Hipernovas são um tipo teórico de supernova produzido quando as estrelas incrivelmente grandes colapsam no fim de sua vida. O núcleo da estrela colapsa diretamente em um buraco negro, o que acaba gerando dois jatos plasmáticos extremamente energizados de ambos os seus polos rotatórios, e estes jatos emitem radiação gama poderosa os suficiente pra causar destruição por onde passasse.
Como dito, tudo isso ainda é extremamente teórico, e, por isso, tomei algumas liberdades narrativas que possivelmente a ciência ainda desmentirá.
A luz cor de âmbar do entardecer cobria a grande cidade que era conhecida há centenas de anos como Mahvoc. Ela já havido recebido muitos nomes antes desse, porém a maioria deles já fora há muito esquecida pela memória das civilizações que se sucederam naquela terra de colinas baixas e redondas, onde a cidade brotou como uma pequena colônia humana nas primeiras décadas da expansão, até se tornar a metrópole de prédios gigantescos de metal e vidro.
Mais uma nave subia rumo ao espaço deixando para trás uma coluna de vapor vermelho que parecia com uma comprida cicatriz enquanto Aly-o continuava sentado calmamente na cobertura luxuosa de Gêlg, que um dia havia sido seu amante. Gêlg foi mais um que fugiu para as estrelas sem nem olhar para trás, logo depois que a notícia do inevitável fim do mundo chegou. E quem poderia culpa-lo? Se Aly-o tivesse dois dedos de juízo dentro da cabeça já teria partido também.
Mas não podia, não ainda.
A brisa que soprava naquela hora anunciava uma noite fria, como todas vinham sendo nesses últimos tempos estranhos. Uma centena de andares abaixo, nas avenidas, becos e travessas, os sacerdotes acendiam suas luzes de xenônio verde e imploravam aos seus deuses pela purificação anunciada. Não demoraria muito e boa parte de Mahvoc estaria dominada pelo brilho fantasmagórico e os cantos lamurientos dos sacerdotes.
O comunicador de Aly-o vibrou em seu bolso, mas não precisou olhar para saber quem era. Resmungou e deslizou o dedo com indolência na tela fosca e riscada.
"Sim, capitão?"
"Eu já protocolei sua dispensa há semanas" a voz do outro lado do comunicador soava mais cansada do que irritada. "Por que você ainda não foi embora?"
"O senhor sabe que eu não nunca deixo uma investigação pela metade."
"Deixe de ser teimoso homem! Que maldição, quem se importa com esse caso se todo o sistema vai virar uma nuvem gás em poucos dias?"
"Eu me importo." Talvez Aly-o tivesse soado mais desafiador do que pretendia, e por isso sentiu uma pequena pontada de culpa. Do outro lado da linha fez-se ouvir um suspiro pesado. "Perdoe-me capitão Hunno, mas eu realmente me sinto na obrigação de finalizar essa investigação. O responsável por esses assassinatos ainda pode ser julgado e punido em Dargos ou Guanthom. Quem sabe até mesmo na própria Terra."
"Aly-o, você não tem noção do tamanho da papelada que isso me causaria" outro suspiro longo soou pelo alto falante do comunicador. "Mas enfim, continue então, pelo jeito não conseguirei dobrar essa sua maldita teimosia. Deve ser o sangue dolmasze que você herdou da sua querida mãe."
"Provavelmente" disse Aly-o com um sorriso sem alegria nos lábios. Ninguém no departamento de polícia de Mahvoc perdia a oportunidade de mencionar aquilo. Onde quer que fosse, aquela parte alienígena dele o faria um pária. "Mas eu pedi que me ligasse por outro motivo, capitão."
"Sim, é verdade. Já iria me esquecer. O que é?"
"Achei mais um corpo em uma cobertura de um prédio no centro da cidade, estou olhando para ele agora mesmo." O investigador havia voltado para dentro da cobertura e estava diante de um cadáver com a garganta cortada de uma orelha a outra. Havia sido um homem, parecia não ter mais do que quarenta anos, tinha cabelos compridos e sujos e vestia uma túnica lilás puída e cheia de manchas verdes luminescentes que brilhavam na meia luz do ambiente. "É um dos sacerdotes dessa vez, e pela roupa parece ser um dos superiores. Tem a boca toda manchada de verde daquela bebida de neon que eles entornam aos litros."
"Isso é preocupante" a voz do capitão agora parecia mais tensa. "Se o assassino começar a mirar nos superiores da ordem, nós teremos um problema sério, mesmo com aquela estrela explodindo e varrendo tudo no caminho."
"Eu sei, por isso liguei. Preciso de uma equipe forense aqui."
"Vou revirar o departamento e ver se alguém ainda está por aqui, mas não posso prometer nada. Me envie o endereço. Nesse meio tempo faça você mesmo uma varredura preliminar." A ligação foi cortada e Aly-o se viu outra vez no silêncio daquele lugar abandonado.
Ele guardou o comunicador no bolso e olhou em volta. Mais alguns minutos e a noite cairia por completo e tudo ali cairia na escuridão completa. Não havia energia, ele descobriu assim que chegara e nem água ou gás, os armários estavam vazios, assim como a geladeira e a dispensa. Mas os quadros continuavam nas paredes, e os tapetes finos no chão, os móveis caros vindo de planetas exóticos fora das colônias humanas já tinham uma fina camada de pó por cima.
Essa cena deixava Aly-o melancólico, tudo continuava muito familiar, mas ao mesmo tempo parecia um lugar estranho e pouco convidativo. Havia passado bons momentos ali com Gêlg; longos banhos na piscina aquecida, jantares elegantes feitos pelos cozinheiros da galáxia, festas com as pessoas ricas e importantes da cidade. Mas agora restava apenas o silêncio.
Fora parar ali quase por acaso. Ou era o que ele queria fazer a si mesmo acreditar. Andava pela avenida lá embaixo quando olhou para cima e pensou ter visto algo. Se de fato vira algo ou fora apenas uma desculpa conveniente, não queria saber. Decidiu subir, até porque ainda trazia consigo a chave no bolso de sua sobrecasaca.
A escuridão por fim caiu. Aly-o então apalpou sua cintura a procura da lanterna de luz ultravioleta que sempre trazia consigo e do pequeno spray reagente para revelar a presença de toxinas ou substâncias suspeitas em cadáveres. Espirrou o reagente sobre a boca verde do morto e em seguida pelo resto de seu corpo e ao redor dele. O clique da lanterna ecoou pela cobertura silenciosa e no instante seguinte a luz ultravioleta brilhava com força, empurrando as sombras para longe e criando formas esguias pelas paredes próximas.
Os lábios do morto ganharam vida, brilhavam em um verde fosforescente intenso que às vezes mudava para um marrom escuro ou quase azul dependendo do ângulo em que a luz os iluminava. Mas fora isso, o reagente não indicava nada de anormal ali. Mas na túnica se viam marcas do que só poderia ser sêmen, e no chão as marcas de sangue se espalhavam por vários metros em todas as direções. Os olhos ganhavam um reflexo alaranjado sinistro com aquela luz, como se fossem duas opalas de fogo flutuando no ar. Aly-o nunca havia visto nada como aquilo.
No que esses fanáticos andam se metendo? Isso não pode ser natural.
Regulou a lanterna para que a luz fizesse um círculo maior, e assim observou melhor os respingos de sangue no chão e nas paredes, além de outros sinais que ele não saberia dizer o que eram. Precisaria esperar pela equipe forense. Se alguma vier.
No limite que a luz alcançava algo chamou a atenção de Aly-o. Ele se aproximou com passos cautelosos, evitando as poças de sangue que começavam a coagular e logo descobriu que era uma marca de sapato, com suas linhas desenhadas em sangue. Um grande, tamanho 42 pelo menos, que deveria ser de uma botina de couro sintético vendida nos bairros de comércio, do tipo mais genérico. Quando espalhou mais a luz descobriu mais dessas pegadas, indo na direção do banheiro.
O frio da noite entrava por alguma janela aberta, junto a fio de luar cinzento que se misturava à luz ultravioleta deixando o corredor que Aly-o atravessava com uma atmosfera densa e angustiante.
O banheiro estava entre aberto, e um brilho roxo se fazia notar por trás e por baixo da porta. O investigador pegou sua pistola e soltou a trava. Seguiu lentamente, quase sem respirar, olhar fixo na porta e tentando escutar se algum ruído soava lá dentro. A cada passo ele sentia que ouvia algo, mas nenhum som de verdade, era algo mais como um sussurro muito baixo, em uma frequência que seu ouvido não captava, mas que ele sabia que estava ali.
Empurrou a porta com o pé. Não houve nenhum som ou movimento.
Dois passos firmes adiante e ele estava dentro do banheiro gelado que cheirava mal. Dentro da larga banheira que um dia fora de Gêlg, três mulheres jaziam mortas; nuas, com os pescoços abertos como o sacerdote, e cobertas por tinta neon roxa.
No espelho enorme que ocupava uma parede inteira no lado oposto do banheiro, havia uma mensagem escrita com sangue.
EU NÃO ME ESQUECI DE VOCÊ ALY-O. SUA HORA ESTÁ PRÓXIMA.
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