luneler Lunéler Elias

Uma família reclusa no interior da Bahia cultiva conceitos peculiares que mutilam os princípios e assolam as emoções.


Conto Para maiores de 21 anos apenas (adultos).

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Sobre conceitos e preconceitos

Em uma fazenda vivia uma família. Interior da Bahia, lugar de pessoas humildes e grosseiras, acostumadas ao desgaste do sol e da terra. Não se pode esperar muita educação e instrução de um grupo de pessoas de certa forma isoladas do meio “civilizado”. A subsistência, o ambiente agrário, o trabalho manual, o suor escorrendo pelo rosto, os pés e as mãos judiados por calos e cicatrizes, tudo isso tornava aquele pequeno grupo familiar extremamente recluso, com uma cultura completamente diferente do que se costuma presenciar em cidades grandes.

Pessoas de pouca emoção, poucas expressões, quietas e rancorosas. Não há convívio mais peculiar do que este. Pai e mãe que não se tratam como casal e sim como senhor e serva, irmãos que interagem como estranhos, apesar de terem vivido sob o mesmo teto. A aparência típica do sertão baiano poderia ser aquela família apática de temperamento sem sal, reunida moribunda no quintal de terra batida da casa, não muito maior do que um barraco.

Mas o que tenho a dizer desse contexto quente e empoeirado não recai nas características físicas do local ou das pessoas. Há algo mais interessante a analisar, algo que o “playboy” da cidade grande, andando de skate e utilizando suas cuecas da Calvin Klein, nunca vai imaginar. Refiro-me aqui ao que o sofrimento pode causar na cabeça.

Olhar para frente e enxergar somente terra, enxadas, rastelos, semeadeiras, trabalho duro, fome, sol escaldante e pobreza faz com que as pessoas tenham outro tipo de visão a respeito de si mesmas e das pessoas ao redor. Quando não se está arando a terra, esfolando os pés nos espinhos para esperar a graça de uma chuva, naturalmente comtempla-se o vazio, o grande além que se encontra na propriedade. Vários e vários hectares de terra seca e chão batido, quando se estendem pelo horizonte em um plano interminável, começam a causar o ócio, capaz de alimentar conceitos um pouco estranhos para os que vivem na região urbana.

Dois meninos e uma menina, filhos do casal mulato. Os dois mais novos, de dez e onze anos, sujeitam-se à personalidade dominadora da irmã, de treze anos. Todos eles sentados no banco de madeira que o pai construiu, deixando para trás mais uma jornada de trabalho. As três crianças sujas, brincando de adivinhar quantas pedras cada um tem nas mãos. O pai remexendo a terra com as mãos, parcelando seu olhar com as crianças e com a mãe, que estava esfregando as roupas no tanque.

— Perdeu! Perdeu! Vai ter que fazer minha vontade. - Disse a mais velha.

— Ah, isso não vale! Você trapaceou. - Respondeu o caçula.

— Quero que coma um escorpião!

E o outro garoto apanhou com os dedos grossos e rachados um animal dessa espécie.

— Achei um bem grandão. Toma!

— Esse deve tá uma delícia, João. Anda, come! Disse a garota, zombando.

O menino segurou o bicho pela cauda venenosa fechou os olhos e o enfiou na boca ainda vivo, sentindo as patas se mexerem no céu da boca. Mastigou duas ou três vezes e engoliu, jogando, em seguida, o ferrão venenoso no chão.

A brincadeira continuou e quem perdeu dessa vez foi o outro rapaz. A menina mandona ordenou autoritariamente que ele fosse para o quarto e lá o obrigou a arriar as calças e se masturbar em cima dela. Esse tipo de atitude, precoce, que incitava o incesto e tinha, no mínimo, alguma porção de insalubridade, caracterizava como era o pensamento interiorano daquela família. E não havia nada novo naquilo, era praticamente normal exercer atos libidinosos entre os irmãos e até entre os pais.

O pai e mãe, irmãos de sangue, geradores de um filho abortado por problemas congênitos e outro, o mais novo, deficiente físico, encaravam esse tipo de comportamento com toda normalidade possível. A alienação não significa burrice de forma alguma, é apenas uma carência de princípios da sociedade. A repulsa sexual pelos membros da família, pelo menos em primeiro grau, é fruto de um contrato da sociedade que não consegue atingir todas as camadas da comunidade.

Foi por causa dessa falta de aprendizado que ao longo dos anos a menina engravidou do próprio pai seis vezes, dando origem a outras crianças repletas de doenças e se esfaqueou na barriga quando encontrou a angústia de ser quem ela era, uma garota pobre sem qualquer perspectiva de vida que não fosse a reprodução, para gerar o máximo de garotos que pudessem trabalhar nas plantações.

A morte da filha foi levada com tamanha naturalidade que nem mesmo a mãe sentiu-se angustiada. O enterro foi no quintal, sem cerimônias nem lágrimas. O corpo foi colocado ao lado do de João, falecido anos antes por qualquer doença dessas ou por picadas de escorpiões.

E quando houve a maior época de seca já registrada na região, as plantações não foram suficientes para alimentá-los e todos foram morrendo pouco a pouco. No fim da estiagem, estavam todos eles mortos, quer de fome, quer de sede, cada um atirado em um canto. O pai, com a esperança de um dia a chuva vir, morreu sob sol de meio dia, com os joelhos no solo e a face enfiada no montinho de terra onde colocaria as sementes. A mãe, jogada no chão da sala com duas crianças entre os braços. Os outros meninos e o rapazinho mais velho jogados sob as sombras de árvores ou estendidos no chão seco como panos de limpeza apodrecidos. As moscas e os urubus brigam para não serem os próximos a padecerem envoltos no nada!

E a pergunta que costuma surgir em nossas mentes reaparece: será que ainda existem pessoas nesse estágio de desenvolvimento? Enxergar o lado perfeito da vida, a pureza e a educação dos jovens bem criados pode ser nossa forma de considerar esse tipo de família de alguma forma inferior. Os conceitos se perdem no tempo. No fundo, o preconceito está em todos nós, porque nós o criamos!

5 de Maio de 2019 às 15:58 0 Denunciar Insira Seguir história
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