Notas;
One escrita para o desafio do inks sobre folclore brasileiro.
Eu escolhi um mito o qual eu mesmo nunca tinha ouvido falar 'Icamiabas''
É basicamente a versão brasileira das Amazonas.
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No centro da roda de crianças, de curumins, a velha anciã acomoda-se apoiada no seu cajado tão velho quando a dona, sorriu doce para as crianças.
De olhos puxadas, cega de um, mal enxergava os pequenos e travessos índios, mas sabia que estavam ali.
Seus cabelos alvos como as nuvens que um dia tivera o prazer de ver, longos como lianas* antigas em árvores antigas, tocavam o chão de terra.
Puxou o ar com certa dificuldade, dada a idade avançada e então sua voz soou;
‘’ Desta vez, contarei algo diferente. Uma lenda, uma história, um relato. Ai daquele que me interromper’’
Sua face torna-se severa, até mesmo assustadora, mas então novamente estava sorrindo.
‘’ É a história da filha do cacique Tucuradá, um líder que viveu luas atrás. Conta-se que a garota tinha atingido a mocidade quando acontecerá.
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Jaci* presenteava a tribo com sua luz, os grajaú* recolhidos em seus aity* davam lugar no céu para os andirá*.
Yarasu, acompanhou aliviada, a entrada de homens familiares na clareira de entrada da tribo.
De sorriso cativante a menina saiu da oca e correu em direção ao pai.
O homem, mesmo ferido, acolheu-a em seus braços.
Yarasu, suspirou.
Aquele abraço não encaixava, nunca o fazia.
Houve um brando, e então outros o acompanharam.
Lanças, tacapes* e arcos foram erguidos.
Yarasu, foi abraçada mais forte.
Seu desconforto cresceu, mas sorriu.
Com aquilo, ela soube que haviam vencido a guerra.
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‘’ Houve festa, por três dias e três noites, e quando jaci dava lugar a kûara, o cacique pediu atenção.’’
As crianças se entreolharam, apreendidas pelo tom misterioso da anciã.
‘’Todo guerreiro, mulher e curumim parou e deu ao chefe o que ele queria’’
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O anúncio chocou a Yarasu.
Seus olhos, realçados pela faixa vermelha, dobraram de tamanho.
Seu pai, seu cacique olhou para ela como pesar e desviou o olhar.
Queria protestar.
Muito.
Todavia conhecia seu lugar, mesmo que não o aprovasse, sabia o que poderia acontecer se abrisse a boca.
Uma anciã ao seu lado, sorri expondo seus dentes amarelos, a falta deles melhor dizendo.
‘’Sente-se honrada, não é?’’
A voz da senhora venho risonha, Yarasu sorriu forçado e concorda, engolindo em seco.
‘’Eu também me sentiria assim, afinal não é todo dia que uma índia é selecionada para firmar a paz, por meio de uma união’’
Yarasu, nada disse, como sempre.
Seu olhar se voltou para a sombra que era produzida pela grande fogueira no centro da tribo.
Tombou a cabeça de lado, encarando o crepitar das chamas.
Um sorriso estranho se formou em seus lábios.
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‘’O dia então deu lugar a pytuna*, e Yarasu, tinha consigo apenas uma trouxa com poucos mantimentos, um arco e uma pequena adaga quando saiu de sua oca’’
Uma criança ao fundo levantou a mão, mas a velha não viu, e se viu ignorou continuando a lenda.
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Haviam, dois, três guerreiras em ronda.
Yarasu, clamou a Tupã que passasse despercebida pelos guerreiras.
Sua bênção foi concedida, passou sem dificuldades pelos homens, mas deu de cara com a anciã do dia da festa na saída da clareira.
A velha, com um cajado em mãos e sorriso blague parecia espera-la.
‘’Yarasu’’
A garota, permaneceu em sua mudez, encarando o chão envergonhada por ter sido pega em fuga.
‘’Reza a lenda’’
A senhora começou, calma, tocando o ombro da menina e a guiando para dentro da mata, para fora da clareira.
‘’Que mulheres, que fogem de seus futuros companheiros, tem um bênção ou uma maldição’’.
A garota direcionou a mulher mais velha, um olhar confuso.
A velha riu rouca.
‘’Dizem que quando acontece de moças fugirem de seus maridos, ou são pegas por Caipora* e transformadas em onça ou se tornam icamiabas*’’
A face da menina apavorada pela ideia de virar uma onça pelas mãos de Caipora, fez a mais velha gargalhar baixinho.
‘’Não se preocupe, apenas as que já são casadas são pegas por ele’’
Yarasu, soltou um suspirou aliviado.
‘’Você, certamente será icamiaba’’
‘’Como sabe?’’
A voz de Yarasu, que era rara de ser ouvida, saiu num sussurro fanho.
‘’Apenas sei minha querida’’
A velha parou e Yarasu fez o mesmo.
‘’Vamos, continue’’
Incitou, apontando a mata com seu cajado, dando um sorriso desdentado para a mais jovem.
‘’As grandes senhoras não vão esperar por muito tempo’’
‘’Como vou achá-las?’’
‘’Não vai. Elas o farão’’
A garota concordou.
Yarasu andou, sumindo na penumbra da noite.
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Outra vez a criança voltou a erguer a mão.
A anciã suspirou, pedido para que falasse.
‘’Yarasu se tornou uma icamiaba?’’
A velha anciã riu, não respondeu.
Continuou a história.
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Por sete dias e seis noites Yarasu, vagou perdida pela mata.
Quando kûara dava o ar de sua graça, ela caçava e colhia frutos.
Quando jaci a iluminava, dormia nas árvores altas e finas, longe de perigos.
Quando chovia, escondia-se em fissuras na terra.
Quando kûara a queimava, fazia então companhia aos peixes no rio.
Certo dia então, Yarasu, andava tranquilamente, ainda perdida, quando fora cercada.
Suas mãos num movimento rápido chegaram a sua pequena adaga esculpida numa pedra lisa.
Sua surpresa, ao notar que quem a cercavam eram apenas mulheres, foi grande.
‘’Icamiaba’’
Não sabendo como se portar, prostrou-se de joelho e de cabeça baixa, quando uma voz firme chamou seu nome;
‘’Yarasu, filha de Tacuradá, da tribo de Pacau*, coloque-se de pé’’
Seu olhar se voltou a dona da voz.
A mulher, pouco mais velha que se, segurava uma lança enfeitada com penas coloridas e sorria para a índia mais nova.
Ficando de pé, Yarasu ainda não sabia o que fazer, ainda se sentia ameaçada.
Mas então todas as outras índias lhe sorriram.
‘’Bem vinda a casa, irmã’’
Yarasu, sorriu.
E pela primeira vez, sentiu-se realmente acolhida, quando a icamiaba mais velha lhe abraçou.
Estava realmente em casa.
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‘’E o pai dela? Não foi atrás?’’
A criança ao fundo voltou a questionar.
‘’Não. Tacuradá, caiu em desgraça, amaldiçoado pelos deuses por usar seu bem mais precioso como moeda de troca’’
A velha respondeu.
‘’E Yarasu? Como terminou?’’
Desta vez a anciã riu, sincera.
‘’Como icamiaba, óbvio’’
A curumim ao fundo também riu, corrigindo-se;
‘’Ela foi feliz?’’
‘’Como o homem-branco gosta de dizer; feliz para sempre’’
Obrigado pela leitura!
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