“Seu coração disse pra sua cabeça, vá, e sua cabeça disse pra sua coragem, vou, e sua coragem respondeu, vou nada, mas sua boca não ouviu e beijou.” (Adriana Falcão)
Quando Itachi leu aquela frase pichada nas paredes da estação de metrô, não deu a mínima importância. Estava cansado, o dia havia sido longo, exaustivo, e ele só estava conseguindo ir para casa porque Kakashi, seu sócio, tinha dito que levaria o restante do trabalho para casa. A pequena clínica veterinária que tinham aberto ainda precisava de ajustes, muitos, e eles usavam o horário além do expediente para resolver as questões mais burocráticas. Em pouco tempo, talvez, eles conseguissem terminar tudo, e Itachi mal via a hora disso. Apesar da facilidade com que lidava com papéis e números, não sentia o mínimo prazer com a papelada e só ajudava porque Kakashi não daria conta sozinho. Além disso, quanto antes terminasse, mais rápido se veria ligado somente aos animais, sem outras preocupações.
O trajeto para casa foi calmo, os fones nos ouvidos eram um perigo porque lhe davam um pouco de sono, e não era nem oito horas ainda. Sasuke não admitiria que ele fosse dormir tão cedo. Retirou os fones, guardou-os a fim de se manter acordado durante a viagem. O irmão caçula sabia de sua situação e a entendia, mas, ainda assim, não era como se entender fosse impedi-lo de ficar chateado por não conseguirem mais nem ao menos conversar direito.
Sasuke acordava cedo, quase sempre atrasado, saía correndo de casa enquanto ele tomava café na cozinha tão sem tempo quanto o caçula. A falta de um carro era um empecilho, Sasuke tinha que pegar o ônibus para o metrô e Itachi tinha sorte de Kakashi passar para lhe oferecer uma carona até a clínica. Depois, conseguia falar com o irmão durante o almoço, mas nem sempre… Sasuke não gostava muito de falar ao telefone e manter uma conversa de texto com ele era tortura demais para Itachi porque, não havia dúvidas, Sasuke precisava ser reabilitado socialmente e aprender a digitar mais que “hum”, “ok”, “tanto faz”. E, então, o único horário que tinham para eles de fato era de noite, quando Sasuke já havia chegado do estágio e Itachi da clínica. Jantavam juntos, assistiam a alguma coisa, conversavam e permitiam que as paredes e as grossas cortinas do apartamento formassem a proteção perfeita para o amor que tinham um pelo outro.
Ah, mas, além disso, aquele era um dia especial…
A voz automática do metrô fez Itachi olhar para o painel sobre a porta e identificar sua estação. Esperou até que o veículo parasse e se levantou. Enviou uma mensagem para Sasuke, avisando que logo pegaria o ônibus e que estaria em casa em dez ou quinze minutos. Sentou-se perto da janela, a cabeça encostou no vidro e foi mais forte que ele fechar os olhos.
Sasuke deveria estar fazendo a comida, ou melhor, queimando-a. Um dos inconvenientes de terem saído de casa era esse, ter que aprender a fazer tudo o que sempre tinham pronto. Para Itachi, não foi muito difícil, desde pequeno podia-se dizer que era mais independente, mas Sasuke... Itachi reconhecia parte de sua culpa na dependência do outro, Sasuke nunca tivera que se virar, ou estava pronto ou Itachi dava um jeito para que estivesse. Agora, morando sozinho com o irmão, Sasuke sentia na pele as consequências de tais mordomias.
Mas não era tão ruim… Itachi dificilmente se zangava quando o irmão queimava a comida ou simplesmente demorava o triplo do tempo para fazer o arroz porque tinha se esquecido de ligar o fogo, não… Era parte da história deles, da vida que eles agora possuíam juntos, cada detalhe fazia parte das lembranças que dividiriam.
Lembrar-se disso fazia Itachi sorrir, singelo, apaixonado. Tinha vivido um ano inteiro em caos desde que o irmão simplesmente aparecera no apartamento reivindicando não só um quarto como também seu coração. E era tão óbvio que seria Sasuke a dar o primeiro passo para que “eles” deixasse de ser uma esperança, uma ideia vaga e perdida num futuro talvez possível....
Sasuke era mimado, acostumado a ter o que queria, quando queria e simplesmente porque queria. Por mais que Itachi tivesse tentado disfarçar por longos dois ou três anos o que sentia, era óbvio que Sasuke não seria tão covarde como ele. Tudo o que Itachi lutava para esconder, Sasuke fazia o possível para deixar evidente. Olhares, toques, frases, declarações, confissões, as mais inocentes palavras pareciam embaladas por um tom provocante quando saíam pelos lábios do irmão mais novo a ponto de que Itachi não conseguia nem ao menos fingir que já não percebia a intenção delas. E, quando Sasuke então se mudou para seu apartamento… Ah, sim… o coração disse para a cabeça: vá até ele, receba-o, conte, corresponda! E a cabeça, por um momento, concordou, a coragem pareceu surgir e deixar-lhe dar dois passos antes que o medo o abraçasse, sedutor, a boca em seu ouvido a sussurrar pela milésima vez os motivos pelos quais não deveria corresponder o irmão.
Sasuke era livre, merecia amar alguém com quem pudesse continuar a sê-lo, amar alguém que não tivesse medo algum de o corresponder, de beijá-lo em público e andar de mãos dadas. Ele merecia mais do que sua hesitação, do que as amarras em que o envolveria por aquele romance descabido e não aceito. Sua coragem sumiu, “vou nada”, ela disse…
Abriu os olhos com o balançar do ônibus e sorriu com o vibrar do celular. Sasuke mandara uma foto do que parecia ser o primeiro prato que tinha conseguido terminar sem queimar nada, e Itachi teve que rir, talvez um pouco alto demais, da expressão orgulhosa do irmão na selfie. Lembraria-se de fingir se o gosto não estivesse bom.
Permaneceu olhando para a foto por mais tempo. Os olhos negros de Sasuke eram determinados, ele realmente tomava para si o que desejava, não importasse o preço. Inclusive, havia sido assim não só com a macarronada, que parecia um tanto quanto suspeita, mas também consigo. Enquanto sua coragem preferia recuar, a de Sasuke já o havia feito andar até si, a mala esquecida no meio da sala ao passo em que as mãos de Sasuke puxavam a gola de sua camisa para baixo. A coragem disse não, mas, quando Itachi se deu conta, o corpo já tinha puxado o de Sasuke para si e os lábios dele já lhe pertenciam…
Foi como beijar pela primeira vez, mas sem a parte do ser atrapalhado ou desengonçado, foi apenas tão intenso e marcante quanto o primeiro beijo que realmente vale a pena lembrar. A coragem de Sasuke parecia acabar ali, em seus braços, uma fera que se deixava domar enquanto Itachi perdia o medo e deixava o amor e o desejo ocuparem sua mente. Se fechasse os olhos, como fazia naquele ônibus, podia sentir os dedos de Sasuke subindo por seu rosto, enrolando-se nos fios do cabelo de sua nuca, sentiria a respiração cálida contra os próprios lábios e o gosto dos de Sasuke.
Havia uma urgência no modo como Sasuke o segurava e beijava que o fazia perder o ar, o medo. Era uma promessa nunca dita nem mesmo confirmada de que estava tudo bem, de que entre aquelas paredes eles podiam gritar um para o outro o quão rápido seus corações batiam naquele momento.
Os toques de Sasuke eram afobados, toda a segurança que ele parecia ter quando chegara havia desaparecido, e Itachi acolheu aquela entrega com gosto, as mãos apertando o tecido gelado da jaqueta dele e o cabelo úmido curto. Os corpos se encaixaram, um molde tão perfeito que Itachi suspirou com a certeza de que se pertenciam, de que não haveria no mundo outra pessoa que pudessem completá-los daquela forma. E o beijo...
O gosto de Sasuke era o da descoberta, o da liberdade, havia sido o gatilho para dar vazão aos sentimentos que vinha aprisionando, mergulhar de vez neles e permitir-se, não só amar, como também aproveitar ter a chance que muitos não tinham! A de ser correspondido…
O relógio foi o único que marcou as horas que perderam entre sussurros e beijos naquele dia. Sentado no sofá, Itachi mantinha Sasuke em seu colo, de frente para si. As bocas agora tinham fome de conhecimento, buscavam identificar cada sabor e textura, conheciam mais que os lábios, exigiam a pele e não tinham cuidado ao marcá-la, quase como se fosse para deixar ali a prova de que já haviam passado por aquele lugar e que deveriam ir adiante.
Seus suspiros incentivavam o irmão, o sorriso malicioso que Sasuke lhe direcionava toda vez que o conseguia fazer gemer baixo ou apertar-lhe coxas e glúteos havia ficado gravado em sua memória e vinha lhe visitar sempre que sozinho, principalmente à noite. Sasuke era sensual e não precisava dizer uma única palavra para isso, ele simplesmente era. Os olhos semicerrados deixavam-no atraído para conseguir que ele os fechasse ao gemer em deleite, e deviam estar loucos porque as bocas avermelhadas não viam forma de cessar aquele momento.
As cortinas da sala não deixaram que curiosos vissem o momento em que Itachi ajudou Sasuke a se livrar da camisa e a jogou junto da jaqueta no chão. As janelas fechadas impediram que o vento diminuísse o calor dos corpos nus e deram a Itachi a certeza de que a pele arrepiada de Sasuke era somente porque ele causava esse efeito no irmão. E a forma como Sasuke o buscava, como o suor lhe escorria pela face enquanto as mãos apertavam firmes seus ombros para que os quadris se chocassem e os gemidos se mesclassem no ar antes de sumirem em mais um beijo necessitado, era o ponto final, era aceitar que haviam começado algo de que não possuíam controle… Tinham se jogado nas chamas sem perceber o quão altas estavam, restava então apenas se deixar queimar por completo.
Itachi guardou o celular quando reconheceu a rua por onde o ônibus passava. Levantou-se, dando sinal de que iria descer. Caminhou sem ligar para o frio que fazia e entrou no prédio após cumprimentar brevemente o porteiro. Enviou uma mensagem para Sasuke, apenas para lhe dar tempo de esconder o que quer que fosse que tinha queimado, quebrado, sujado, estragado, e recostou-se no elevador rindo. Além disso, apertou alguns andares aleatórios antes do seu e foi paciente ao esperar as portas se abrirem e fecharem para ninguém. Não custava ajudar um pouquinho, não é? Afinal, mesmo depois de um dia puxado de trabalho, ainda era o primeiro aniversário de namoro deles.
Saiu do elevador e parou de frente à porta do apartamento. Balançou a cabeça, incrédulo, por conseguir ouvir a correria do outro lado da porta. Rodou as chaves na mão por alguns segundos antes de abrir a porta e, quando fez, foi como da primeira vez… só que invertido. Dessa vez, era ele a entrar, Sasuke estava parado, um pouco ofegante e com uma expressão um tanto quanto contrariada à sua frente, e Itachi sorriu, divertido.
Não havia mais hesitação, medo ou dúvida… Seu coração pode ter dito algo para sua cabeça, que deve ter repassado para sua coragem, quem sabe?, mas... de que importava? O corpo tinha sido muito mais rápido, as mão já haviam captado Sasuke para si enquanto as bocas saudavam-se entre seus risos e as exclamações emburradas do outro.
— Está atrasado — Sasuke resmungou contra o pescoço dele. — Me solta, a comida vai esfriar…
Itachi concordou, mas os braços não se moveram, nem Sasuke demonstrou qualquer intenção de sair dali. Suspirou, afundando o rosto nos cabelos do irmão e beijando-lhe o topo da cabeça ao enfim o soltar. Finalmente, estava tudo perfeito…
… ou quase…
…. porque aquilo que Sasuke tinha cozinhado com toda certeza não podia ser chamado de macarronada...
20 de Junho de 2018 às 03:00 16 Denunciar Insira 18Obrigado pela leitura!
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