Introdução
As pessoas dizem que o tempo pode curar qualquer ferida, mas o que acontece quando o tempo passa e algumas feridas ainda sangram?
Ela precisava se curar. Somente ele poderia entender seu sofrimento, seus anseios, seus desejos, suas vontades, suas esperanças. Como não poderia, ele era seu anjo da guarda. Ele sempre a protegeu. Eles se falaram inúmeras vezes em seus sonhos, ele sempre esteve ao seu lado quando ela precisou. Ela até sentiu a mão dele em seu ombro direito mais de uma vez.
Ninguém entendia a conexão entre eles, mas ela sabia ser verdadeira e forte.
Como poderia não ser forte quando ela era de sua própria carne e sangue? Ele a estava observando de perto e precisava conversar com ela, mas dessa vez tinha de ser cara a cara. Ele precisava ter certeza de que ela ficaria bem. E que ele teria um grande futuro se ela mudasse o rumo de sua vida.
Foto: Meu avô, o tenente Narciso Lazzarini, a bordo do Sannino 1936.
O Tenente
Acordei com dor de cabeça. Tentei me levantar, mas me senti tonta, e uma enfermeira me disse para descansar. Algo parecia estranho.
Enquanto estava deitada na cama, pensei sobre o lugar que vi, era uma enfermaria, mas parecia peculiar? Era antiga, mas, em simultâneo, nova. Velho, mas novinho em folha. Abri meus olhos e tentei entender o que havia visto. A enfermeira me entregou um copo de água.
Perguntei a ela que dia era hoje. Ela provavelmente pensou que eu havia dito dia em vez de data, por dizer ser terça-feira. Eu parecia confusa. Senti o chão se mover, senti náuseas.
— Onde estou?, — perguntei.
A enfermeira olhou para mim e disse em um sotaque estranho que eu não havia notado antes: — Você está a bordo do Sannino.
O "Sannino", esse nome me soava familiar. Mas onde eu já havia ouvido esse nome antes? Mais importante ainda, o que eu estava fazendo em um barco?
Eu só entro em barcos quando mergulho, mas não me lembro de estar em uma viagem de mergulho. Tentei pensar, mas a última coisa de que me lembrava era de estar voltando do trabalho para casa. Eu não estava em nenhuma viagem. Isso era estranho.
Talvez eu devesse perguntar à enfermeira em que país eu estava, ou fazê-la falar para identificar seu sotaque. Mas isso era ridículo, eu sabia estar em Buenos Aires. Onde mais eu poderia estar?
A porta da enfermaria se abriu e um soldado entrou. Seu uniforme era diferente. Eu não conseguia reconhecê-lo como um uniforme argentino. Será que eu estava em um estúdio de cinema? Seria que isso era um sonho?
Quando a enfermeira lhe disse que eu estava acordada, ele falou em italiano. O soldado lhe disse que se apresentaria ao seu tenente. Se isso foi um sonho, foi um sério alerta: Eu deveria parar de assistir tanta TV, pois isso estava afetando meu cérebro.
Eu não conseguia mais distinguir a realidade da fantasia.
Provavelmente eu devesse conversar sobre isso com meu psiquiatra na próxima sessão. Talvez fosse um efeito colateral da medicação que eu estava tomando?
Tentei me sentar, a enfermeira me ajudou e me deitei na beira da cama. Ela estava me ajudando com alguns travesseiros quando a porta se abriu novamente e vi um homem com um casaco militar muito elegante entrar. Ele sorriu...
Eu conhecia aquele sorriso... Conhecia aqueles olhos claros e profundos... Mas não podia ser... Eu sabia que "ele" havia estado a bordo do Sannino em 1936…
Seria possível, eu estava realmente sonhando?
Parecia real demais para ser um sonho!
Gaguejei quase sem fôlego: — Você é? Você é a-a-ca? — Ele sorriu e olhou para mim com olhos cheios de orgulho…
Com olhos cheios de amor, ele disse: — Eu sabia que você me reconheceria! De todos os meus entes queridos, você sempre foi especial. Gostei muito de nossas conversas, mas precisava vê-la cara a cara. Não tenha medo...
— Por que eu teria medo? Você sempre esteve ao meu lado quando precisei. Eu sempre o procuro quando preciso de conselhos. Você é meu anjo da guarda! — Eu disse. Em seguida, levantei minha mão para tocá-lo: — Isso não é um sonho, é? Você está realmente aqui, não está?
Ele sorriu e disse: — Sim, estamos juntos, mas você veio até mim, você é quem veio me visitar. Eu só posso visitá-la em seus sonhos.
— Mas não é apenas em meus sonhos, eu posso sentir você. Posso sentir sua mão em meu ombro direito quando estou com problemas ou deprimida. Você sempre veio até mim. — Eu disse em uma voz cheia de esperança…
Espero que isso não tenha sido um sonho.
Ele morreu quando eu era muito jovem. Eu queria que tivéssemos tido mais tempo. Gostaria que ele estivesse vivo durante minha adolescência. Seus conselhos e orientações teriam sido um tesouro para mim.
— Você me manteve vivo todos esses anos. Sempre orou por mim. Você me chamou quando meus filhos morreram para recebê-los. Em suas orações, você me pediu para interceder por você perante o Senhor. Eu sempre cuidei de você. Tenho muito orgulho de suas conquistas e da mulher que você se tornou. — Ele declarou com orgulho.
— Perdoe-me, será que mantive sua alma aqui na Terra em vez de deixá-la partir?, — perguntei preocupada.
— Não, minha filha. Não se preocupe. Minha alma está em paz. Agora sou um soldado do exército de nosso Senhor e meu trabalho é cuidar de você. Você estava certa, eu sou de fato seu anjo da guarda. — Ele disse e perguntou: — Você sabe que nós, anjos, somos soldados, não sabe?
— Sim, é claro, os anjos são soldados e os arcanjos são generais no exército de Deus! Mas você sempre será meu tenente! — Respondi, mas depois olhei para ele intrigada: — Os anjos da guarda não são designados quando um bebê nasce? Você morreu quando eu tinha seis anos e meio de idade? O que aconteceu com o anjo designado para mim?
Ele riu: — Minha querida filha, como você disse, eu sou um tenente e seu anjo da guarda, um soldado, quando vi que você chorou por mim após minha morte, pedi para trocar de lugar com ele. E como nosso superior aqui conhece todas as almas dos vivos e dos mortos, eu sabia que você era bastante problemática e teimosa, senti que você precisava de alguém que pudesse lidar com você e guiá-la adequadamente para escolher o caminho certo. — Ele disse com seriedade e depois piscou para mim.
— Por que você me trouxe para esse momento e lugar específicos, NONNO [avô em italiano]? — Eu queria saber por que ele escolheu esse evento específico em sua vida.
Ele sorriu e explicou: — Há certas fotos minhas de que você gosta muito e suas favoritas são aquelas em que estou usando meu uniforme. E a que me mostra tomando sol no convés deste navio é a que você mais gosta. Além disso, estamos em junho, nenhum de seus pais nasceu ainda. Seu pai não nascerá até agosto e sua mãe não nascerá por mais seis anos.
— Eu sempre me perguntei: por que você usa seu uniforme neste navio que não pertence à Marinha italiana? — Eu o questionei.
— Você sempre presta atenção aos mínimos detalhes. Essa é uma das coisas que mais gosto em você. Este é um navio comercial, mas é usado pelo governo. Estou de licença. Estou indo visitar minha esposa. — Ele explicou: — Vamos caminhar pelo convés, depois relaxar ao sol naquelas espreguiçadeiras de que você tanto gosta e conversar!
Saímos da enfermaria e fomos para o convés. O convés parecia tão familiar, o lugar onde aquela foto foi tirada, perto do bote salva-vidas com o nome do navio "Sannino - Gênova" e a espreguiçadeira. A única diferença com a imagem da fotografia era que ela não era em preto e branco.
A primeira coisa que fiz antes de me sentar ao sol foi abraçar meu avô, que também me abraçou. Nós nos perdemos em um longo e afetuoso abraço. Eu realmente precisava disso. Ele beijou minha testa e tive que conter as lágrimas que estavam prestes a sair de meus olhos. Foi um momento muito emocionante. Nós nos sentamos.
Ele segurou minhas mãos com as suas para que eu me sentisse mais confortável. Ele falou comigo com uma voz muito suave: — Eu queria ver você. Sei que isso é incomum, nossa conexão é muito rara. Estou preocupado com você. Você sonhava tanto em ter uma família quando era criança, mas ainda é solteira, ainda não teve filhos. Seu sonho ainda pode se tornar realidade. Você precisa enfrentar seus medos. Sei que seus pais não são exatamente o melhor exemplo de um casal feliz, mas você está desperdiçando sua vida devido a seus medos, precisa esquecer o passado e abraçar o futuro. Você ainda pode conhecer um bom homem e, se não puder ter um filho, ainda pode adotá-lo. Quero que seja feliz!
Caminhamos um pouco pelo convés e nos abraçamos por um longo tempo enquanto ele acariciava meus cabelos: — Agora você precisa voltar e viver uma vida feliz.
Após dizer essas palavras, ele me deu um beijo de despedida.
E eu, comovida e cheia de alegria, retribuí: — Adeus, nonno.
Acordei em meu quarto, meu irmão estava segurando minha mão. Ele me disse que eu havia desmaiado e que estava chamando um tenente enquanto eu estava inconsciente.
Não contei a ele sobre meu encontro com nosso nonno Narciso. Ele sempre quis ter muitos netos. Meu irmão foi seu primeiro neto, eu fui a terceira.
Ele era um homem muito religioso, foi membro da Ordem dos Cavaleiros Templários, tenente do exército italiano durante a Segunda Guerra Mundial, um homem muito inteligente e esclarecido.
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