Entre 1998 e 2012, a polícia da Eslováquia esteve à caça de um assassino peculiar, para parte da comunidade ele foi considerado um herói, para outra parte um assassino cruel, impiedoso e infame. Tudo começou em 7 de janeiro de 1998, a polícia eslovaca encontra um corpo violentamente desfigurado às margens de um rio na cidade de Presov. Dias depois outro corpo é encontrado na cidade de Kosice, mas desta vez apresentando apenas sinais de estrangulamento. As vítimas eram um homem com idade estimada de 32 anos e uma mulher de idade estimada em 28 anos. Duas semanas se passaram e não houve nenhum crime violento ou assassinato, principalmente algum que pudesse ter ligação com os assassinatos anteriores. A polícia eslovaca, até então, não acreditava que o assassino de Presov e o assassino de Kosice tivessem alguma ligação ou mesmo que fossem a mesma pessoa.
No dia 22 de janeiro, em Propad, um senhor de 67 anos foi encontrado morto em sua casa. Ele morava sozinho e foi encontrado com a cara enterrada em um prato de goulash (um ensopado de carne com temperos e páprica, tradicional na Eslováquia) por seu filho.
Três dias mais tarde, na cidade de Spisská Nová Ves, uma senhora de 52 anos foi encontrada morta em seu jardim. As investigações mostraram que a senhora teve um mal súbito e caiu desacordada em cima da faca que utilizava para retirar ervas daninhas.
No dia 8 de março de 1998, na cidade de Zilina, um homem foi encontrado afogado na banheira de sua casa. Investigações mostraram um afogamento intencional, no entanto mesmo coletando provas, a polícia não conseguiu apontar um suspeito.
A polícia eslovaca, então, tinha esses cinco crimes insolúveis em mãos. Aparentemente sem um padrão que os ligasse entre si ou a algum suspeito.
Quase quatro anos se passaram até que no final de 2001, enquanto o mundo se preocupava com o 11 de setembro, 2 assassinatos ocorridos nas cidades de Trencin e Nitra reacenderiam o caso, que a polícia eslovaca nomeou de “Assassino das Sombras”. Em Trencin, uma cabeça foi encontrada em uma praça, as câmeras de segurança flagraram o que aparentava ser um homem com sobretudo preto e balaclava preta, próximo da meia noite deixando um saco pardo no chafariz da praça. Quase na mesma hora, em Nitra, uma mulher de idade suposta de 30 anos foi encontrada morta em uma zona rural, aparentemente atropelada acidentalmente por um trator que esmagou sua cabeça.
A polícia eslovaca mais uma vez não conseguia traçar um padrão entre os dois assassinatos, a não ser a questão das cabeças, no entanto um policial já veterano lembrou-se do caso do “Assassino das Sombras”. Ainda assim, a polícia estava às escuras, pois os padrões e as escassas provas colhidas não convergiam. Crimes dessa natureza continuaram a ocorrer com certo intervalo de tempo até o ano de 2005.
Esse ano é importante para o caso, pois foi estabelecido o Departamento de Crimes Virtuais da Eslováquia (Oddelenie Kybernetickheho Kriminality). Este departamento foi criado como uma resposta à crescente incidência de crimes cibernéticos e à necessidade de uma unidade especializada em investigar e combater essas atividades na Eslováquia. O departamento é responsável por lidar com uma ampla gama de crimes virtuais, incluindo hacking, fraudes online, roubo de identidade e outras atividades ilegais na internet. Foi a entrada desse departamento no caso que começou a trazer alguma luz sobre o mesmo.
Em 17 de abril de 2005, numa conversa entre um policial do setor de homicídios e outro do recém criado departamento de crimes virtuais houve um pequeno “insight” quando o policial do departamento de crimes virtuais perguntou: “Vocês investigaram os computadores ou a Internet?”.
Embora alguns computadores tenham sido perdidos ao longo dos anos, a polícia eslovaca recuperou 2 pc´s de cinco das vítimas e o que viria a ser descoberto foi aterrorizante.
Até então sabia-se que o “Assassino das Sombras", entre os anos de 1998 e 2012, assolou cidades da Eslováquia. Para uma parte da Eslováquia e da comunidade da Internet trata-se de um herói, para outra trata-se de um assassino cruel e impiedoso.
A polícia estava a procura de um assassino que não deixava pistas, pelo menos não muito claras, não agia com um padrão regular e mesmo a imagem que acreditava-se ser de um possível suspeito, trata-se da imagem do caso da cabeça na praça, era de um morador de rua que foi pago para deixar um pacote no lugar indicado, próximo ao chafariz. I-nfelizmente a polícia não conseguiu descobrir a pessoa que pagou pela “encomenda”. Com a entrada do recém criado departamento de crimes virtuais da Eslováquia, estabelecido em 2005, e devido a uma conversa sobre o caso entre dois policiais de departamentos diferentes dariam um novo ar às investigações.
Dessa forma, o departamento de crimes virtuais teve acesso aos computadores de algumas vítimas e ao acessar os HD´s houve uma descoberta assustadora.
Matej Novak, investigador do departamento de crimes virtuais na época, comentou: “Quando tivemos acesso ao primeiro computador, logo de cara nos chamou à atenção o papel de parede: era uma imagem de gore e violência extrema, havia um símbolo, tipo marca d´água, conhecido em comunidades do que poderia ser considerada a Deep Web da época. Na verdade naquela época meio que a Deep Web não existia, o que existiam eram fóruns obscuros que levavam a redes clandestinas privadas, conhecidas como redes BBS”.
Uma rede BBS (Bulletin Board System) é uma forma de comunicação online que surgiu nas décadas de 1970 e 1980 antes da popularização da internet como a conhecemos hoje. Uma BBS pode ser descrita como uma espécie de fórum eletrônico, onde os usuários podem se conectar através de linhas telefônicas utilizando um modem para acessar um servidor.
As BBS´s eram operadas por indivíduos ou grupos e ofereciam uma variedade de recursos e serviços para os usuários. Elas permitem o compartilhamento de mensagens públicas e privadas, troca de arquivos, jogos online, acesso à informações e discussões sobre diversos tópicos. As BBS´s também podiam ter áreas específicas dedicadas a interesses particulares, como tecnologia, música, arte, entre outros.
Ao se conectar a uma BBS, os usuários podiam interagir com outros membros, deixar mensagens, fazer uploads e downloads de arquivos, participar de discussões, e até mesmo jogar jogos online com outros usuários conectados na mesma BBS.
As BBS´s eram limitadas em termos de alcance geográfico, pois cada BBS tinha a sua própria linha telefônica e número específico (guarde essa informação). Para se conectar a uma BBS em particular, era necessário discar diretamente para o número da linha telefônica associada à ela.
Matej Novak e sua equipe então investigaram o primeiro computador que tinha arquivos de texto sobre como cometer assassinatos muito específicos (estrangulamento, envenenamento, atropelamento…), bem como tipos mais comuns e violentos, além disso, haviam imagens perturbadoras de corpos de vítimas de assassinatos. O computador era da vítima de atropelamento por um trator, seu nome era Katarina Kovácová, era residente na cidade de Nitra e tinha 29 anos, trabalhava como garçonete, estava proibida de ver o filho por motivo de violência doméstica e abuso de álcool e drogas.
O policial Novak e sua equipe também descobriram que Katarina, desde 1998, participava de um fórum BBS chamado “Smrteyna Siey” (Rede Mortal), que era voltado a discutir casos de assassinatos famosos, perfis de assassinos, fotos, documentos e técnicas de investigação, entre outros assuntos relacionados.
Sete anos após o primeiro caso, finalmente a polícia eslovaca tinha uma direção a seguir. A equipe de Matej conseguiu descobrir conexões entre outras vítimas ao analisar os metadados dos arquivos encontrados no PC de Katarina.
Uma delas era Jakub Novak, que apesar de ter o mesmo sobrenome do investigador Matej não tinha parentesco com o mesmo, Jakub era a vítima do dia 7 de janeiro de 1998, encontrado na cidade de Presov. Tinha 32 anos, era mecânico industrial, seu nome constava em um documento de texto com algumas imagens de corpos com partes decepadas, os metadados mostravam que Jakub, ele próprio, havia produzido aquelas imagens.
Outra vítima que foi conectada ao caso era Matej Kovác, um senhor de 67 anos que foi encontrado morto em sua casa com a cara enterrada em um prato de sopa, ele era funcionário público. No computador de Katarina haviam arquivos de de texto (relatando abusos) e imagens de garotas amarradas e nuas. Os metadados apontavam que Kovác era quem havia produzido aquelas imagens, centenas delas. Haviam imagens bem antigas (da década de 1950, possivelmente).
A vítima de Kosice, tinha apenas 28 anos Lúcia Kracjirová era dona de casa, sem filhos, vivia com Dmitri Ivanovich Sokolov, russo e traficante de drogas. A polícia eslovaca não tinha conhecimento das atividades de Dmitri até então, ao acessar o banco de dados da Interpol, a ficha dele encheu a tela. Dmitri era procurado em muitos países europeus (França, Alemanha, Reino Unido, Portugal, Espanha, Rússia e agora também na Eslováquia, mas não por muito tempo). Ele estava desaparecido há mais de um ano, curiosamente Lúcia nunca procurou a polícia para reclamar seu desaparecimento (obviamente devido às suas atividades ilícitas, ela preferiu não dar parte do sumiço do marido). Quando a polícia eslovaca entrou em contato com a polícia russa para saber mais sobre ele, descobriu que sua única irmã disse que ele não aparecia há mais de um ano e que ele disse que iria morar na Holanda, que havia se separado de Lúcia e ficaria um bom tempo sumido. No entanto, os arquivos do computador de Katarina sugeriam outro destino.
Os arquivos de imagens associados ao nome de Lúcia apontados pela análise dos metadados mostravam um homem com um tiro na cabeça. Outras imagens mostravam esse mesmo homem embalado em um saco de lixo preto e haviam várias outras imagens dele morto. As tatuagens coincidiam com as de Sokolov.
A vítima de Spisská Nová Ves, encontrada morta em 25 de janeiro de 1998, não aparecia nos metadados dos arquivos encontrados no computador de Katarina, seu nome era Veronika Balazová, tinha 52 anos, era dona de casa e até então não tinha nenhum crime associado à ela. Porém, o nome de Veronika era o que constava na linha telefônica que mantinha a BBS “Rede Mortal”.
A vítima de Zilina, morta em 8 de março de 1998, era um homem chamado Thomas Hrasok. Foi encontrado com sinais de violência (hematomas) por todo o corpo, tendo sua causa da morte como afogamento. mais uma vez, os arquivos encontrados no computador de Katarina associavam a vítima a algo macabro. Arquivos de imagem e vídeo, que os metadados mostravam terem sido produzidos por Hrasok, caracterizavam a vítima como um criminoso sexual.
A polícia eslovaca agora tinha algumas nuances do caso, a não ser Veronika Balazová e, até certo ponto, Katarina Kovácová, todas as outras vítimas haviam cometido algum crime, diga-se de passagem, bem pesados.
O segundo computador era de uma vítima de 2001, Michal Mikulas. O computador de Michal foi importante para, mais uma vez, direcionar a polícia eslovaca. O BBS “Rede Mortal” havia migrado para um chan (um chan não era tão popular assim em 2001, eles se caracterizavam por uma interface de texto simples e funcionalidade básica. Os usuários podiam criar tópicos de discussão e responder a mensagens de outros participantes. a principal atração dos chans era a possibilidade de interagir de forma anônima, permitindo que as pessoas expressassem suas opiniões livremente, sem revelar suas identidades).
Michal Mikulas, era a vítima da cidade de Trencin, descobriu-se que ele tinha 33 anos, não tinha emprego fixo e não era casado. Saiu de casa aos 16 anos para nunca mais voltar. No computador de Michal foram encontrados vários arquivos de vídeo, imagem, áudio e texto de diferentes vítimas de torturas executadas por ele. Aparentemente Michal sustentava-se com a produção desse material. Michal não fazia parte da comunidade BBS “Rede Mortal”, ele era da geração chan e em algum momento entrou em contato com algum participante da comunidade BBS que já estava observando a ascensão dos chans. Assim, pressupõe as investigações, Michal (envolvido com a criminalidade desde os 16 anos) viu uma oportunidade.
No entanto, a investigação nos chans mostrar-se-ia complexa. Os fóruns chans permitiam anonimato e privacidade, haviam códigos de escrita e conduta que dificultavam o rastreamento, mais uma vez a investigação esfriou. Infelizmente a polícia eslovaca encontrava-se em um labirinto de muitas possibilidades. Por vezes, um crime ocorria com características que poderiam ser associadas ao “Assassino das Sombras”, no entanto associar os mesmos ao caso era algo mais complicado.
As coisas tomariam uma reviravolta quando em 2009, Petra Stefanciková se tornaria uma peça fundamental.
Nota do autor:
A história “Assassino das Sombras” está passando por reformulação após feedback de leitores beta, que deram valorosas dicas e perceberam furos no enredo. Dessa forma, uma reformulação torna-se necessária. Assim ela estará em pausa por algum tempo. Estarei escrevendo contos para suprir o buraco deixado. Desde já agradeço!”
Gustavo Penatieri
