Algumas frases, ou até palavras soltas me vêm à mente, sempre me questiono, se são verdadeiras se é a realidade e eu devia acreditar nessas palavras… Ainda pela rua, desta vez não consigo me aguentar acabo caindo, sinto o meu joelho arder, sei que está sangrando, mas isso realmente me importa? Não, é uma dor superficial, apenas isso, um machucado que está doendo mas que logo passaria. Sinto o cheiro a terra molhada, saudades das tarde de verão, que num momento estava sol e no outro a chover. Saudades das tardes passadas brincando, rebolando na relva com a Bárbara e irmã que já não recordo o nome. Éramos vizinhas, era como se ali tivéssemos os melhores anos das nossas vidas e não o soubéssemos.
Queríamos crescer, virar adultas, fazer o que os adultos faziam. Usar maquiagem, saltos… Para quê tudo isso? Nós podíamos ser nós mesmas, sem fingimentos, sem ter que fingir estar bem… Falo por mim, tenho saudades desses tempos, sei que estou no meio da estrada, sem nada a perder, não tenho medo do que poderei perder, tenho medo de não esquecer só isso. Muitas vezes pedem perdão às pessoas, mas não entendem, perdoar é fácil, esquecer é difícil. O meu pijama grosso preto com manchas de patas de animal está molhado, fazendo o frio da chuva entrar no meu corpo. Enquanto ando, me pergunto se Deus existe, porque não cuidou de mim, me fez forte. Sigo em frente, com pouco ou quase nada na mente, apenas a ideia do mar, o meu refúgio. Conheço o caminho, sei que ainda demoro a chegar, na minha mente eu tenho coragem, agora na prática eu não sei se o consigo fazer.
Já cansada de correr apenas ando, passos largos apressados, mesmo sendo apenas passos, parece que ninguém percorre o mesmo local que eu, que estão felizes nas suas vidas perfeitas. Paro para recuperar o fôlego por um momento, retiro o celular que estava no bolso, não ele não está molhado. O ligo vendo que está nos 17% que logo logo vai desligar. São 4 da manhã, peguei na chave e sai de casa deixando a porta mesmo aberta e nem olhei para trás. O meu corpo treme não devido ao frio mas devido à adrenalina. Continuo vendo as ruas desertas, o céu está claro e ilumina o caminho. Uma lágrima solitária se forma no canto do meu olho, me mostrando que ainda existe alguma emoção ou sentimento dentro de mim. Durante tanto tempo achei que a raiva que sentia de mim era mais forte. Chego a um miradouro e fico lá sentada olhando o mar.
É uma altura enorme, antes tinha medo da altura, talvez fosse o medo da queda e não da altura em si. Este miradouro fica perto da minha antiga escola. Me lembro quando estava aqui com Inês, minha melhor amiga que devido a ter encontrado uma amiga melhor que eu me abandonou, inventou calúnias a meu respeito. Lembro quando ficávamos aqui depois das aulas conversando, foi das poucas pessoas que eu me abri mas mesmo assim não fui completamente honesta com ela, sempre usei a terceira pessoa com ela, dizendo " quase aconteceu algo a uma amiga minha" , era mentira não era uma amiga mas também não tinha quase acontecido… lembro quando vi uma aranha tigre neste mesmíssimo lugar.
Um animal colorido em que a sua teia é muito forte. Coloco as pernas na direção do mar me sentando completamente em cima do muro. Uma leve brisa, passa pelo meu corpo e sinto que se eu quisesse bastaria inclinar o meu corpo mas não. Após um tempo que não sei qual é de verdade, nem quero, me levanto e ando vendo de novo as ruas desertas, estou cansada, quase me falta o fôlego, mas eu preciso chegar perto do mar. Percorro a cidade vendo pequenos pontos de luz, de lojas fechadas, semáforos.
Antes mesmo de chegar ao mar eu encontro um parque onde crianças costumam brincar, sem pensar atravesso a estrada correndo sem olhar, e chego no outro lado. Me sento no baloiço balançando as pernas, me lembrando de um momento, não sei como me lembro era muito pequena só recordo da foto talvez a minha mente tenha criado o resto.
Estou numa feira com a minha tia, estou no seu colo, vendo os animais, sei que estou feliz como nunca estive antes ou talvez tenha estado, mas depois daquele dia, que não lembro o mês ou o dia certo, só lembro do que aconteceu e isso é o pior. Eu não consigo ter aquele sorriso que tinha naquela foto, eu não consigo viver bem, sabendo que parte de mim foi roubada naquele dia. Uma adolescencia que devia ter sido passada a brincar, a rir. Foi passada com dor, pesadelos e noites mal dormidas, com uma sensação de estar sendo observada em cada lugar e nunca ter sabido conseguir confiar em alguém de novo. Estou balançando de leve, querendo que aquela imagem fosse para sempre a minha melhor lembrança. Me levanto limpando de novo uma lágrima do meu rosto e percorro de novo a estrada.
Desta vez paro mesmo em frente ao mar. Começo a descer as escadas, primeiro passo pela rampa, íngreme e fico parada vendo 4 degraus grandes e altos que me separam do mar. Desço três e me sento no 4 ficando a olhar o mar. O bater das ondas. O cheiro a maresia. Passo a mão pela água sentindo a fria. Sinto que aquela frieza cada vez mais faz parte de mim. Me levanto ficando a pouco mais de uns passos do mar. Começo colocando um pé sentindo a água ensopando o meu chinelo, a minha meia. Coloco o outro sentindo exatamente a mesma coisa. Agora estou naquele patamar de cimento sentindo a água pouco mais que os tornozelos. Não tenho medo, sei que é o melhor para mim.
Caminho até à beira daquele patamar lentamente e observo o horizonte. Vejo um pequeno animal voando, talvez uma gaivota. Queria ser como ela voar, voar para bem longe...Me lembro do meu celular, o pego e começo digitando. " Quero que saibam que é o melhor para mim, não se sintam culpados, vos amo." O meu corpo treme ao eu escrever. Um sinal me alertando que não o devia fazer, mas o faço. Coloco o celular em cima do degrau mais alto onde sei que provavelmente a água não chegará tão rápido, dando a chance de alguém o encontrar. Volto de novo até ao final do patamar composto de cimento. Por instinto tapo o nariz ao mergulhar no mar. A água está gelada, o meu pijama grosso tende a afundar, tento nadar , me afastar de terra e por um tempo resulta me sinto longe, mal vejo os degraus já, o meu corpo quase congela. Fico ali boiando, sei que provavelmente morreria de hipotermia, mas prefiro ficar inconsciente. Mergulho sustentando a respiração, sei que em poucos minutos ficarei sem ar e não sentirei mais nada…
Afinal isto é apenas um sonho...
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