra no quarto às pressas. Os dois sentam-se na cama, disfarçando.

WILL: - O noticiário já passou.

Will senta entre os dois. Mulder abaixa a cabeça e põe as mãos no rosto.

MULDER: - Eu mereço, eu mereço!

SCULLY: - (RESIGNADA) Tá, tome o seu banho e vamos dormir.

WILL: - Não quero dormir agora!

Mulder suspira.

SCULLY: - Will...

Mulder puxa a carteira, com dificuldades.

MULDER: - Ô, Gafanhoto, que tal ir tomar um sorvete em Miami?

WILL: - Não quero.

MULDER: - Te dou 5 dólares se cair fora por uma hora.

SCULLY: - (REPREENDENDO) Mulder!

WILL: - Não. Eu quero 20 dólares!

MULDER: - Não acha que está aprendendo a barganhar muito rápido?

WILL: - 20 dólares ou nada feito. E ainda é pouco, estou te dando um desconto porque somos parceiros.

O garoto deita-se na cama. Olha para os dois.

MULDER: - 10 dólares. Última oferta.

WILL: - Não. Vou ficar aqui e dormir do lado da minha tia.

MULDER: - Ora, seu pestinha de uma figa...

SCULLY: - Mulder, por favor!

Mulder tira 20 dólares da carteira, usando o polegar.

MULDER: - (IRRITADO) Toma seus 20 dólares e suma daqui por duas horas!

WILL: - (SORRINDO VITORIOSO) Fechado.

MULDER: - Pelo menos você é mais burro do que a sua tia. Ela já me tirou 30 dólares por menos!

SCULLY: - Mulder, não tem o direito de fazer isso. Will, devolva o dinheiro pro Mulder! Isso não é atitude pra um garoto como você.

WILL: - Mas tia Dana, tudo na vida tem um preço...

SCULLY: - (IRRITADA) Sem ‘mas tia’! Está sob minha responsabilidade e isso inclui me obedecer! Agora devolva esse dinheiro e vá tomar o seu banho!

WILL: - Não vou! Você não manda em mim!

Scully levanta-se da cama. Mulder a impede com a mão.

MULDER: - Scully, deixe comigo, tá legal?

Mulder levanta-se. Abre a porta.

MULDER: - Cai fora, Gafanhoto. Leve os 20 dólares e vá pro meu quarto. Faça um retrato falado do suspeito que viu hoje à tarde. Eu e sua tia precisamos traçar o perfil psicológico do assassino.

WILL: - (RINDO) Perfil psicológico... Vocês vão é fazer sexo! Acha que sou burro? Por que acha que pedi 20 dólares?

O garoto sai fechando a porta. Mulder abaixa a cabeça e ri. Scully fica indignada.

SCULLY: - (ASSUSTADA) Onde esse garoto aprendeu essas coisas?

MULDER: - Scully...

SCULLY: - (IRRITADA) Vou falar com o Charles. Ele tem que impor respeito ao filho! Não sabem educar uma criança? Olha só as coisas que esse menino sabe! Isso não está certo!

MULDER: - Scully...

SCULLY: - (FURIOSA) O que esse menino assiste na TV? Que tipo de pais são esses?

MULDER: - (CALMO) Scully, quer se acalmar?

SCULLY: - Mas ele só tem 10 anos, Mulder!

MULDER: - E uma TV, um computador, revistas, jornais... Scully, as crianças de hoje não são burras como a gente era!

SCULLY: - Não éramos burros! Éramos inocentes.

MULDER: - Não, éramos burros mesmo. Acreditávamos que uma ave pernalta deixava os bebês na porta de casa, que um coelho enorme botava ovo, mesmo sabendo que coelhos não botam ovos, muito menos de chocolate. São crianças racionais, Scully. Eles pedem kits de laboratório pelo correio!

SCULLY: - Não admito isso, Mulder! Brinquei de boneca até os 15 anos!

MULDER: - E daí? Eu quebrava vidraças até os 14! Hoje em dia, Scully, as crianças com 14 anos já têm um filho. É a realidade. A infância está acabando mais cedo, também acho isso ruim. Mas vai fazer o quê?

SCULLY: - Se fosse meu filho ia levar uns tapas!

MULDER: - Se fosse seu filho ia esconder a televisão dele?

Mulder a abraça.

MULDER: - (DEBOCHADO) Relaxa, Scully. É a modernidade. Sacou, gata?

SCULLY: - (RINDO) Pára, Mulder. Você tem muita paciência, eu não tenho.

MULDER: - Não é paciência. É psicologia.

SCULLY: - ... Você seria um ótimo pai, sabia?

Mulder solta-se dela. Disfarça. Liga a TV. Scully perde a graça.


BLOCO 3:

9:11 P.M.

[Som: Bobby McFerrin – Don’t Worry, be Happy]

Geral da porta do quarto de Scully, pelo lado de fora. A porta abre-se. Scully empurra Mulder pra fora, indignada.

SCULLY: - (FURIOSA) Sai daqui!

MULDER: - Mas, Scully...

SCULLY: - (AGRESSIVA) Saia já daqui, Mulder! Ou vou atirar em você!

MULDER: - ...

SCULLY: - E devolva o meu sobrinho! Mande ele vir agora pra cá! Você não gosta de crianças! Você é um monstro!

Mulder caminha lentamente até a porta de seu quarto. Entra. O menino assiste TV. Muda depressa de canal. Mulder olha pra ele.

MULDER: - Gafanhoto, sua tia tá chamando. É melhor ir, porque ela tá uma fera.

WILL: - ... (OLHANDO PRA ELE)

MULDER: - Precisamos conversar, Gafanhoto. De homem pra homem. Mas pode ficar pra amanhã... Gosta de basquete?

WILL: - Gosto de beisebol... (TRISTE) Mas não tem como jogar sozinho. Não tem graça.

MULDER: - Seu pai não joga com você?

WILL: - ... Ele não tem tempo pra isso.

MULDER: - Tá. Amanhã vamos comprar um bom taco, uma luva e algumas bolas. Vamos jogar e depois conversaremos.

Will vai até a porta. Abre-a. Olha pra Mulder.

WILL: - ... Boa noite... Tio.

Will sai, fechando a porta. Mulder fica olhando pra porta. Segura as lágrimas.

MULDER: - Boa noite, Gafanhoto.


Delegacia do condado de Fremont – 9:34 A.M.

Mulder lê um papel, sentado ao lado do fax. O xerife entra.

MYERS: - Chegou o que queria?

MULDER: - Positivo. Os corpos e as cabeças encontrados eram dos Danner. Quanto aquela garra, acharam restos de sangue, que identificaram como sendo também dos Dixon. Havia a presença de terra nos cortes... Terra, restos de folhas, partículas de tecidos, madeira... Não foi feito por nenhuma arma, Xerife. Foi feito por alguma fera.

MYERS: - Fera? Garra? Do que está falando?

MULDER: - Achamos uma garra dentro do corpo de uma das vítimas. Acho melhor juntar um grupo de busca. Acredito que nosso suspeito se esconde na floresta.

MYERS: - Que tipo de bicho atacaria dessa maneira?

MULDER: - Xerife, não acredito que estamos procurando um animal comum.

MYERS: - O que está dizendo, agente Mulder?

MULDER: - ... Acho que procuramos alguma criatura ainda desconhecida.

MYERS: - (INCRÉDULO) Tipo o Pé-Grande?

MULDER: - É, mais ou menos isso.

MYERS: - Puxa... (COÇANDO A CABEÇA) Eu já vi coisas por aqui, mas isso...

MULDER: - Isso explicaria a forma como foram mortas. Mas não explica o porquê do assassino seguir um padrão.

MYERS: - ...

MULDER: - São sempre casais sem filhos. Geralmente nós humanos é que temos inteligência o suficiente para definir padrões. Talvez estejamos lidando com algum animal com capacidade igual ou superior a nossa.

MYERS: - Tá dizendo que esse bicho pensa? Puxa, isso vai ser uma descoberta e tanto! Nossa!

MULDER: - Acho melhor avisar todos os casais sem filhos da cidade. Peça que tranquem a porta e chamem a polícia se virem algo suspeito. E por favor, não fale nada sobre monstros. Nada de pânico. Coloque a culpa num andarilho.

MYERS: - Posso perguntar uma coisa? Por que está com as mãos enfaixadas? O que aconteceu?

MULDER: - Me confundiram com outro judeu que morreu há dois mil anos. Mas já estou melhor. Hoje consegui mexer os dedos.

MYERS: - (CONFUSO) Ah!

Mulder larga o fax sobre a mesa. Pega o celular. Scully entra. Fisionomia de poucos amigos.

MULDER: - Ia ligar pra você.

SCULLY: - (IRRITADA) Já consegue fazer isso sem ter que usar a língua?

O xerife arregala os olhos e sai.

MULDER: - (DEBOCHADO) Consigo. Assim poupo a minha língua pra coisas mais importantes...

SCULLY: - O que ia me falar, agente ‘Mulder Asqueroso’?

MULDER: - ... A identificação bateu. Eram os Dixon e os Danner. Havia resto de sangue naquela garra. Foi alguma coisa desconhecida, Scully. Vou com o xerife, vamos fazer um grupo de busca pra entrarmos na floresta.

SCULLY: - ...

MULDER: - Desculpe.

SCULLY: - ...

MULDER: - Eu... Eu não queria falar aquilo.

SCULLY: - Mulder, as pessoas sempre falam o que querem.

MULDER: - ... Só tô errando com você nos últimos dias. Estou num péssimo mês.

SCULLY: - ...

MULDER: - Não falei sério.

SCULLY: - Discutiremos isso depois, Mulder. Tenho trabalho pra fazer.

MULDER: - ... Eu só queria que...

SCULLY: - (FURIOSA) Não vou entender nada, Mulder. Estou cansada de entender você. Você nunca me entende. Sua atitude foi a de um canalha! Um bastardo! Isso nunca se diz pra uma mulher! Nunca! Isso fere e custa a cicatrizar! Principalmente pra mim, Mulder. Porque você sabe da minha situação! Isso foi grosseiro. Ganhou de todos os desaforos que você já me fez. Agora saia daqui, Mulder! Estou com nojo da sua cara!

Mulder sai cabisbaixo. Scully cruza os braços, está furiosa. Segura as lágrimas.


11:18 A.M.

O xerife dirige a viatura pela cidade. Mulder está ao lado dele, olhando pela janela, pensativo.

MYERS: - Alguma coisa nesse caso o intriga, agente Mulder?

MULDER: - Não... Problemas pessoais. Não ando numa maré boa ultimamente.

MYERS: - É, eu imagino. Deveria vir morar aqui, sabia? Poderia conseguir emprego de xerife. Estou me aposentando.

MULDER: - (SORRI)

MYERS: - A mulher quer que eu fique mais tempo com ela. Mas eu gosto do que faço, não queria sair daquela delegacia a não ser num caixão.

Eles passam na frente de uma loja. Mulder fica olhando.

MULDER: - Pode parar um momento?

MYERS: - Claro.

O Xerife estaciona. Mulder abre a porta.

MULDER: - Preciso cumprir uma promessa. É algo rápido.


Motel Fremont – 2:21 P.M.

Mulder, em seu quarto, pesquisa no laptop. Percebe uma folha de papel no chão. Mulder a pega. É o desenho de um monstro narigudo, com uma seta apontada para baixo, com algo escrito em letra de criança: Tio Mulder.

MULDER: - (SORRI) Garoto terrível...

Scully entra no quarto. Mulder guarda a folha.

SCULLY: - O xerife Myers está organizando o pessoal de busca. Vamos nos encontrar com eles por volta das 5 da tarde... Mulder, tem um fato me incomodando.

MULDER: - ...

SCULLY: - Por que uma criatura, supondo que seja uma criatura desconhecida, reviraria o guarda-roupa das vítimas?

MULDER: - Fetiche?

SCULLY: - Mulder, falo sério. Não seria quem sabe... Algum humano portador de mutação genética?

MULDER: - Pode ser, Scully. Talvez se esconda na floresta, porque se acha ‘feio’ demais pra viver na civilização. Por que comeria a medula espinhal?

SCULLY: - ... Isso não faz sentido, Mulder. A medula só é útil para nosso organismo, não para comê-la.

MULDER: - Existem seitas que acreditam que carne humana é bom para o espírito, que comer determinadas partes do corpo possam ajudar na cura de doenças relativas as mesmas partes do corpo ingeridas...

SCULLY: - Continua sem sentido. Baseado em sua teoria, se essa coisa comesse a medula espinhal das pessoas, significaria que não tinha medula espinhal. Então estaria morta! Na melhor das hipóteses, se arrastaria por aí como um zumbi!

MULDER: - Scully, não acredito que se arraste. Não encontramos evidências de pegadas, mas não acha que rastros de um corpo seriam mais visíveis? Acredito que ele caminhe. Mas não sei porquê come a medula espinhal e muito menos porque só ataca casais.

SCULLY: - Mulder, a medula espinhal é protegida pelas vértebras e é um centro nervoso altamente sensível e vital. Sabe que se afetar a cabeça de uma célula nervosa ela não mais se regenera. No cérebro e na medula espinhal as fibras nervosas são dispostas em milhões de feixes, formando troncos nervosos. Esses troncos se ramificam do cérebro e da medula espinhal, para as outras partes do corpo. Esses nervos trocam informações entre si.

MULDER: - Não é possível sobreviver sem isso?

SCULLY: - Mulder, é altamente improvável! A medula Oblongata controla a respiração, o batimento cardíaco e a pressão do sangue!

MULDER: - Pensei que só servisse pra coordenar movimentos.

SCULLY: - Mulder, que tipo de aberração vamos encontrar?

MULDER: - Não sei. Não tenho ideia. Nunca vi isso antes! Você acha que já viu tudo e de repente... Aparece uma coisa que você não consegue encaixar no que já é conhecido.

Mulder levanta-se.

MULDER: - Scully, te pego às 5.

SCULLY: - Onde vai?

MULDER: - Vou trocar de roupa e... Prometi ao Will que jogaríamos beisebol.

Scully olha pra ele. Mulder vai trocar de roupa.


3:49 P.M.

[Som: Bobby McFerrin – Don’t Worry, be Happy]

Num campo, Mulder vestido de camiseta, calça de moletom, tênis e um boné com a aba pra trás da cabeça. Mulder segura o taco, ainda com as mãos enfaixadas. Se prepara.

MULDER: - Vamos lá, Gafanhoto. Quero ver se sabe arremessar forte! Você não tem força pra atirar pedra em água!

O garoto se prepara. Ajeita o boné. Atira uma bola forte. Mulder finge errar.

WILL: - Strike! Fora, bobalhão! Já errou três vezes!

MULDER: - Isso não é justo.

WILL: - Fracote! Você é que não tem força pra atirar pedra em água. Agora eu vou mostrar o que é uma tacada de homem!

Mulder segura o riso. Will aproxima-se. Entrega a luva e a bola. Mulder entrega o taco.

MULDER: - Em suas posições.

Mulder toma distância, caminhando de costas. Finge que tropeça e cai sentado no chão. O garoto começa a rir.

WILL: - (RINDO) Você não é de nada! Não consegue nem chegar na base!

Mulder levanta-se. Will continua rindo. Mulder toma posição.

MULDER: - Segura essa, Gafanhoto! Vou quebrar esse taco em dois!

Mulder arremessa diretamente pra Will. O garoto acerta a tacada, rebate e a bola cai longe. Mulder começa a correr atrás da bola. Finge que cai, que resvala... Procura no meio do mato e vê a bola. Olha pro garoto correndo pelas bases e finge que não encontrou a bola. O garoto completa a volta e começa a pular.

WILL: - Ganhei! Eu ganhei! Você é um bobo!

Mulder volta pra perto dele, cansado. Apóia as mãos nas pernas.

MULDER: - (OFEGANTE) Ok, Gafanhoto. Beisebol não é o meu chão. Meus parabéns. Ainda vou te ver na liga.

WILL: - Nos Red Sox de Boston!

MULDER: - Torce para os Red Sox?

WILL: - Gosto do Troy. Ele rebate bem.

MULDER: - Eles têm um bom arremessador, o Martinez...

WILL: - Tenho um autógrafo dele numa bola.

Os dois trocam um aperto de mão. Mulder grita.

WILL: - Desculpe.

MULDER: - Não foi nada, eu esqueci que ainda tô machucado.

WILL: - Como vai pegar a arma pra atirar no monstro?

MULDER: - Sua tia vai ter que me defender.

WILL: - (DEBOCHADO) Mariquinha! Você é mariquinha!

MULDER: - (RINDO) Tá bom, eu sou mariquinha até ter minhas mãos boas novamente. Aí você vai ver o meu jogo!

Mulder respira ofegante. Balança a cabeça.

MULDER: - Tô ficando velho pra isso.

Will começa a revirar a terra com o pé, disfarçadamente. Olha pra Mulder.

WILL: - Você vai se casar com a tia Dana?

MULDER: - A resposta mais provável pra sua pergunta é não.

WILL: - Por quê? Vocês não gostam um do outro?

MULDER: - Gostamos, mas gostar não significa que possa dar certo.

WILL: - Pensei que funcionasse assim.

MULDER: - (BRINCANDO COM A LUVA) Eu sou muito mau pra sua tia.

WILL: - (CURIOSO) Você bate nela?

MULDER: - (ASSUSTADO) Não, que ideia! Eu apenas digo certas verdades minhas e acabo a magoando.

WILL: - Mas ela sempre me pede pra contar a verdade.

MULDER: - Um dia, Gafanhoto, vai aprender que algumas verdades ferem. Sua vez de arremessar.

Mulder atira a luva pra Will, que pega a luva no ar. O menino olha pra Mulder.

WILL: - ... Vocês brigaram.

MULDER: - Como sabe?

WILL: - Ela tá furiosa. Parece a vovó quando briga comigo.

MULDER: - Sua tia é uma pessoa maravilhosa, Gafanhoto. Eu é que não presto. Deveria ficar longe de mim também. Sou mal humorado, sabia?

WILL: - Eu sei, mas prefiro assim. Odiaria se ao invés de brigar comigo ficasse me enchendo de beijos e abraços. A tia Dana faz isso. Não gosto de ser tratado como criança.

MULDER: - Mas você é uma criança.

WILL: - Eu sei, mas não sou um amuleto abençoado.

MULDER: - (RINDO) Que tal um sorvete?

WILL: - (CONVENCIDO) Eu pago. Tenho 20 dólares.

MULDER: - Não, eu pago. Os 20 dólares você guarda pra comprar alguma coisa.

WILL: - Acho que vou comprar algumas revistas em quadrinhos que estão faltando na minha coleção.

MULDER: - Quer ir buscá-las agora?

WILL: - (BALANÇA A CABEÇA AFIRMATIVAMENTE)

MULDER: - Depois terei de deixar você no motel. Promete se comportar? Sua tia e eu precisamos resolver um problema.

WILL: - Posso ir junto?

MULDER: - É perigoso, Gafanhoto. Se acontecer alguma coisa com você, seu tio Bill vai ter mais um motivo pra me odiar.

WILL: - Eu ouvi ele dizer que você matou a tia Melissa por causa dos seus marcianos.

MULDER: - ... (MULDER ABAIXA A CABEÇA)

WILL: - Mas eu não acredito naquele bobalhão de farda. Tio Bill é chato! Meu pai também é um chato.

MULDER: - Seu pai te ama. Ele só tem uma maneira diferente de demonstrar isso.

WILL: - Ele fica lá usando aquelas roupas que parecem vestido de mulher! Fica falando com aquela estátua de um gordo barrigudo. Põe moedas pra ele.

MULDER: - Gafanhoto, já pensou que seu pai talvez precise de um companheiro pra colocar moedas no ‘gordo barrigudo’?

WILL: - (REVOLTADO) Eu odeio ele! Odeio!

MULDER: - ... Gosta de viajar e conhecer lugares legais?

WILL: - Gosto.

MULDER: - Seu pai também. Imagine que bom vocês dois juntos, viajando, conhecendo culturas diferentes.

WILL: - ...

MULDER: - Não gosta das mesmas coisas que ele?

WILL: - ... Eu gosto de fazer ioga. Mas não faço mais! Não vou fazer mais nada pra agradá-lo.

MULDER: - Por que não fala com ele? Combinem o tempo. Faça ioga, mas desde que ele te leve pra jogar.

WILL: - ... Você é legal... Pinóquio.

Will sai caminhando, brincando com a luva. Mulder coloca o taco sobre o ombro. Sorri, observando o garoto.


Motel Fremont – 4:47 P.M.

Scully lê uma papelada sobre a cama, entre radiografias, exames, relatórios. Will entra no quarto às pressas, suando e rindo.

WILL: - Eu ganhei!

SCULLY: - (CURIOSA) Ganhou o jogo?

WILL: - 10 para Gafanhoto. Zero para Pinóquio. Fiz dois homeruns! Yeah!

SCULLY: - (RINDO) Acho que precisa tomar um banho, ‘Gafanhoto’.

WILL: - ... Tia Dana, quando você sair, eu prometo me comportar. Vou ficar quietinho aí assistindo TV e comendo salgadinho.

Will beija Scully.

WILL: - Eu te amo!

Scully fica surpresa com a amabilidade. Will corre pro banheiro. Mulder entra no quarto. Coloca o taco escorado na parede.

MULDER: - Vou trocar de roupa, preciso de um banho. Depois vamos até a floresta nos encontrar com o xerife.

SCULLY: - Mulder...

MULDER: - O que é?

SCULLY: - Obrigado pelo que está fazendo pelo Will.

MULDER: - Acho que é ele quem está fazendo algo por mim.

Mulder sai. Scully o acompanha com os olhos. Sorri.


BLOCO 4:

12:46 A.M.

Scully entra no quarto, se arrastando. Will está dormindo na cama, abraçado no taco de beisebol, com o boné sobre o rosto. Mulder pára na porta. Scully atira-se na poltrona, massageando os tornozelos.

MULDER: - Scully, acho melhor descansarmos.

SCULLY: - Busca infrutífera, Mulder! Só estou com calos nos pés por causa dessas botas.

MULDER: - O Gafanhoto tá dormindo?

SCULLY: - Tá. Pelo jeito teve um dia cansativo.

Revistas em quadrinhos espalhadas pelo chão. Mulder sorri.

MULDER: - Te vejo amanhã.

SCULLY: - Mulder...

MULDER: - ...

SCULLY: - Eu sei que estamos cansados, mas queria falar com você.

MULDER: - ... Te espero no meu quarto. Assim não acordamos o Gafanhoto. Ele deve estar sonhando com os Red Sox.

Mulder sai. Scully tira as botas.


1:18 P.M.

Mulder abre a porta. Scully entra, vestida num robe por sobre a camisola. Mulder senta-se na cama.

MULDER: - Fala, Scully.

Scully fecha a porta. Senta-se ao lado dele.

SCULLY: - Mulder...

MULDER: - ...

SCULLY: - Eu... eu fiquei furiosa com você. Aquilo me irritou profundamente, sabia?

MULDER: - Pensando agora, se eu fosse mulher, teria dado um tapa no sujeito que dissesse o que eu disse.

Silêncio de segundos. Mulder abaixa a cabeça. Scully olha pro nada. Mais silêncio. Os dois riem.

MULDER: - Tá, Scully. Ultimamente eu tenho sido um canalha. Admito. Mas tem que admitir que você também está errada. Na primeira vez em que fomos pra cama, eu deixei bem claro que esse assunto não me afetava. Mas que eu tinha medo de consumar nosso envolvimento porque eu sabia que, num futuro próximo, você ficaria afetada.

SCULLY: - ... Tá. Eu sei que disse à você que isso não era importante...

MULDER: - Você tinha medo que eu voltasse atrás. No entanto, você voltou. Scully, eu entendo sua preocupação, mas... As coisas entre nós dois não estão indo bem. Temos brigado mais dentro de casa do que nos Arquivos X. Sei que eu sou o crédulo e você a cética. Sei que eu sou o doido e você a normal. Sei que eu sou sozinho e você é família. Mas essas diferenças nós conseguimos superar. No entanto, você sabe que esse assunto não é assim tão fácil.

SCULLY: - Mulder, é que você deixou a impressão de que prefere que o mundo seja invadido por alienígenas do que... você sabe.

MULDER: - Scully, não é isso. Eu só queria que entendesse que eu não posso admitir nem a ideia de que isso aconteça! Eu... eu tenho medo. Por isso, eu quero que saiba que eu ainda te amo. Mas quero que pense em você. Eu só tenho você pra perder. Você tem muito mais a perder do que eu.

SCULLY: - Mulder, está sugerindo que devemos terminar?

MULDER: - Não. Você é quem tem que pensar nisso. Eu não posso prometer que um dia vou mudar de opinião. Não pode perder mais tempo comigo.

SCULLY: - Mas eu quero perder meu tempo com você.

MULDER: - ... Aquele homem disse coisas a meu respeito que me fizeram duvidar de tudo o que sei.

SCULLY: - O que ele falou, Mulder?

MULDER: - Talvez eu tenha dois pais, Scully. Por isso ele é meu pai. Talvez eu seja fruto de uma experiência bem sucedida. Feita por Bill Mulder e ele.

SCULLY: - (INCRÉDULA) Mulder, o que está me dizendo?

MULDER: - Que talvez eu não seja humano. Posso ser um híbrido.

SCULLY: - Mulder, eu não acredito! Brigamos porque você pensa que... Mas seu sangue é vermelho, Mulder! Eu não acredito que vai dar ouvidos as coisas que aquele ‘fazedor de bitucas’ fala! Mulder, ele quer confundi-lo! Não pode acreditar nisso. Você não é alienígena, Mulder! Não no sentido da palavra, embora aja como um às vezes.

MULDER: - Excluindo isso, então ele é meu pai. Não preciso dizer mais nada. E você mentiu pra mim e fingi que acreditei. Genes são hereditários, mas as características de comportamento também são.

Scully balança a cabeça.

SCULLY: - Mulder, que tal voltar a fazer terapia?

MULDER: - Scully, terapias servem pra você aprender a admitir o que é. Eu admito o que eu sou.

SCULLY: - ...

MULDER: - Quer um tempo pra pensar?

SCULLY: - Eu não quero tempo nenhum pra pensar! Mulder, entendo suas neuroses mas isso é ridículo! Se as pessoas pensassem assim, o mundo já teria acabado!

MULDER: - ...

SCULLY: - Sabe qual é o seu problema, Mulder? Você não tem amor próprio. Mas um dia eu sei que vai superar isso.

MULDER: - E vai apostar sua vida?

SCULLY: - Vou. Mulder, eu amo você. Temos uma relação tão bonita. Não vamos jogar isso fora por causa de desavenças ... nesse assunto.

MULDER: - Scully, esse assunto vai continuar nos afetando. Vai e volta, vai e volta. Eu sei que hoje você diz que não se importa, mas amanhã te flagro chorando num canto. Está lá, sabe disso. Mas sabe que eu não posso dar o que você quer.

SCULLY: - Mulder, às vezes sou precipitada. Sei que não é hora ainda, mas... Eu te prometo, nunca mais vai flagrar uma reação minha a respeito disso.

MULDER: - Scully, não prometa o que não pode cumprir.

SCULLY: - Vou me esforçar, então.

MULDER: - Scully, você é uma pessoa tão linda. Me deixa, vai. Não perde mais tempo comigo. Vai, faz a vida que você sonhou. Eu não posso te dar essa vida.

SCULLY: - (SÉRIA E IRRITADA) Minha vida é com você, Mulder. E ponto final. Se quer se livrar de mim, vai ter de arranjar desculpa mais convincente.

MULDER: - Bem, Scully. Não me culpe. Eu te avisei.

SCULLY: - Mulder, você vai mudar sua ideia. Eu sei disso.

MULDER: - E se não mudar?

SCULLY: - Se não mudar... Não mudou. Pronto.

MULDER: - ...

SCULLY: - Mulder, entendo você. Sabe que pode confiar em mim.

Os dois se olham. Abraçam-se apertado.

MULDER: - Scully, eu não respiro mais longe de você. Fiquei viciado.

Scully segura as lágrimas. Aproxima seus lábios e beija Mulder suavemente. Afasta-se.

SCULLY: - Paz?

MULDER: - Paz. Nunca mais vou falar nisso.

SCULLY: - Vou evitar de falar nisso. Se eu falar, me chame a atenção.

MULDER: - Me desculpa?

Scully começa a rir. Levanta-se da cama.

SCULLY: - Mulder, agora tenho certeza absoluta de que você não bate bem da cabeça. Sabia?

MULDER: - Por quê?

Scully olha pra ele rindo.

SCULLY: - Pelo que você me disse ontem à noite, me deixando furiosa e magoada. Mulder, que medo você tem! Um medo tão grande que fala pra sua namorada estéril, que ela devia tomar anticoncepcionais, e ainda por cima você quer usar preservativos, ‘por via das dúvidas’! Quer que eu coloque um DIU também, ‘por via das dúvidas’? Mulder, isso é ilógico! Eu sou estéril! Nem o Espírito Santo pode agir por aqui! Sem chance.

Mulder abaixa a cabeça. Rindo de si mesmo.

SCULLY: - (SEGURANDO O RISO) Tá, dessa vez passa. Entendo sua preocupação. Mas e se eu pudesse engravidar? Você se mataria por ter um filho?

MULDER: - Preferia que ele fosse do vizinho. Ficaria mais feliz, pelo menos não seria um alienígena ou o neto daquele homem.

SCULLY: - Mulder, chega desse assunto. Prometo não falar mais nada. Você é que tem que superar esse medo. Amar a si mesmo... Eu precipito as coisas. Ainda é cedo, Mulder. Temos que lutar por um mundo melhor, antes de pensar nisso. Combinado?

MULDER: - Não vai mais tocar nesse assunto?

SCULLY: - Não. Sem filhos, Mulder. Mas me deve um cachorro.

Mulder sorri.

SCULLY: - Acho que vou dormir por aqui hoje.

MULDER: - Melhor ir pro seu quarto. Seu sobrinho não é bobo.

SCULLY: - Está me mandando embora?

MULDER: - Não. É que ainda me sinto culpado pela besteira do anticoncepcional.

Scully começa a rir.

SCULLY: - Ah, Mulder! Você deve ser alienígena mesmo!


2:57 A.M.

Scully e Mulder estão dormindo. Mulder bem afastado dela, ainda vestido. Batidas desesperadas na porta. Os dois se acordam. Mulder levanta-se. Abre a porta. Will entra e pula na cama. Mulder olha pra ele.

MULDER: - Traga pelo menos o travesseiro.

WILL: - Tem um monstro no armário do meu quarto!

Scully senta-se na cama. Sonolenta.

SCULLY: - Will, outra vez essa coisa de monstro? Monstros não existem. E se existissem se esconderiam em outro lugar.

WILL: - É sério, vocês têm que acreditar em mim! Tem um monstro no armário.

MULDER: - Ok, Gafanhoto.

Scully cai na cama. Dorme. Mulder olha pro garoto. Will olha pra Mulder implorando com os olhos.

MULDER: - Tá bom!

Will pula na cama e se agarra em Scully. Enfia-se debaixo dos lençóis, cobrindo a cabeça. Mulder suspira.

MULDER: - Acho melhor ir dormir com o monstro.

Mulder abre a porta do quarto. Vai pro quarto ao lado. Tenta abrir a porta, mas está emperrada. Mulder volta pro quarto.

MULDER: - Ok, Gafanhoto, vou ter de pagar uma fechadura nova.

WILL: - Eu não fiz nada... Foi o monstro. O mesmo que eu vi aquele dia que você me deixou dentro do carro!!!

Mulder aproxima-se da cama.

MULDER: - Chega pra lá!

Mulder deita-se na cama. Will fica debaixo dos lençóis, morrendo de medo.


3:31 A.M.

[Som: Theme from Movie Nightmare on Elm Street]

Silêncio. Will está embaixo dos lençóis, entre Mulder e Scully que estão dormindo.

Corta para o armário. A porta abre-se, rangendo. Will mete a cabeça pra fora do lençol e olha pro armário. Arregala os olhos. Cutuca Scully.

WILL: - (SUSSURRA) Tia Dana, tem um monstro no armário.

SCULLY: - Zzzzz...

Will olha pra Mulder. Cutuca-o.

WILL: - (SUSSURRA) Ei, Pinóquio! Acorda!

MULDER: - Ahn?

WILL: - Tem um monstro no armário.

MULDER: - Garoto, você é gêmeo com o Bart Simpson? Vá dormir!

WILL: - Tem um monstro no armário, tô falando sério.

Mulder senta-se na cama e olha pro armário.

MULDER: - Não tem nada... (PÂNICO) Ah, meu Deus!

Mulder pega a arma da cômoda. O monstro, que está no pé da cama, salta sobre eles.

Fade out (tela escura)

Som de tiros.

Fade up (tela clara)


Apartamento de Scully – 6:57 P.M.

Dois dias depois...

Scully, sentada no sofá, lê alguns papéis. Mulder está pensativo. Will, sentado no chão, come pipoca e assiste TV.

MULDER: - Se tivéssemos pego aquela coisa... Eu não acredito que você não viu o monstro, Scully!

SCULLY: - Ouvi tiros e vi alguma coisa saindo às pressas pela porta.

MULDER: - Nunca vi nada igual. Não era humano.

WILL: - Tia, já assistiu o Pokémon?

SCULLY: - Não.

WILL: - Vai gostar!

Batidas na porta. Scully levanta-se e atende. Charles está parado ali, com uma mochila nas costas. Scully sorri. Charles entra.

CHARLES: - Vim buscar o meu garoto, Dana.

SCULLY: - Todinho seu.

Charles olha pra Mulder.

CHARLES: - E aí, Mulder?

Os dois cumprimentam-se.

CHARLES: - Nos conhecemos em uma situação embaraçosa...

MULDER: - Tudo bem, o erro foi meu.

CHARLES: - E aí, filhão? Ele deu trabalho à vocês?

SCULLY: - Não, imagina! Ele é um bom garoto. Mas temos que conversar seriamente sobre algumas coisas, Charles.

CHARLES: - Ok, sem problemas. Vamos, filho?

Will olha pra Charles.

CHARLES: - Vamos embora? Despeça-se de sua tia.

WILL: - Eu não quero voltar com você! Eu quero ficar morando com a tia Dana!

SCULLY: - Will, poderá passar as férias comigo. Mas agora precisa ir. Tem que voltar pra escola.

Will levanta-se. Scully olha pro sobrinho com piedade.

WILL: - Não! Eu não quero voltar!

Will começa a chorar e corre pro quarto. Mulder vai atrás de Will.

SCULLY: - Charles, o que está fazendo pelo seu filho?

CHARLES: - Como assim? Ele tem tudo o que quer...

SCULLY: - Tem a sua atenção?

CHARLES: - Eu sou um cara ocupado e...

SCULLY: - Charles, ocupado com o quê? Como pensa em atingir o Nirvana se não dá um pingo de carinho pro seu filho? Ele precisa de um pai, não de um doido destrambelhado! Eu não tenho nada que ver com isso, ele é seu filho. Mas estou preocupada com o menino.

CHARLES: - ...

SCULLY: - Ele está carente de afeto, Charles. Não percebe? Ele está pedindo por um pai, por um amigo, por um parceiro. Já vi o Bill, que é um chato, ficar horas babando pelo Matthew! E você, que é tão ‘iluminado’ não sabe nem fazer um carinho no seu filho!

CHARLES: - ... Mas ele é rebelde, bagunceiro, teimoso...

SCULLY: - Ele é o resultado da educação que teve dos pais! É só uma criança!

Corta para o quarto. Mulder está sentado na cama, ao lado de Will. O garoto chora.

MULDER: - Gafanhoto, aposto que sua tia está xingando o seu pai. Ele vai sair daqui todo molhado!

WILL: - ...

MULDER: - E a sua mãe? Não tá com saudades dela?

WILL: - ...

MULDER: - Sabe, Gafanhoto, meu pai também não tinha tempo pra brincar comigo. Meu pai nunca ouviu nada do que eu disse. Quando perguntei o que ele achava da minha vontade de entrar pro FBI, sabe o que ele me respondeu?

O garoto seca as lágrimas, olhando pra Mulder.

WILL: - O que ele respondeu?

MULDER: - “Tá, peça pra sua mãe me trazer um café”.

WILL: - ...

MULDER: - Ele dizia pra todo mundo, estufando o peito, que o filho era um psicólogo, graças à educação que ele pagou. Mas ele não sabia das coisas que eu fazia. Nem a minha tese ele leu. Por isso, eu sei o que você está sentindo, Gafanhoto. Mas dê uma chance. Seu pai é um cara legal. Não se orgulha de ter um pai tão diferente dos outros meninos?

WILL: - ... Você deu uma chance ao seu pai?

MULDER: - ... Ele morreu antes, Gafanhoto. Antes que eu pudesse dizer: Cara, por pior que você seja... eu te amo.

WILL: - ... Mas você é adulto agora, não precisa mais de um pai.

MULDER: - Gafanhoto, sempre precisaremos de um pai. Se eu tivesse um agora, eu iria convidá-lo pra assistir um jogo e comer pipoca.

Os olhos de Mulder derrubam lágrimas, que ele tenta segurar em vão. Will levanta-se.

WILL: - Tio...

MULDER: - Fala.

WILL: - Eu gosto muito de você.

Will o abraça. Mulder retribui o abraço. Will pega a mochila e sai do quarto. Mulder começa a chorar.

Will entra na sala. Scully e Charles conversam.

CHARLES: - Bem, Dana, eu... Eu admito. Vou reconsiderar algumas atitudes.

Charles beija Scully. Olha pro filho.

WILL: - Vamos, pai.

Charles sorri. Will beija Scully.

WILL: - Posso visitar você nas férias?

SCULLY: - Claro que pode. Mas deixe minhas panelas em paz!

Will sorri. Charles abre a porta.

CHARLES: - Vamos, Will?

WILL: - Não me chame de Will. Meu nome é Gafanhoto.

CHARLES: - Gafanhoto? Que nome legal!

Os dois saem de mãos dadas pelo corredor, enquanto conversam. Scully fica parada na porta observando.

CHARLES: - De onde tirou a ideia de se chamar Gafanhoto?

WILL: - Tio Mulder me deu esse apelido. Pai, por que ele me chama de Gafanhoto? Sou tão feio assim?

CHARLES: - (RINDO) Não é isso. Tinha um seriado, há muito, muito tempo atrás, chamado Kung Fu. Gafanhoto era o nome do Kung Fu quando criança. Ele era místico, assim como eu sou. Gostava das filosofias orientais, foi criado entre os budistas... Assim como você. Gafanhoto era um discípulo da arte do Kung Fu.

WILL: - Sério? Posso praticar artes marciais?

CHARLES: - Posso ensiná-las pra você.

WILL: - Legal!... Pai, sabia que sou um agente do FBI e que não tenho mais medo de monstros? Mas eles existem, pode acreditar.

Os dois entram no elevador. Scully fecha a porta, sorrindo. Vai pro quarto. Mulder olha pela janela, segurando as lágrimas. Scully abraça-o por trás.

SCULLY: - Pode brigar comigo, Mulder, mas você tem um talento natural pra ser pai. Pena que não queira aproveitar isso.

MULDER: - Não entendo os pais, Scully. Ainda sou um filho.

Os dois ficam olhando pela janela. Scully recosta a cabeça nas costas dele. Mulder chora calado.

Fade out.

X


03/03/2000


12 de Junho de 2019 às 10:24 0 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

Lara One As fanfics da L. One são escritas em forma de roteiro adaptado, em episódios e dispostas por temporadas, como uma série de verdade. Uma alternativa shipper à mitologia da série de televisão Arquivo X.

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