cicismo Cih Lumae

Ela tinha cheiro de rosas, um olhar intenso e o estranho hábito de chutar pedrinhas. Seu sorriso me fez perder a hora pela primeira vez, eu só não esperava no fim da história descobrir que ela estava morta desde o começo.


Fanfiction Impróprio para crianças menores de 13 anos.

#Sasusaku #Depressão
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Ela Nunca Disse

Todas as manhãs quando acordo, tomo meu café e assisto o noticiário, passei a sentir que o mundo é como uma grande bola massiva de confusão. Há coisas que podem ser evitadas, mas nós não percebemos com facilidade até que o universo nós dê um tapa bem forte para abrir nossos olhos.

Para entender esta minha conclusão cósmica, precisaremos voltar a exatos sete meses, duas semanas e quatro dias.

Naquela época acordava pontualmente às seis e quarenta da manhã, tomava um banho para espantar o sono e encarava meu armário procurando a roupa mais quente que tinha. Trabalhar no inverno nunca foi minha idealização na vida, mas tinha que pagar as contas de alguma forma.

E foi em uma dessas manhãs torturantes que eu vi ela. A estação abarrotada de pessoas seguindo seus respectivos rumos como formigas numa colônia era, sem dúvida alguma, um dos piores momentos do dia.

Parado a espera do metro deparei-me com uma figura baixa parada a minha frente comprimindo os olhos com força, aparentemente, tentando ler uma placa. Ela tinha olhos claros, muito claros. Seu cabelo coberto por uma touca grossa deixava alguns fios num tom semelhante a algodão doce, a mostra. E quando passou por mim aproximando-se da placa pude sentir seu perfume, ele lembrava-me rosas.

Vestida numa jaqueta surrada semelhante à de um militar e botas sujas de lama, aquela curiosa figura me despertou de devaneios aleatórios sobre o quanto odiava aquele lugar.

Sua presença era forte, intensa e instigante. Você deve estar se perguntando se foi amor à primeira vista, e lhe respondo com todas as letras. Não.

Eu lhe cutuquei o ombro dando-lhe um leve susto, ela me encarou por breves segundos e colocou as mãos nos bolsos do casaco camuflado.

Indagou-me se aquela linha passava próxima a certa universidade no centro, estava visivelmente sem graça, mas seu timbre era firme e um tanto melodioso. E a universidade citada não ficava longe dali, talvez uns doze minutos, ela se encontrava a duas paradas seguintes, a mesma que eu também descia.

Limitei-me a assentir e disser em qual parada ela deveria descer, vi seu rosto iluminar-se com um sorriso e unir às mãos a frente do rosto agradecendo. Agradeceu novamente ao notar o metro chegando, correu e no caminho vi algo se soltar de sua mochila. Um chaveiro com florzinhas. O peguei, mas a menina já não estava mais lá.

Vê-la foi um misto de curiosidade, e ódio. Por ficar alheio ao mundo ao meu redor para observar o que ela tanto parecia querer ler, o metro veio tão rápido quanto se foi. E por longos momentos me amaldiçoei por ficar tão hipnotizado pela presença da desconhecida, que acabei por chegar atrasado ao trabalho. E pela primeira vez senti na pele a pressão de ser chamado na sala do chefe.

Eu sei que não foi culpa dela, de forma alguma. Contudo como ser humano falho que sou, precisava de algo para colocar a culpa e a frustração.

Eu nunca redigi um texto com tanta demora quando naquela manhã, as palavras para meu artigo pareciam ter sumido completamente. Eu só conseguia levar meus pensamentos para como eu, até aquele dia, detestava os cheiros adocicados pela manhã, mas como repentinamente o odor de rosas passou a me parecer tão singelamente agradável.

Eu escrevo para viver, mas não precisamos nós aprofundar nesse detalhe, pois está história que venho lhe contar, não é sobre mim.

É sobre uma garota de cabelos coloridos perdida em uma estação, que tinha cheiro de rosas e amava seus coturnos sujos de lama. Cujo rosto passei as três semanas seguintes redesenhando em minha mente, eu desejei muito saber seu nome desde o dia em que a vi. Contudo a cada manhã que voltava para a estação e não a via em nenhum dos lados da plataforma, sentia meu desejo desfalecer aos poucos. O universo parecia querer-me ver agonizando até exatos dois longos meses passarem.

Era uma tarde de chuva quando deixei meu local de trabalho e caminhei pelas mesmas ruas habituais. Estava alheio ao mundo ao meu redor. Nunca gostei de dias de chuva, até aquele momento.

Estava prestes atravessar a rua para seguir para a estação, quando do lado oposto da rua um guarda-chuva gigante de arco-íris foi aberto. De dentro de uma lanchonete surgiu à figura que assombrava meus sonhos, com seus traços delicados e ar intenso.

A garota de cabelo rosa deixou o local caminhando sem pressa alguma pela calçada vazia, suas botas sendo molhados pela chuva logo começaram chicotear o asfalto a cada pedrinha que ela chutava.

Se eu estava seguindo-a para saber? Não, ela estava indo pelo mesmo caminho que eu a poucos metros a minha frente. Eu não preciso ser um médium pra saber que por notar tanto detalhes você esteja me achando um completo stalker esquisito. A verdade é que o meu trabalho me tornou uma pessoa observadora, que gosta de definir sensações e memorias. E esse dia me faz querer definir a chuva como um dia que cheira a terra molhada, rosas e me faz lembrar um guarda-chuva colorido sendo sacudido enquanto uma jovem caminha chutando inúmeras pedrinhas.

A menina parou virando-se na minha direção, apertou os olhos como se tentasse focar quem era e abriu um gigantesco sorriso. Fiquei estático, não era como se ela se lembrasse de mim.

Continuei caminhando e ao passar por ela senti meu braço ser cutucado.

— Não ignore minha existência, isso é falta de educação — Fui nocauteado outra vez por aquele timbre simpático e anestesiante de sua voz, virei-me dando de cara com seu olhar animado, notando um bico infantil se moldar em sua face.

— Desculpe, mas quem é você? — Soltei sem nenhuma rudeza em meu tom, mas segurando a vontade rir pela expressão que se formou em seu rosto.

— A pessoa que você andou procurando na estação — Lançou-me um olhar vitorioso, e soltou meu braço.

— Você deve estar me confundindo.

— O guardinha loiro da estação disse-me que um moreno de cabelo lambido andou perguntando de mim nas últimas semanas — Não deixava de ser verdade, há alguns dias havia perguntando ao tal guardinha se ele havia visto alguma garota de cabelo rosa —, ou ele mentiu pra mim?

— Er... Na verdade ele foi bem sincero.

Tirei minhas chaves do bolso lhe devolvendo o chaveiro de flores, e seu sorriso só não foi maior que sua face. Naquela tarde de chuva, após ser abordado por uma total desconhecida, descobri seu nome. Sakura era como a flor da qual seu nome vinha, combinava tanto quanto seu chaveiro. E aquele objeto tinha tantas histórias quanto sua dona.

A Haruno fez-me leva-la para um café no caminho da estação e eu tenho certeza que nunca vi uma pessoa rir tanto contanto sobre coisas triviais como ela.

Tão cheia de vida, tão alegre, dona de uma risada contagiosa e o tipo de pessoa que não deixava a conversa morrer. Trocamos nossos números de telefone, e ela se mostrou tão boa para se conversar pessoalmente quanto virtualmente, o tipo de alguém que temos vontade de levantar pela manhã e logo ser o primeiro a ligar para desejar um bom dia.

Só que com os passar das conversas, saídas ocasionais para um café quando nos esbarrávamos e á proximidade, acabei por descobrir que seu olhar não era tão feliz quanto parecia.

A garota de madeixas coloridas tinha marcas profundas nos pulsos, coisa que só fui notar em uma tarde de sábado, extremamente quente, em que havia lhe convidado para ir ao cinema.

Se perguntada sobre o assunto ela se esquivava com maestria, e quando toquei seu braço para lhe segurar a mão, ela recuou acuada pelo meu ato. Contato físico não era uma coisa que a menina era muito fã.

Ela uma jovem fotografa promissora, de visão de mundo única e de risada espetacular tinha depressão. O motivo fez meu estômago revirar, ter vontade de coloca-la em meus braços e dizer que tudo ficaria bem, mas não ficaria de verdade. Ela havia sido violentada quando mais nova, e isso a marcou de tal forma que as cicatrizes dos dias de pesadelo marcaram-na profundamente no corpo e alma.

Foi com o tempo que percebi que ela vivia uma vida de fases, em seus melhores dias ela sorria tornando-se o arco-íris na vida das pessoas, em seus piores dias tinha olheiras profundas e suas blusas chegavam a marcar suas próprias costelas de tão magra.

Eu passei a ama-la, mas eu não sabia como lidar com essas fases. Na vida não existe manual pronto para te ensinar nada, especialmente, a cuidar de alguém que já está aos pedaços. Você não sabe qual pedaço tenta cuidar primeiro.

E foi assim que chegamos numa outra ocasião de chuva, mas precisamente uma madrugada às três e quarenta da manhã em que bateram na minha porta.

Não era ela, mas sim um policial. Meu celular estava no modo silencioso e eu dormia profundamente desde que chegará do trabalho.

Eu fui à última pessoa que ela ligou, e deixou um recado. Suas palavras foram curtas, mas pesaram como uma rocha.

"Você coisou meu coração, obrigada por existir."

Não houve carta, não houve choro, não houve gritos. Só houve ela, uma madrugada de chuva e o peso de seus próprios demônios. Eu amei uma mulher que nunca nem sequer beijei, ou pude dizer meus sentimentos.

Ela estava logo ali, mas ao mesmo tempo estava bem mais longe que isso. E mesmo que ela não tenha me dito adeus, eu demorei a notar que desde o início dessa história ela já estava morta desde o principio.  

26 de Fevereiro de 2018 às 20:00 3 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

Cih Lumae Neutro, design e café.

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amy ! amy !
Uau! Incrível! Estou sem reação...Voce escreve muito bem ^-^
July 11, 2018, 21:02
Karimy Lubarino Karimy Lubarino
Eu gostei demais do desenvolvimento do conto. Infelizmente nem todas as pessoas conseguem lidar com os horrores do mundo, da vida, e, verdade mesmo, quando conseguem prosseguir, o fazem como se mais nada houvesse sentido. O que é uma pena. Ela poderia ter sido amada de verdade. Foi, aliás.
July 07, 2018, 14:20
Ana Vitória Santos Ana Vitória Santos
Finalmente encontrei algo aqui!!! KkK você escreve bem
February 26, 2018, 21:42
~

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