leoni_moreno Leoni Moreno

Ao buscar dados para uma reportagem, o jornalista Peter Nayvee se depara com uma cidade peculiar e abandonada. As pessoas de lá vivem sem qualquer interação humana, e o motivo disso é um incidente ocorrido em uma fábrica no passado. O mistério faz o jovem levantar inúmeras questões, porém suas respostas podem levar a um mundo sombrio que ele não espera.


Ficção científica Impróprio para crianças menores de 13 anos.

#suspense #medo #ficção #jornalismo #diário
Conto
1
341 VISUALIZAÇÕES
Em progresso
tempo de leitura
AA Compartilhar

26 de fevereiro, 2019.

(Traduzido dos relatos encontrados de Peter Nayvee, em seu diário)

...

Ser jornalista não é e nunca foi uma tarefa fácil, principalmente quando sua investigação tem de ir longe demais. Buscar por fontes ou por novos locais para finalizar um trabalho pode ser uma feito árduo e exaustivo, porém também fatal.

Tudo começa nesta tarde, no dia 26. Eu estava me dirigindo à uma cidade praiana chamada Josh Ville, a qual nunca havia entendido o nome ou sua origem. A cidade era, na verdade, um pequeno vilarejo, quase auto-sustentável e que recebia um número baixíssimo de visitantes. Estes em sua maioria eram apenas viajantes que buscavam informações e indicações, e em casos muito raros, locais para se hospedar. As pessoas que ali se encontravam não aparentavam possuir sequer algum tipo de interação social, sendo quase impossível ouvir vozes e conversas ao caminhar pelas ruas.

Ao chegar ao vilarejo, tive de deixar meu carro estacionado em um hotel na estrada, e seguir a pé por quase 20 minutos em meio a uma avenida deserta, que apesar de possuir pouca vegetação ao redor, era cercada de sombras e baixa iluminação. Segundo o dono do hotel, os carros eram proibidos dentro daquelas terras, sendo altamente desrespeitoso possuir um veículo andando por suas ruas. Tive de tirar notas disso, porém tive o grande azar de falhar a caneta ao escrever poucas linhas. A tinta e o tubo ainda se encontravam novíssimos em folha, porém não se permitiam mais escorrer pelo papel. Pedi emprestado uma caneta ao dono do hotel, porém infelizmente esta se encontrava igualmente descarregada.

Ao chegar à cidade, a primeira coisa que me deparo é um cheiro ardente de fumaça, que congestionava e irritava o nariz e a boca. Era praticamente impossível manter-se respirando normalmente meio aquele odor forte, então tive de improvisar uma máscara com alguns lenços e panos que tinha guardados na mochila.

Eu adoraria dizer que me encontrava naquele fim de mundo para uma mera estória, mas minha realidade passou longe disso. Desde 2016, fui contratado por uma empresa jornalística para fazer relatos de cidades esquecidas ou afastadas. Como investigador, minha principal tarefa era trazer a tona os fatos e acontecimentos que eram demasiado diferentes das práticas ditas como cotidianas.

Desde o mês de início, nunca tive problemas com nada nem ninguém, quiçá um habitante mal educado. Sempre criei afinidade e também certo carinho por estas comunidades distantes. Porém, aquele lugar me causava uma sensação ruim. Eu sentia podia sentir os olhares dos moradores me fitando e me absorvendo, como se eles quisessem saber tudo que havia sobre mim. Geralmente, as pessoas se encontravam em varandas de suas casas de barro e concreto. As residências eram quadradas, com teto reto e feito de palha com cimento, o que muito parecia com uma mistura dos recursos que haviam mais próximos daquele momento, e que haviam de improvisar como casa. As ruas eram extremamente estreitas e irregulares, repletas de areia, junto a terra e cascalho. Pareciam uma junção de fazenda com deserto, fazendo-me esquecer completamente que a praia se encontrava a apenas algumas centenas de metros. O cheiro do mar se encontrava distante, quase irreconhecível substituído por um oceano de poeira e odores ruins.

As pessoas que habitavam a cidade eram muito distintas uma das outras. Todas elas com seus olhos pesados, suas sobrancelhas franzidas e com as cabeças baixas. Não se ouvia nenhum tipo de comunicação ou de conversa. As senhoras que varriam as varandas não apresentavam sequer uma expressão cansada, e os senhores a aparar a grama do jardim não demonstravam nem mesmo ódio pelo ofício. Todos os habitantes me lembravam robôs, programados a manter suas tarefas até o fim de suas vidas. Afastei aquele pensamento sombrio da mente. "São pessoas, como quaisquer outras, Nayvee. Foque no que é importante", disse a mim mesmo.

Arrisquei desejar bom dia a uma ou duas pessoas que passavam na rua, mas não tive sorte. Os estabelecimentos pareciam abandonados, havendo padarias com fileiras de pão duro e já mofados. Os açougues estavam repletos de carnes quase pretas com todo o passar do tempo, algumas com larvas e fluídos estranhos. As frutarias possuíam caixas e caixas de frutos podres e já fungados. Toda vez que tentava tirar nota de algo que via, minha caneta continuava a falhar no meio das frases. Tentei escrever a lápis, porém minhas mãos trêmulas faziam a ponta se partir em meio as notas, deixando quase toda informação era em baixo relevo no papel. Após algum tempo naquele lugar, me dirigi à prefeitura da cidade.

Apesar de todo tipo de bizarrice que fui encontrando, o prédio estava aberto e funcionando. Seu design era padronizado, como todos os outros da vila. Alguns pilares se apresentavam na frente, porém horríveis e já gastos, sendo dois ou três da altura de meu quadril. As portas eram todas de madeira e as janelas não possuíam vidro. Uma faixa suja, de cor marrom e branca estava pendurada em um poste com pouco mais de dois metros. Supus que aquilo seria a bandeira da cidade, embora senti pena por ser algo tão fútil no meio daquele caos.

Decidi entrar pela porta da frente, me deparando com uma secretaria e uma sala de espera. O espaço não devia ter sido limpo há aproximadamente 10 anos. As cadeiras frente as mesas eram feitas de algum material como bambu, embora não tivesse certeza. O chão tinha um carpete absurdamente esfarrapado e gasto. A cor, que supostamente era azul, já se apresentava somente em alguns fios, sendo os outros tomados por lama e sujeira. Janelas rangendo com o vento e as portas já descascadas mostravam que o local se mostrava quase esquecido, para não dizer deixado de lado. Ninguém estava sentado atrás da mesa no hall, e não havia um único funcionário trabalhando. Olhei meu relógio de pulso. Sem bateria. Não poderia ser um momento melhor para ele parar, já que tinha de estar de volta no carro até as seis da tarde. Cogitei que ainda possuía algumas horas de investigação, e fui andando por aquele prédio sombrio.

Após andar por alguns corredores, ouvi vozes conversando baixo, duas para ser mais específico. Um homem e uma mulher falavam atrás de uma porta que parecia ser um almoxarifado. Não me atrevi a bater, porém parei próximo para tentar escutar algo. "Você conhece as regras... sair não é permitido" ouvi a voz feminina, ríspida e suave, ao mesmo tempo. "Quem pode garantir que será atraente?" respondeu o possível homem, também ríspido. Quanto mais me aproximava, mais baixo os dois conversavam, a ponto de se tornar quase inaudível ao chegar ao lado da porta. Decidi encostar a orelha na parede para tentar escutar. O coração palpitava e minhas mãos suavam incessantemente, enquanto aproximava o rosto daquele concreto esburacado. Os sussurros já iam se tornando apenas brisas quando minha alma inteira se estremesse.

- Posso ajudá-lo, senhor? - disse atrás de mim uma voz doce e senil, diferente das presentes na sala.

Virei-me rápido. Um homem que devia possuir seus 50 anos, com a barba grisalha e olhos pequenos e esverdeados me observava. Não aparentava entender o motivo de eu estar dentro daquele local, mas endireitou-se e emendou uma pergunta:

- Está perdido, filho?

-Ahn, desculpe-me senhor. Me chamo Peter Nayvee, sou jornalista pelo jornal Shine Warrior, a respeito de cidades afastadas. Estava apenas fazendo investigações sobre o local, e como não consegui nenhuma resposta dos moradores decidi procurar a prefeitura.

Ele me olhou desconfiado, porém abriu um leve sorriso:

- Não é todo dia que um jornal famoso deseja saber sobre nossa cidade jovem, mas você tem de tomar cuidado por onde anda nessas ruas. Os moradores podem ser reclusos, mas não queira os ver hostis.

Olhei assustado, e percebendo meu medo, o senhor disse para ter calma.

- Me chamo Claude Jordan, e sou o que pode se chamar de "prefeito" deste lugar, apesar de ele não seguir mais leis há um bom tempo. Fico lisonjeado de ter a presença de um visitante por aqui, e estou disposto a acompanhá-lo para sua pesquisa. Porém precisaria saber o que está procurando.

"Ótimo!", pensei comigo. Já estava perdendo as esperanças sobre essa matéria, mas ser auxiliado sempre é gratificante.

- Estou procurando histórias sobre o lugar, cultura, lendas, pontos turísticos... - ele riu quando eu disse isso, sendo algo provavelmente inexistente por ali - ...mas basicamente algo que represente e que diga sobre o local quase por si só.

O senhor baixou as sobrancelhas e vidrou os olhos em mim, quase como com pena, porém tentou manter um sorriso.

- Peço desculpa, meu caro, mas não há nada de bonito em nossa cidade além do afastamento. Essa pequena vila não tem nem mesmo acesso direto ao mar e as praias, muito menos temos capacidade de produção de qualidade ou sequer pessoas que para produzir. Com o passar dos anos, a cidade foi perdendo a felicidade, e as crianças foram indo embora, buscando vida melhor. Não me admira ninguém o responder, já esquecemos como é ter sequer contato humano. Pensei em anotar aquilo que o homem dizia, porém senti uma tristeza que não gostaria de retratar, então decidi deixar as anotações de lado e apenas o escutar. Queria realmente fazer daquela reportagem um momento vívido para aqueles que fossem ler futuramente.

- Mas ainda há algo que a cidade faça?

Ao ouvir a pergunta, o senhor abaixou os olhos vagarosamente, como se lembrasse de algo doloroso, cogitando se me dizia a respeito. Insisti vagamente com uma "cara de pena", e o prefeito pareceu decidir.

- Posso levá-lo até a fábrica. - Claude disse aquilo com certo pesar.

- Fábrica? - questionei - Ainda existe alguma fábrica em funcionamento aqui?

Seus olhos verdes me fitaram com certa tristeza.

- Não exatamente em funcionamento, porém... é onde se encontra toda nossa história e nossa cultura. Nossa cidade costumava produzir têxteis, sendo nossa fonte de renda durante duas décadas, em uma fábrica aqui por perto. Porém, os antigos funcionários a abandonaram um dia, alegando que não se encontravam mais em condições de trabalhar naquele lugar. Seus olhos já demonstravam exaustão, com grandes veias marcadas e suas olheiras profundas. "Somos escravos do tempo", eles diziam. "Não podemos ficar nessas condições nem mais um minuto!" Todos repetiram a mesma frase, com a mesma intensidade, para toda a gente. Após essa crise de loucura, foram encaminhados para o hospital, onde os médicos somente concluíram o motivo principal das paranoias: alucinações. Os habitantes ficaram incrédulos de ver os trabalhadores daquele jeito, e decidiram ir em direção do recinto para compreender melhor o que se passava. Porém, a curiosidade lhes custou demais, e custou toda a felicidade e vida dos moradores. Todos retornaram para suas casas, onde passaram a viver neste estado calado e isolado de todos. Então, fecharam a fábrica e contato externo, impedindo qualquer veículo de adentrar as redondezas, o que se faz presente até os dias de hoje.

Senti meu corpo pesado. Todas aquelas informações giravam em torno da minha cabeça, e meu coração martelava dentro do peito. Meu medo era absurdo, e ao mesmo tempo a curiosidade aumentava. Não poderia ficar mais tempo naquele lugar, porém queria saber o que havia feito aquelas pessoas ficarem assim. Naquele momento, o Sr. Jordan me olhou como se tentasse me ler. Eu podia sentir que ele tinha conhecimento do meu pavor, mas que ainda questionava minha vontade. Meu desejo pela por aquelas informações então veio a tona com uma enxurrada de coragem e falou mais alto. Engoli em seco, e logo disse:

- Leve-me até lá, por favor, senhor Jordan.

O prefeito assentiu com a cabeça e me pediu para segui-lo para além da porta. Como já ocorreu com todo jornalista, havia tomado a pior decisão.

[...]

A antiga construção se encontrava distante da cidade, quase entrando em meio a floresta que ali havia. Quanto mais próximo, mais o cheiro de podridão ia sendo deixado de lado, sendo substituído pelo cheiro de cidade, fumaça e toxicidade. Andar quase uma hora, ainda mais o dia todo, deixaram meus pés cheios de bolhas. Minhas costas já doíam com o peso de mochilas, e minhas mãos ainda não haviam parado de tremer. A única coisa que me permitia continuar era a curiosidade e a ambição.

Após incontáveis passos, começamos a avistar a construção mais macabra que eu já havia visto. As casas que haviam na cidade eram meras cabanas do terror comparadas àquele lugar. A estrada de terra larga se encerrava em um edifício totalmente branco e azul, com janelas extremamente compridas, posicionadas no alto da construção.

O prédio tinha facilmente mais 10 metros de altura. Parecia ser arquitetado como as construções nazistas da segunda guerra, com formatos quadrados e empoderadores, afim de fazer as pessoas se sentirem menores que os governantes. A sensação que era passada era que ali não era meu lugar, que eu deveria ir embora. Minha força de vontade, vinda um pouco do orgulho, era a única coisa que me mantinha ali.

Ao chegar em frente à fábrica, o Sr. Jordan me disse, olhando fixamente para a construção:

- E era aqui que nossa cidade era bela. - seus olhos vidrados pareciam tristes. Suas sobrancelhas estavam caídas e era quase perceptível ver lágrimas querendo transbordar - Toda a gente era feliz, as pessoas tinham esperança, tinham vontade de viver. Os homens e mulheres que você viu ao longo do dia não vêem mais brilho no sol ou na lua, não sentem o cheiro da grama cortada. Nosso povo perdeu a vontade de viver... - ele inspirou de forma pesada, seus olhos prestes a ceder as lágrimas e gritou em direção ao local - Tudo por esta maldita fábrica!

Sua voz ecoou dentro do abandonado edifício. Tudo que se ouvia a seguir era a brisa passando por meio das janelas, fazendo-as ranger e tremular. Ainda havia uma leve camada de pintura nas paredes cobertas de vegetação, com tonalidades azuis e verdes. A porta da frente estava acorrentada com uma corrente grossa e um cadeado.

- Quando o local foi fechado? - me dando conta que não havia perguntado sobre isso antes.

- Há cerca de trinta anos, em meados dos anos 90. Eu assumi meu mandato quando tinha apenas 22 anos de idade, pouco antes de ocorrer os surtos e o fechamento, e a partir daquele momento, ninguém mais chegou perto daqui.

Olhei novamente o edifício, e então reparei algo que não fazia sentido. Em meio a toda aquela velharia que se encontrava o local, apesar de toda a ferrugem, poeira e vegetação, algo não encaixava na paisagem. A porta estava cerrada de uma forma firma com as correntes velhas, mas o cadeado que se encontrava junto a elas estava reluzente, quase como novo.

Me aproximei vagarosamente daquela peça. Pude ouvir os passos relutantes do prefeito logo atrás de mim, me seguindo por alguns metros. Cheguei em frente a porta e toquei o cadeado frio, e confirmei a primeira paranoia, vendo a marca do objeto encravado em sua frente: Protection.

- Sr. Jordan... Há algo errado.

O senhor parou ao meu lado e olhou para onde eu estava com os olhos fixados. Senti sua respiração ficar ofegante, e repentinamente vi-o olhar para trás e, em seguida, me fitar com medo. Sua voz trêmula sussurrou para mim:

- Garoto... temos de sair daqui!

Afirmei firme com a cabeça e começamos a caminhar pela estrada em direção a cidade novamente, sempre olhando para trás com receio. Porém, após pesadamente andar algumas dezenas de metros é que ouvimos algo que fica em minha cabeça até hoje, e que talvez nenhum de nós seja capaz de esquecer.

- UAAAAAAAAAAHHHH!

Um grito estridente, de um homem claramente em dor e agonia, cortou aquele silêncio que pairava sobre a vegetação. Olhei assustado para o Sr. Jordan e não pensamos duas vezes: corremos com todo o fôlego ainda restante para a cidade. Meus pés doíam e meu coração bombeava apenas medo. Aquele som perturbador ainda ecoava em meus ouvidos. Não ousei olhar para trás em momento algum, não sabia se havia alguém mas não me importava. Eu só queria chegar em meu carro e voltar para casa.

Apesar disso, as circunstâncias me levaram para um caminho diferente.

24 de Fevereiro de 2020 às 01:39 0 Denunciar Insira Seguir história
0
Continua…

Conheça o autor

Leoni Moreno Escrever sempre foi um hobby, principalmente historias fantasticas, como Senhor dos Aneis. Tenho paixao por essas historias desde pequeno, e sempre gostei de transmiti-la aos outros atraves da escrita.

Comente algo

Publique!
Nenhum comentário ainda. Seja o primeiro a dizer alguma coisa!
~

Histórias relacionadas