shirawatson08 Shira Watson

O jogo começou no dia em que recebi o primeiro bilhete misterioso ladeado de uma peça de tabuleiro de xadrez: era um peão. As regras eram simples: respostas corretas farão aparecer peças novas de pontuação maior e respostas erradas terão peças de pontuação menor. Agora, há uma única peça entre mim e o meu xeque-mate.


Conto Todo o público.

#romance #Shirawatson #misterio #xadrez #jogo #pistas
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Capítulo único

Meu xeque-mate.


Seria mais um dia normal na minha vida de estudante do ensino médio, se não fosse o bilhete que deixaram na minha mesa. Aqui estou, Estér Lima, dezesete anos, com meu típico uniforme escolar, diante de minha carteira habitual, localizada na segunda fileira horizontal perto da parede.
    Muitos me perguntam o que tem de mal em receber um bilhete. Eu respondo: Não é o primeiro! E não se trata apenas de um bilhete! Ele vem sempre acompanhado de uma peça de tabuleiro de xadrez.

    Olho tudo ao meu redor e não vejo nada de anormal. Há vinte e cinco alunos na sala em que estudo, cada um com personalidades e gostos diferentes. Poderia muito bem associar o bilhete a algum nerd da sala, sim, poderia facilmente, mas o fato é que não é preciso ser nerd para gostar de xadrez.
    O conteúdo das mensagens é sempre amoroso, sempre com citações de poetas ou frases dignas de um excelente locutor. Alguém muito apegado à literatura e que, aparentemente, é muito culto.
    Sim, eu tenho investigado meus possíveis admiradores e sabe o que é mais interessante nisso tudo? Eu não sou lá tão bonita assim, apesar de meus amigos sempre falarem o contrário. Sou o que chamo de alguém comum, que não tem características fortes como algumas de minhas colegas de sala, que tem olhos claros e cabelos loiros. Sou comum! Uso óculos de grau, cabelo preto e liso, corpo sem tantas curvas, magra e o máximo diferencial que tenho, se é que posso dizer assim, é o piercing que tenho no nariz.
    Sentei em minha carteira e li o bilhete. Cada vez que descarto alguma possibilidade, aparece uma nova peça de tabuleiro e a mensagem não é mais romântica, mas sim de felicitações por estar cada vez mais perto da resposta. Sempre que tenho mais ou menos uma idéia de quem seja, eu mesma deixo uma resposta em minha carteira. Se já fiquei pra saber quem as pega? Já, sim. Se consegui ver? Nunca. Estudo pela manhã e já tentei ficar até tarde, mas o zelador ou o diretor sempre me pegam e eu invento um monte de desculpas.
    Pego meu caderno, onde tenho uma lista de pistas. Lá escrevi detalhes que percebi somente com os bilhetes! O cara é inteligente, romântico, ele gosta de jogos, tem uma letra horrível e gosta de Leonardo da Vinci, pois já fez várias citações a ele, assim como letras de músicas de rock.
    “Bizarro!”, penso. Olho ao redor e nada de alguma ideia vir a minha cabeça! Tenho intimidade com todos os alunos da minha turma, mas nenhum deles bate com toda a informação que reuni. Quando gostam de rock, não gostam de xadrez. Se curtem literatura, não gostam de rock e, definitivamente, ninguém da turma gosta de Leonardo da Vinci.
    As peças de um tabuleiro de xadrez, para chegar ao rei e dar xeque-mate, tem de passar por outras peças. Recebi primeiro um peão, depois que descartei alguns de meus colegas como possíveis admiradores secretos, recebi um cavalo. Dias mais tarde, recebi um bispo e, agora, vejo em minha frente uma torre. Para chegar ao rei ainda preciso receber uma rainha.
    Recebi essa torre depois de descartar todos os garotos da minha turma. Interessante! Fora eles, conheço apenas três pessoas que são de outras turmas. Estudo no terceiro ano C e tenho amizade com o Cristian do terceiro A, o Daniel e o Álvaro, sendo ambos do terceiro B. Este último é meu vizinho, por quem estive apaixonada por muito tempo e era recíproco, porém nenhum dos dois foi corajoso o suficiente para se declarar. O que resultou em um afastamento e, atualmente, Álvaro namora outra garota.
    Se já superei meu amor por ele? Bem, posso dizer que sim, principalmente por vê-lo sempre com ela. Antes de saber, até tinha me aberto com ele, embora ele já estivesse com o coração ocupado por ela. Deixei pra lá e não faço muita questão de falar com ele, nem mesmo sei o que tem feito da vida. Ironicamente, somos vizinhos, mas o que já foi uma bela amizade, se desfez.
    Conversarei com Daniel no intervalo. Ele estudava comigo e esse ano mudou de turma, assim como Cristian. Falar com Álvaro está fora de cogitação.

    Tive aulas de matemática com o professor Leonidas, chato pra caramba, só que não posso negar que ele é bonito! Assim como o Renan, de português, e o Jorge, de artes! Artes, minha matéria favorita, sempre ganho altas notas por saber desenhar tão bem!
    Voltando ao Daniel, acabei de encontrá-lo saindo de sua sala. Como acabou de tocar o sinal de intervalo, tenho um certo tempinho para minha investigação.
    — Oi, Daniel! Tudo bem? — ele me abraçou como sempre, depositando um beijo casto em minha testa.
    —Tudo mais ou menos! — disse brincalhão.
    Daniel é o tipo de cara perfeito para meninas que gostam de romantismo. Ele é um fofo, fora que sua beleza é de tirar o fôlego! Seus cabelos negros eram até a altura das orelhas, em um estilo meio índio e a sua pele tinha um tom bronzeado, músculos bem definidos, levando em conta a maratona de academia que ele fazia.
    — Por que mais ou menos? — comecei a minha missão.
    — Primeiro, fiquei com nota baixa em português. Segundo, tô afim de uma gata e ela nem me dá bola!
    — Não acredito! Daniel Santos está apaixonado e sofrendo por rejeição? — ele comprimiu os lábios, levantando os braços minimamente e dando de ombros.
    — Pra você ver como são as coisas!
    — E como vai fazer pra recuperar a nota? — indaguei.
    — Redação! — me olhou travesso. — Bem que você poderia me ajudar, você é boa nessas coisas.
  Certo, já descartei a habilidade de saber usar as palavras.
    — Certo, eu ajudo!
    — Então, vem! — me puxou e abriu seu caderno, me entregando e mostrando o que já havia desenvolvido.
  Analisei sua caligrafia, percebendo que era impecável. Não lembra em nada os garranchos dos bilhetes. Outra pista descartada!
   Opinei em tudo que ele podia melhorar e ele seguiu todas as minhas dicas. Só para ter certeza, joguei a última carta!
    — Dan, você curte jogar xadrez? — ele me encarou com uma expressão clara de nojo.
    — Nem sei o que é isso! Por quê?
    — Nada não, só queria jogar um pouco, mas já que não sabe, vou ver por aí se alguém se interessa!
    — Boa sorte! — sorriu. — E obrigado! Te devo uma!
    É, mais um foi descartado. Definitivamente, não poderia ser o Daniel. Resta o Cristian!
    Enquanto sentava em uma mesa do refeitório após pegar meu lanche, Sara veio sentar comigo.
    — Finalmente apareceu! — se pronunciou ao sentar.
    Sara é daquelas best friends que está contigo para o que der e vier.
    — E então? Já descobriu quem é o cara secreto?
    — Não e só falta o Cristian para investigar — ela pareceu pensar um pouco com a minha fala.
    — Cristian? O nerd do terceiro A? Será que é ele?

    Suspirei.
    — Na verdade, ainda não sei. Seria uma pena se fosse ele.
    — Te entendo, amiga!
    — Credo, Sara! Não é por isso! Você sabe que eu não me importo muito com aparências ou os rótulos que as pessoas colocam nos outros. É simplesmente… porque não o amo — expliquei e foi a vez dela de suspirar.
    — Você e suas paixões pelos professores…
    — Pelo professor! É diferente!
    — O terceiro nesse bimestre, né fofa?
    — Ah! Os outros foram transferidos — dei de ombros.
    — Quem é dessa vez?
    — O de português! — meu coração acelerou somente de pensar nele.
    — O Renan? Bem, ele é o maior gato!

    Bufei.
    — Já falei que não ligo pra isso!
    —Estou vendo que não! Pois, caso se ligasse, estaria apaixonada pelo Jorge de artes! Ele é o maior gato da escola!
    — Ele é! — tive que concordar.
    Dei a última golada em meu suco de laranja e me retirei com minha amiga ao meu lado. Ao chegar de volta na sala, sentei mais uma vez em meu lugar e me preparei para minha aula favorita! Artes.
    O professor Jorge nos pediu para desenhar algo que nos recordasse o passado. Logo, fiz um desenho de várias crianças correndo em meio à chuva, isso era infância!
    Ele recolheu os desenhos e expôs todos no quadro branco, dando as notas. Ganhei um dez, como sempre, mas algo me fez resetar o corpo. Ele também expôs seu desenho, como se fosse um exemplo, que eu nem havia feito questão de ver. Quando notei, uma dúvida pairou em minha cabeça.
    O desenho em questão continha as peças de tabuleiro de xadrez. Um peão, um cavalo, um bispo, uma torre, uma rainha e um rei. Será que seria ele? Será? Pela certa intimidade que eu tinha com ele, aproveitei e me aproximei de sua mesa, afim de entregar a outra tarefa que ele passou.
    — Professor, o senhor gosta de coisas como xadrez, rock e Leonardo da Vinci?
    Ele ficou visivelmente confuso com minha pergunta. Relaxou a postura e respondeu:
    — Bem, gosto muito de jogar xadrez, mas não gosto de rock, prefiro MPB e não gosto de Leonardo da Vinci, apesar de admirá-lo bastante. Admiro mais o Michelangelo. Por quê?
    — Nada! Só curiosidade! — Sorri fraco e me retirei assim que ele me devolveu o caderno.
    Sinceramente, estou quase desistindo disso tudo. Está começando a ficar chato e me deixando paranóica!
    Ao fim das aulas, recolhi meu material e me despedi brevemente de Sara, que prometeu ir dormir lá em casa hoje. Toda sexta-feira nos reunimos na minha casa ou na dela. Fui andando pelos corredores da escola e ao passar de frente ao terceiro A, esbarrei sem querer no professor Renan de português, que saía bem na hora.
    — Perdão, professor! Não foi minha intenção! — ele sorriu e passou o braço por cima do meu ombro, andando lado a lado comigo.
    Quase fiquei sem respirar!
    — Não se preocupe, linda! Foi um acidente!
    — Isso! — disse sem jeito.
    — Aproveitando, queria te dar os parabéns! Sua redação sobre a tecnologia ficou maravilhosa! Tem talento com as palavras!
    — Obrigada! Adoro escrever.
    — Muito bom saber disso! Na sua idade, descobri minha vocação para a língua portuguesa. As literaturas são uma paixão à parte.
    Não acreditei no que ouvi! Será…
    — O senhor gosta de outras coisas, fora literatura?
    — Primeiro que “senhor” está no céu! — sorriu de canto — e, sim, gosto também de filmes de mistério, tais como Código da Vinci, Anjos e Demônios e Inferno.
    — A trilogia de Dan Brown?
    — Meus favoritos! Conhece?
    — Adoro todos eles! Os livros são tão envolventes!
    — Isso aí! Parece que temos muitos gostos em comum, não é? — Assenti. — Também gosto de jogos intelectuais e não se assute se eu disser que rock corre em minhas veias!
    Resetei, sério! Resetei e ele percebeu, esboçando uma expressão de contentamento. Só tem uma coisa que não bate: a letra.
    — Bem, até mais, professor! — me pronunciei ao chegarmos corredor que dava no portão de saída e para a sala dos professores.
    Ele me deu um beijo na testa e me deixou um convite para uma partida de xadrez e eu prontamente aceitei.
    Durante todo o trajeto que fiz a pé para minha casa, que, aliás, não ficava tão longe, fiquei com nossa conversa martelando em minha cabeça. Era ele! Era ele, sim! Ele podia muito bem disfarçar a letra, qualquer um pode fazer isso para dificultar o jogo e tornar tudo mais interessante. E o melhor: era a pessoa por quem eu tinha uma paixonite! Só de cogitar essa possibilidade, meu coração disparou de um jeito que não conseguia segurar!
    Fiquei tão perdida em devaneios que só notei Álvaro a alguns metros atrás de mim quando cheguei em casa. As coisas ficaram realmente estranhas entre nós. Ele não se aproximava facilmente, só quando nosso grupo de amigos se reunia.
    Naquela noite de sexta, contei todos os detalhes de minha conversa com o professor para Sara. Ela, assim como eu, concorda que o Renan seja meu possível adimirador. Desse modo, já não precisaria falar com Cristian. Eu colocarei minha resposta em um bilhete e deixarei sobre minha mesa na segunda feira.

    E assim fiz. Deixei meu bilhete ao final da aula na segunda-feira. Não fiz questão de ficar e vem quem seria, teria minha resposta no dia seguinte de qualquer forma.
    Depressa, terça-feira chegou. Eu teria minha resposta finalmente, depois de dois longos meses nesse jogo de detetive. Estava tão ansiosa que cheguei extremamente cedo! Trinta minutos antes do início das aulas para ser mais exata. Qual não foi minha surpresa ao ver uma figura conhecida, olhando assustado pra mim com um bispo na mão. Eu havia errado. O bispo mostrava isso. Eu havia voltado uma casa, como num jogo onde você avança casas ao acertar e regressa ao errar. Eu jamais imaginaria que o dono dos bilhetes fosse ele. Não era o Renan!
    — Você? — Não contive minha raiva. — Por que você…?
    — Estér, por favor, me escuta. A gente precisa conversar.
    — Não tenho nada pra falar com você, Álvaro! Você foi bem claro que entre nós nunca iria rolar algo! Eu me abri pra você, você sempre gostou de mim e quando eu finalmente criei coragem de falar o que eu sentia, você me dispensou!
    — Eu sei o que fiz e me arrependo, acredite! Eu me iludi por outra pessoa, mas você sempre ocupou meu coração, você nunca saiu de mim, acredite!
    — Chega! Não quero ouvir mais nada! Esse jogo foi até interessante, só que partindo de você é, no mínimo, nojento! Você é um covarde, Álvaro! Você sabe como foi ver você aos beijos com a Luana no início? Sabe? Quer saber de uma coisa? Não volte a falar comigo nunca mais!
    Saí de lá às pressas e corri para a arquibancada da quadra, onde poucos alunos se faziam presentes. De lá dava para ver o estacionamento. Vi quando o professor Renan saiu de seu carro e olhou em minha direção com um sorriso no rosto, ao qual morreu ao ver meu cenho franzido. Ele veio preocupado em minha direção e sentou ao meu lado.
    — O que houve, linda?
    — Nada, professor. Só coisas de adolescente.
    — Entendo. Por favor, não chore! — Ele fez questão de tirar meus óculos e limpar minhas lágrimas.
    — Nossa! Estou tão envergonhada de estar assim na sua frente — é, eu realmente estava.
    Querendo ou não, Álvaro ainda causava danos em meu coração. Ele é o típico amor mal resolvido e decepcionante que te faz pensar no porquê de não se declarar no momento certo.
    — Não se preocupe com isso! Ah, quer saber? Por que não saímos para almoçar juntos e você me conta o que houve? Eu pago! — disse brincalhão.
    — Obrigada professor, mas não posso aceitar.
    — Por favor! Eu insisto, afinal, somos amigos!
    — Tudo bem, fico agradecida pelo convite.
    — Podemos aproveitar e jogar um pouco de xadrez! Sempre ando com um tabuleiro no meu carro. Na maioria das vezes, jogo com os outros professores e alguns alunos em um tipo de competição, adoraria que participasse também.
    — Quem perder, paga um mico, então!
    Ele sorriu e afagou meus cabelos, buscando meu olhar com o seu.
    — É assim que eu gosto! Ver você sorrir, quero dizer! Desafio aceito.
    A vida é estranha, o mundo da voltas, mas se todas as voltas derem em novas possibilidades, talvez não seja ruim arriscar. Afinal, estou cada vez mais próxima do xeque-mate nesse tabuleiro que é minha vida!


Fim.

8 de Janeiro de 2019 às 14:15 0 Denunciar Insira Seguir história
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