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O tempo que errou
Jurou que não estava ali para esquecer. Era improvável a existência de qualquer lembrança correndo pelo corpo, misturando-se ao chakra, fundindo-se, ainda, a cada célula que compunha aquele corpo moribundo. Tudo deveria ter sido apagado com o sangue que ainda tentava tirar do corpo.
Até o som das ondas contra a rocha o obrigar a encarar, puro e limpidamente, o jade infinito do mar que se prolongava para além de suas dores. E, naquele cantar, era possível ouvir as promessas jogadas fora, revirando as lembranças até elas se tornarem o vômito preso na garganta. Aquela mesma massa de ácido e água que segurava desde o dia em que ele caíra.
— Não é uma despedida, ‘Tachi. Nunca é...
— Shisui...
— Não fale assim... não comigo...
— Por favor...
Quando ainda era jovem, e podia se deitar em frente ao Nakano, ouvia os sussurros da noite. Uma mistura dos sons da água contra o corpo dele nu e seus sedutores múrmuros o convidando para o infinito. E, naqueles dias, ouvia-o contar dos sonhos de fugirem para o litoral. Ficar numa vila pequena ou esquecida, construir uma casa tosca de madeira. Sasuke iria colecionar conchinhas e, em todo o final de dia, caminhariam descalços sobre a areia. As mãos dadas não sentiram o vento. Os pés se afundariam naquele mesmo jade em que seu corvo cismava em molhar as asas.
E teria esquecido tudo se não precisasse encarar, a cada maldito segundo, o vermelho daqueles olhos. Senão nos orbitais do corvo, nas lembranças cravadas em cada parte do corpo.
— Não tente me impedir...
— Shisui... não...
— Não vai me fazer mudar de ideia... adeus, ‘Tachi...
— Adeus...
E não importava quantas vezes se despedisse dele, tampouco o lugar, nunca era o suficiente. Sua voz era falha demais para alcançá-lo além daquelas águas. Era fraca, impotente de ultrapassar as violentas ondas e o tocar em quaisquer que fossem as profundezas que o escondiam.
Desceu das rochas. O vento forte do final do dia cortava seu rosto, mas não ousou afastar os olhos dos tons de jade que o chamavam. E quase poderia ver na espuma das ondas a forma tão conhecida daquele rosto. Diziam que o Sharingan poderia eternizar imagens, mas nada conheceria tão detalhadamente aquele rosto quanto a ponta dos próprios dedos... ou da língua.
Sentindo a água bater nas canelas, usou o indicador para contornar a face imaginária. E os traços tão drásticos que nasciam dos olhos arrancados, coloriam-se com a felicidade do jade, tornando o sangue em gotículas de água salgada.
— Seria loucura...
— Mas... só imagine! O ventinho gelado..., a areia quente..., Sasuke correndo por aí e você gritando pra ele não ir pro mar sozinho. Nossa maior preocupação seria não deixar o pirralho se afogar!
Riu sozinho, sentindo os olhos arderem. As lágrimas presas eram a pior dor que já sentiu. Incurável. Mais pesadas que a própria doença qual insistia em fazê-lo cuspir sangue. Poluiu o oceano com a própria maldição. E o rosto de Shisui se desfez em sangue mais uma vez.
Se ao menos tivesse fugido com ele.
— Você é tão lindo... tão... excepcional...
— Eu ainda preciso ir para casa.
— ‘Tachi... você é tão injusto!
Trocaria a própria vida para ouvi-lo choramingar mais uma vez. E daria a alma de todos os Uchihas que matou apenas para ter aquele riso ecoando ao redor do próprio corpo novamente. Se ao menos tivesse tido uma escolha..., contudo, ele decidiu sozinho – não egoísta, mas desesperado – e se deixou afundar em águas mais geladas que aquela, tornando seu sangue descartável. Por mais que tentasse encontrá-lo em cada partícula úmida que encontrava no caminho, dando à chuva as próprias lágrimas, jamais teria na pele o calor que apenas Shisui emanava.
— Ele está morto.
Repetia para o mar, mas as palavras eram engolidas, encobertas pelas ondas, até tornaram-se salgadas, escorrendo pelo próprio rosto em grossas gotículas quais provava ao tocar os lábios feridos pelo vento.
— Ele... está...
O soluço preso tornou-se um grito abafado. Caiu de joelhos, ignorando o frio que subiu pela espinha. Teria apoiado as mãos na areia, mas a água não o permitiu se afundar tanto, empurrando-o falhamente para a beira. No entanto, continuou estático, sentindo que as lágrimas se transformavam em mar e o mar se transformava em lágrimas e Shisui continuava borrado em meio aos tons de jade de um eterno entardecer. O tempo estava parado desde que ele morrera, mas apenas quando mergulhado que se lembrava.
— Eu não vou pensar nisso, Shisui!
— Mas é uma possibilidade, Itachi.
— Eu... eu não ligo! Você não vai morrer.
— Eu sou um ninja. Corro esse risco e...
— Se for assim, o que você vai fazer após a minha morte?
— ‘Tachi... — Ele sorriu. — Você jamais vai morrer... não enquanto eu ainda estiver vivo.
— Então eu não preciso pensar no que fazer quando você morrer.
— Tem razão. — Riu baixo. — Não posso deixar você desprotegido, né? — Sorrindo brincalhão, deixou os lábios roçar nos de Itachi.
— Não... — murmurou baixo, suspirando, antes de se afogar no gosto de paraíso que tinha aquela boca. O corpo se aqueceu.
— Você prometeu, Shisui... — murmurou baixo, tocando os lábios com a ponta úmida dos dedos. Ali sentiu o gosto de sal, de saudades, de distância, de sangue e de morte. Nada sequer chegava perto do que ainda se lembrava do gosto dele.
— Eu te amo... — Itachi conseguiu ler os lábios de Shisui se moverem enquanto ele ainda caía. Mas, daquela vez, Shisui não ouviu sua resposta. Era tarde demais.
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