Richard Blake havia sucumbido às exigências de sua noiva, Claire, quanto à contratação de secretárias. A ruiva era ciumenta. Aceitaria apenas mulheres eficientes, porém balzaquianas ou de beleza duvidosa. Não iria se arriscar que alguma interesseira lhe roubasse o melhor partido de todos os tempos, o CEO do conglomerado Blake. Foi dessa forma que Annie se viu trabalhando para ele, disfarçada. Necessitava daquele emprego, que lhe caíra feito uma luva, já que precisava se sustentar naquela cidade, tão diferente da sua, enquanto cursava Direito. Fluente em inglês e espanhol candidatou-se antes de ver as linhas miúdas do anúncio.
Quando o fez, decidiu se tornar o que não era em aparência, repartindo os cabelos cheios ao meio e os prendendo em um coque apertado na nuca. Passou a usar óculos de aro grosso, que não necessitava, roupas austeras e deixou de desenhar as sobrancelhas. Conseguiu o sonhado emprego sem fazer ideia de quem seria seu patrão.
Richard mal olhou para ela, estando Claire a avaliá-la. Tentou esconder o rubor das faces ao sentir-se como uma mercadoria, entretanto, ao vê-lo pela primeira vez, entendeu os motivos da ruiva antipática. Ele era o homem que qualquer mulher faria de tudo para tê-lo em seus braços. Charmoso, dono de uma voz sedutora e de lindos olhos claros, emoldurados por cabelos negros, levemente ondulados.
Annie conhecia bem aquele jogo, contudo, não estava disposta a entrar nele. Faria o seu trabalho e realizaria o sonho de um dia ter seu próprio escritório. Ficaria bem longe de Claire que, após a primeira avaliação, passou a ignorá-la.
Como secretária de Richard, havia momentos em que ela mal tinha tempo para se dedicar aos estudos, por isso varava as noites sobre os livros, ocasionando-lhe algumas olheiras, o que acabava ajudando em seu disfarce. O que não conseguia disfarçar eram os batimentos acelerados em seu coração quando a proximidade de seu chefe se fazia necessária. E esses momentos se mostravam cada vez frequentes durante os meses que se seguiam. Reuniões de diretoria, almoços com fornecedores, ligações internacionais...
Essa proximidade mesclada à eficiência e disciplina era encarada por Richard de forma natural e respeitosa. Contudo, aos olhos de Annie, algo estava errado com ele por aqueles dias. Soubera, entre uma fofoca e outra durante a parada para um cafezinho, que Claire fora vista em uma festa, do qual Richard não estava, ciceroneando um xeique das arábias de forma bem expansiva. Ele também soube ao ver os jornais, contudo, se ficou abalado, não demostrou a ninguém, continuando a ser o mesmo Richard empresário de sempre.
Houve um momento em que Annie, ao participar de uma reunião, atreveu-se a dizer a Richard que no contrato que ele recebera para avalizar, havia uma cláusula dúbia que poderia lhe trazer problemas futuros. Ele a observou, atentamente, deixando-a ruborizada. Ela acreditava que seria colocada em seu lugar, contudo, a fez explanar o motivo de sua interpelação. Quando a explicação veio, ele franziu o cenho e despediu-se dela.
Annie soube, na manhã seguinte, que ele havia acatado sua interpelação, pedindo uma retificação do mesmo. A partir desse episódio, o relacionamento deles passou a se estreitar. Seu coração traiçoeiro havia se apaixonado, contudo, ele jamais a veria com os mesmos olhos. Ela não passava de uma mulher sem atrativos.
Claire fora deixada de lado por Richard, mas não sem um escândalo daqueles. Ela havia jurado vingança e tentara usar Annie para isso. Queria saber por ela cada passo dado por Richard, entretanto ao receber a recusa, tornou-se ainda mais enfurecida. Ligava para Annie todos os dias, soltando inúmeros impropérios, passando a cercá-la quando deixava a empresa. Em uma noite seguiu Annie, sem saber que ela fora convidada para o último encontro da sua turma da faculdade, em comemoração as festas de final de ano. Esperou que ela entrasse em sua casa. Assim que o fez, tratou de espioná-la pela janela enquanto a jovem ia se livrando das roupas antiquadas. Claire se enfureceu ao descobrir a tramoia de Annie. Sentiu-se enganada ao ver a beleza da moça escancarada e seu ódio aumentou. Escondeu-se dentro do carro e, com o celular na mão, passou a tirar fotos de Annie. Sorriu, ao ter uma desculpa para mostrar a Richard que a delinquente havia enganado a todos e, por isso, merecia ser despedida. A menos que ela aceitasse a passar informações precisas sobre cada passo de Richard.
Annie fora arrastada da festa por Claire que a ameaçou e diante da nova recusa, a traiçoeira correu ao encontro de Richard e a pobre secretária tremeu, pois sabia que seria demitida. Entretanto o tiro saiu pela culatra. A ruiva antipática não conseguiu seu intento, sendo mais uma vez preterida por Richard. O charmoso CEO, de coração abalado, porém curioso, sentiu-se aliviado, já que passara a nutrir algo pela moça, tão diferente das beldades a que estava acostumado.
Na manhã seguinte, Annie, com medo de enfrentar a fúria de Richard, não foi ao trabalho. Deixou um recado dizendo que viajaria naquela noite, em uma urgência familiar. Sabia que os executivos não estariam na empresa, já que um novo ano se iniciaria no dia seguinte. Estava enganada. Richard a aguardava e, saber que ela não viria, deixou-o transtornado.
Ele tentou seu celular, contudo, Annie, ao ver o conhecido número não atendeu a ligação. Tratou de prender os cabelos e deixou a casa, pensando que ele poderia enviar alguém com os papéis para sua demissão. Ela precisava pensar, antes de ter que enfrentá-lo. Na verdade, queria adiar o máximo possível ter que se despedir dele.
Richard sentiu o coração bater mais forte. Ele precisava encontrar Annie antes que ela viajasse sabe-se lá para onde. Pegou as chaves do carro, dispensou o motorista e, após conseguir seu endereço, dirigiu-se para lá, não a encontrando. Passou a rodar pelas ruas, de forma aleatória, enquanto pensava para onde ela poderia ter ido. Ligou mais uma vez e Annie não atendeu.
Ele deixou uma mensagem e quando ela recebeu, seus dedos tremiam. Ele saberia se ela a lesse. Por outro lado, não poderia continuar sem lhe dar uma explicação:
— Senhor, no momento não posso falar. Preciso comprar algumas coisas antes de embarcar. Sei que foi em cima da hora, uma vez que lhe havia dito que não voltaria para casa esse ano, contudo... Mamãe não está se sentindo bem. Segunda-feira estarei de volta. Uma linda passagem de ano — seus olhos embaçaram enquanto digitava.
Ele ouviu a mensagem e não pensou duas vezes antes de seguir para o Shopping. Ela só poderia estar lá. Passou a caminhar apressado pelos corredores de lojas, olhando em todas à procura do cabelo claro e cacheado que vira no celular de Claire. Chegou a tocar nos ombros de algumas garotas, que se mostraram entusiasmadas com o engano do belo homem, porém Annie não estava ali. Frustrado, ligou para ela novamente.
Voltou para a pequena casa alugada de Annie e, no meio do caminho, viu uma moça entrar em uma lanchonete. Estacionou a Mercedes e entrou correndo, porém, assim que ela o viu pela vidraça, tratou de se esconder no banheiro feminino, ficando ali até ter a certeza de que ele não a encontraria.
Richard se foi, apertando o maxilar enquanto dirigia, frustrado. A tarde já se fazia noite. Perdera um tempo imenso entrando em todas aquelas lojas e agora, nem ao menos sabia se ela embarcaria em algum ônibus ou avião. Ligou para a central de sua empresa e pediu que rastreassem o telefone de Annie. Ninguém questionou uma ordem dada diretamente por ele. Em pouco tempo passou a acompanhar na tela do seu celular o movimento dela, que caminhava devagar por uma rua próxima à sua casa.
Ligou o carro e, ao se aproximar, alguém estacionou perto dela, buzinando para chamar sua atenção. Ela se virou e sorriu. O coração de Richard quase parou de bater por um momento. Ela era mais bonita pessoalmente do que por uma foto tremida que Claire lhe mostrara. Seus olhos correram para o volante e ao ver a jovem, seu olhar se tornou duro. Ainda sorrindo, ela se sentou no banco do passageiro. Richard passou a seguir as duas, mordendo o maxilar em todo o seu desconforto. O que ele estava fazendo, correndo atrás de uma mulher daquela forma?
Desistiu. Voltou para a casa. Já estava anoitecendo. Annie mentira mais uma vez quanto à viagem? Aquilo nunca lhe acontecera antes. Tomou um banho, pensando se iria ao Réveillon onde era aguardado, contudo, Annie, sua mentira, seu profissionalismo, fragilidade e sua beleza não saíam de sua mente. Imaginava que ela se dispusera a se passar por quem não era por causa de Claire. Deveria precisar muito daquele emprego. Vários pensamentos o atordoavam, já que algo insistia em lhe dizer que ela se amedrontara. “Claire sabe ser vingativa”, pensou ele. Precisava esclarecer tudo com ela. Ligou novamente, mas Annie não atendeu. Fechou os olhos e passou a digitar o número de algumas companhias de aviação, identificando-se e perguntando se determinada passageira estava com passagens compradas. Ninguém dizia não a Richard Blake, sendo assim, soube que ela não embarcara. O mesmo se deu com as de ônibus. Precisava ter certeza, ou ficaria louco. Ele já estava perdendo a festa, mas não iria até conseguir falar com ela.
Pegou o carro, após se arrumar com esmero, indo até a casa de Annie. Já passava das onze da noite. As luzes estavam apagadas, contudo, aproximou-se devagar. Olhou pela janela e viu uma sombra refletida no sofá, com as pernas encolhidas. Aguçou os ouvidos e pensou ter ouvido um choro. Engoliu em seco e bateu na porta. Ela não abriu. Bateu com mais força e então, as luzes se acenderam e a fresta da porta foi aberta. Ao ver Richard preenchendo o umbral, Annie soltou um grito, horrorizada.
Ele a encarou e sorriu. Ela estava chocada, contudo, mesmo com os olhos vermelhos, que realçava ainda mais seus olhos verdes, estava encantadora.
— Você mentiu para mim. Foi por isso que fugiu o dia todo? Eu te procurei por todos os lugares, Annie. — proferiu, perscrutando-a com olhos luzidios.
— Eu menti, senhor...
— Richard. Apenas Richard — proferiu com a voz rouca, enquanto ela o encarava, boquiaberta.
— Eu precisava do emprego para continuar morando aqui enquanto termino minha faculdade. Não foi minha intenção, mas quando vi o anúncio e...
— Annie, — cortou-a com um sorriso nos lábios — eu imaginei. Há tanta coisa que não sei sobre você!
— Por que está aqui? — questionou, engolindo em seco ao encarar os olhos de Richard.
— Não sei ao certo! — respondeu, prendendo seus olhos nos dela.
Ela passou a mão pelos cabelos, sentindo-se desleixada e envergonhada.
— Venha, comigo Annie. Vamos dar uma volta.
— Agora? Eu...
— Você está linda, como sempre foi. Vamos.
— Para onde?
— Não importa.
Quando os primeiros fogos fustigaram o céu com seu brilho, Richard pegou a mão de Annie. Seus olhos se encontraram antes dos lábios. Um novo ano se descortinava à frente e eles tinham todo o tempo do mundo para se conhecerem.
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