.$l+ow* Kim Golden

Uma guerra, sem motivos aparentes, iniciou-se entre a coroa sangrenta e a coroa invernal. Viktor Nikiforov era um soldado covarde, que pôs a sua vida em primeiro lugar e fugiu da batalha, acabando nas garras do rei inimigo; completamente sem escapatória. Sentiu a voz aveludada alheia inundando os seus ouvidos, antes de ser completamente tomado pela maré escarlate das orbes sanguinárias. |King!Au|


Fanfiction Para maiores de 18 apenas.

#Drama (Tragédia) #Fantasia #Ficção #LGBT #Magia #Misticismo #Slash #Universo Alternativo #Violência #Drama #literatura fantastica #Alternative Universe #Homossexualidade #King!au
Conto
5
8.2mil VISUALIZAÇÕES
Completa
tempo de leitura
AA Compartilhar

Inverno

Sentia os joelhos ardendo, ainda que estivessem dobrados de maneira nada gentil sobre a seda que cobria o chão. Os olhos transbordavam, de dentro para fora, exteriorizando o pavor que tomava cada parte de si. O sangue escorria por entre as paredes, profanava o ouro e tornava a prata num escarlate intenso. As mãos tremulavam nas amarras, enquanto encarava a própria espada jogada num canto qualquer. Sobre corpos decepados. A garganta implorava por água, incendiando a cavidade por completo e fazendo, de si mesmo, um inferno. Estava sozinho na sala do trono. Ajoelhado perante o rei que desconhecia a face. Era inimigo, era soldado de baixo escalão. Morreria enforcado pelas mãos enluvadas.

Encarou as cortinas negras, que barravam qualquer ponto de luz. Não tinha ideia de que dia era ou, ao menos, do horário. Estava desnorteado, fraco, um verme em seus trapos. Não haviam armaduras, medalhas, informações ou metais em si. Por que estava naquele lugar? Queria gritar, desejava poder respirar sob o lustre majestoso. Clamaria pelos deuses, se não houvesse sido deixado na mão. Por que o lustre não caía sobre si? Por que não morria como os outros? Almejava a morte na guerra, mas temia o destino que teria. Pior que morrer, diziam as boas línguas. Tentou desatar-se dos nós; em vão. Tentou agarrar qualquer arma; falha. Tentou impulsionar-se e levantar; estava acorrentado ao chão. A dor não poderia ser evitada. Estava com medo. Extremamente atordoado. Enjoado pelo odor metálico. Cansado das lutas. Desprovido de vigor.

Os gritos ecoavam em sua mente. A criança que matara. A que empunhava um punho de ferro. A que chorou. A que clamou pelos pais. A que teve a cabeça rolando sobre o solo. Enojado. Apavorado. Preso. Destinado. Doente. A respiração nada ritmada tornou-se anormal. Animalesca. Encarou os próprios fios brancos caindo-lhe à frente da visão. Derramou lágrimas sobre a seda. Encolheu-se sobre os joelhos. Amaldiçoou-se em pensamentos. Deveria ter procurado pela sabedoria. Deveria saber quem era o legítimo da coroa de sangue. Deveria ter infiltrado-se naquele reino impuro. Deveria conhecer a face repugnante do prometido ao governo. Deveria ter contrabandeado informações quando teve a chance. Nada passava de um reino para outro. Ninguém conhecia os reis de outros reinados se não atravessasse suas fronteiras. Deveria ter morrido antes. Como um soldado. Um soldado simples, mas um soldado. Correu. Se escondeu. Acovardou-se. Caiu nas garras do rei daquele lugar. Doce destino. Pura agonia. Tremia ainda mais. Chorava copiosamente. Tentava tocar seu próprio corpo. Precisava saber que estava ali, que estava inteiro. Sob um lustre de cristais. Sob um trono de pedras preciosas. Sobre o reino de um rei com uma coroa de sangue. Só precisava chegar ao seu trono. Ao coração do homem que estava em algum lugar daquele castelo. Queria sair vivo. Queria respirar. Queria se entregar. Precisava da redenção. Da salvação de um homem que sequer conhecia. Da piedade de um rei sanguinário.

Ouviu os saltos sobre o mármore. Viu a seda sendo arrastada. O sangue gotejando. O vento que entrava por entre as portas. Sentia o frio tomando o local. O peso da coroa de sangue. Do rei. De seu egoísmo. Tremeu, pronto para implorar. Reverenciou. Observou as botas negras, com seus adornos avermelhados. As vestes escuras, dignas de realeza. Suas mãos foram desamarradas de forma abrupta. Acariciou os pulsos que tomavam um tom arroxeado. Hematomas. Apoiou-se sobre as palmas, dando um descanso aos joelhos.

— Já podes levantar-tes daí, escória. — A voz aveludada proferiu, de forma clara. Viktor levantou. Fraquejou. Manteve-se em pé, entretanto, a cabeça continuava abaixada. Sua face focalizava completamente o chão.

— Deixe de formalidades, verme. Encare-me, se fores homem o suficiente para tal. Tu és dos piores tipos. Queres redenção quando não a mereces. Posso garantir-me, pelo teu olhar, que já até pensastes em ocupar um lugar próximo ao meu trono. Faça-te suficiente para si mesmo, meu caro. Depois pense que podes ser útil para mim. — Viktor levantou o olhar. Era um covarde dos piores. Não deixaria-se abater em frente a um rei.

— Eu sou suficiente para mim mesmo. Sempre fui. A diferença é que penso na sobrevivência como algo essencial. Escolhi não ignorar meus instintos primordiais. Você nasceu com a coroa sangrenta sobre a cabeça. O que espera de alguém que passa fome, Rei? — Encarou os traços bem desenhados do monarca, observando seu completo desdém. Uma gargalhada fria cortou o ambiente, reverberando pelas paredes manchadas. Completo escárnio. Colocando-o em seu lugar. Era fraco. Um verme. A escória. Não deveria portar-se de tal forma.

— Se tu prezas tanto pela tua própria sobrevivência, diga-me o motivo pelo qual se impôs a um rei. Eu conheço os teus pecados, fugitivo. Se bem que tens um belo rosto, digno de uma coroa. Seria desperdício morrer para ratos, não? — O rei suavizou a expressão, estendendo-lhe uma das mãos: enluvada. Observou, agora, mais claramente, os guardas armados em cada um dos cantos da sala do trono. Não recuou. Sabia que morreria caso não obedecesse. Calado. Tocou a mão alheia, de forma leve. Não correria mais riscos. Não tocaria na epiderme imaculada.

— Queres conhecer o motivo por estares aqui, Viktor? Posso lhe contar tudo o que desejas saber. Sobre quem tu és, sobre o que quiseres saber. Meu protegido. — Sentiu quando o outro puxou sua mão rente ao nariz. Sentiu a língua alheia. Lambendo o sangue. Lavando-lhe a alma. Encarou-lhe em descrença. O rei tinha belos olhos. Lembravam-lhe o escarlate que corria por suas veias. Assentiu com um leve aceno, deixando que o outro o arrastasse para onde quer que fossem. Não tinha escolha.

Sentiu quando seu corpo foi impulsionado a sentar-se sobre uma poltrona. Havia chá na mesa à sua frente. As cortinas avermelhadas estavam abertas. O alvorecer despencava no céu. Tudo parecia sanguinário demais. Escarlate demais. Insano demais. Sua mente já havia se estabilizado. Estava nervoso, entretanto, conseguia pensar com clareza. Parecia que tudo estava mais limpo agora. Suas roupas. Seu corpo. Seu ser.

— Tenho algumas perguntas a fazer, Viktor. Primeiramente, quero que diga o motivo pelo qual não assumiu o reino. O teu reino. — O rei sussurrou, raspando os dentes pelo seu pescoço. Sentia as mãos alheias passeando pela sua cintura.

— O meu reino? Me desculpe, deve ter me confundido. Sou apenas um soldado inimigo, lutando a guerra que você começou. — Viktor respondeu. Não fraquejaria. Recusava-se, agora, com a mente sã, a abaixar a cabeça para qualquer um. Nunca foi de reverências.

— Não lembras de quando éramos mais novos, meu protegido? Contei-lhe que iria governar com a coroa sangrenta, e prometi, à você, o trono pertencente à coroa invernal. Ele sempre foi teu por direito, Viktor. Tu tens os olhos gélidos, a epiderme tão pálida quanto neve. O sangue azul corre pelas tuas veias. — O rei apalpava cada parte de seu tronco, descendo até as coxas e voltando. Sentia saudades de tocar o corpo do antigo amante.

— Yuuri. O rei tão temido. O tirano dos tiranos. — Viktor revirou os olhos, estapeando a mão do outro. — Me deve explicações, não? Éramos adolescentes. Você fez promessas idiotas, dignas de descrença, e depois partiu. Me deixou para morrer de fome naquele lugar. Esteve aqui por todos esses anos, seu desgraçado? Que história é essa de rei? Diga-me, como isso aconteceu, Yuuri? Quem é você, droga?

— Eu avisei que tomaria a coroa antes de partir, Viktor. Alertei-te sobre teu lugar ao trono. A rainha que governa o teu reino é uma impostora. Tu desconfiastes de minhas palavras, e tive de iniciar uma guerra para trazer-te para cá. Ainda és meu, protegido? — Yuuri serviu duas xícaras com chá, levando sua própria aos lábios e sorvendo um pouco do líquido. O único culpado naquela sala era o antigo amante, que não confiou em seus dizeres. Enquanto o outro esgueirava-se por alimento, o rei tomava seu lugar ao trono. Era assim que as coisas funcionavam por ali. Quatro pessoas, nascidas com características físicas únicas e objetivas, tinham seus lugares reservados nos quatro tronos. Yuuri nascera com as excêntricas orbes escarlate. A coroa sangrenta era, por direito, sua. Entretanto, Viktor não costumava acreditar nessa insinuação impensável de características únicas. Para ele, as coisas funcionavam como eram contadas aos povos: a coroa era passada de geração em geração. Uma mentira descarada.

— Não sou mais seu a partir do momento em que me deixou para morrer! Eu achei que você estava em uma vala qualquer, Yuuri. Com a simples promessa de um reino. Aliás, como veio parar aqui? Não acredito nessa história de destino que você sempre me contou. Os deuses nunca ouviram minhas preces. Não acreditarei em suas profecias.

— Os deuses não ouvem aqueles que são amaldiçoados, meu caro. O peso de uma coroa nunca foi uma benção. Só encontrei-te por uma profecia que fora passada para mim por um sonho, a muitos anos. Mas isso não aconteceu para ajudar-me e, sim, para que o poder real fosse restaurado. — Yuuri levantou, ainda com a xícara em mãos, e pôs-se a caminhar até uma caixa de vidro com travas de diamantes vermelhos. Quando tocou o recipiente, ele abriu-se de forma imediata, e o rei, pôde, enfim, segurar sua coroa. Colocou-a sobre os cabelos negros, e as pedras avermelhadas mais raras que o mundo já conheceu iluminaram-se de forma sobrenatural. Virou-se com graciosidade até Viktor, voltando ao lugar de que partira e deixando a xícara, já vazia, sobre a mesa.

— Acredita em destino agora, meu protegido? — A voz do rei soou de forma mais madura. Yuuri ficava, de forma extrema, muito mais amedrontador com a coroa sangrenta adornando-lhe os fios escuros. — Tu podes retomar o trono para si, ou manteres a tua promessa de casares comigo. Lembras de quando dissestes que seríamos nós, a água e o sangue que lavariam as cabeças dos pecadores? Sei que não levou à sério, entretanto, eu levei. Inundei a mente dos que se opuseram com aquilo que melhor me representa. Me tornei o que sempre fui. Um sanguinário.

— Não quero nada disso para mim, Yuuri. Nenhuma das alternativas me atrai como deveria. Não desejo poder, nem o seu amor quebrado. Lave seu próprio psicológico, desgraçado. — Viktor proferiu cada palavra como se facas rasgassem-lhe o peito. Ele sempre tivera o desejo de ser grande, e esteve muito ocupado amando Yuuri para procurar novas paixões. Desejava seu amor profano. Desejava o próprio poder acima de tudo.

— Então tomaremos os dois. Esqueceu-se que sei ler tuas emoções? Você é, para mim, tão límpido quanto a água que verte sob o solo. Ah, meu protegido, não sabes o quanto esperei para ter-te em meus braços novamente. Amo-te de forma genuína, e tu sabes disto. E tu gostas disto. Colocaremos a coroa invernal na tua cabeça, em frente ao reino todo, e provaremos quem tu és de verdade, herdeiro da invernia. Depois, farei com que viole cada parte de mim novamente, e unificaremos os reinos. Seremos os mais poderosos. É isto que desejas, não? — O rei riu abertamente da face chocada do outro. Sabia que, mesmo implicitamente, o amante havia aceitado ambas as propostas. Os profundos olhos azuis não eram capazes de deixar lacunas em branco.

— Tentarei, primeiramente, exigir a coroa de forma pacífica numa reunião. Dentre as quatro coroas, a sangrenta é a que domina mais territórios e, com certeza, a que possui mais poder e influência. A rainha sabe disso. Todos sabem. Se ela recusar-se, teremos consciência de que é egoísta e mais indigna ainda de governar. A punirei com a morte, meu protegido, e tomarei o reino inteiro para você. — Yuuri segurou a mão de Viktor, depositando um breve selar na epiderme que, mesmo com os trabalhos manuais sob o Sol, permanecia esbranquiçada e intacta. Suas características eram impossíveis de serem apagadas ou substituídas. O herdeiro legítimo nunca perderia a majestade.

— Eu senti tanta falta de você, meu querido rei. — Viktor sussurrou, fitando o sorriso malicioso alheio. As borboletas em seu estômago denunciavam que, mesmo tendo seus vinte e três anos, continuava agindo como um adolescente estúpido perto do outro. Era completamente entregue à Yuuri. A presença alheia causava um efeito exorbitante em si. Sentia a luxúria correndo por todo o seu corpo. Inevitável. Havia caído na armardilha.

— Convocarei as três coroas amanhã. Banhe-se, vista-te como um rei e descanse. Tu parecias-me atordoado quando chegou, então, aproveitei para eu mesmo cuidar dos teus ferimentos. Não deixaria que outros o fizessem em meu lugar. Venha comigo, Viktor. Levarei-te até nossos aposentos. — Yuuri levantou-se, mais uma vez, estendendo a mão para o outro. Dessa vez, Viktor aceitou de bom grado, com o peso da morte sendo retirado gradativamente de seus ombros. Estava à salvo, por hora.

Passaram por extensos corredores, subiram escadas em espiral e, enfim, chegaram a uma das torres do castelo. Não havia nada lá, além de uma grande porta de madeira que, aparentemente, levaria até o quarto de Yuuri. Na última vez em que esteve num cômodo correspondente junto do outro, havia apenas palha empilhada sobre a terra. Foi a primeira e última vez que amaram-se até o amanhecer. Cada toque incerto estava marcado em sua mente à ferro. As lágrimas de dor alheias. Os seus gritos de prazer. Mesmo sendo atrapalhado, era perfeito de uma forma que apenas eles sabiam. Foi como a união de duas almas, e Viktor ansiava pela noite em que teria o outro para si. Yuuri puxou, de dentro das vestes, um cordão que continha uma chave dourada pendendo na ponta. Encaixou a chave na fechadura, empurrando as portas e adentrando o cômodo. Viktor parou por alguns segundos — tempo para que o outro trancasse a fechadura novamente —, apenas observando a majestosidade do local. O teto era pintado para parecer um céu aberto. As paredes, variavam entre o preto elegante e o vermelho sádico, assim como o resto do quarto todo. Focou a visão na cama grande demais, que poderia, facilmente, abrigar quatro pessoas sem problema. Imaginava o quão solitário era deitar-se ali, sozinho.

— Siga pela porta da direita. Não tranque-a, levarei suas roupas e sua toalha. Depois, podes dormir o quanto desejar, ainda tenho assuntos a resolver. A guerra será parada, até segundas ordens. Se a rainha for contra reivindicar o trono, invadirei suas fortalezas internas e exibirei sua cabeça decepada pela minha espada como prêmio. Que tal? — Yuuri sentou-se sobre a cama, com o mesmo sorriso sacana adornando-lhe os lábios. Ainda que negasse às vezes, adorava usar a força que tinha contra os mais fracos que insistiam em desafiar-lhe. Ele era o rei. O herdeiro da coroa sangrenta. Aquele que, em poucos anos, fez os outros reinos decaírem e tomou o poder para si. Ele era o mais cruel, o mais impassível e, sem dúvidas, o mais inteligente. Ninguém mais tinha a coragem de desafiar suas virtudes.

Viktor dirigiu-se a passos lentos até o banheiro da suíte, despindo-se com calma. Sentia os tecidos manchados resvalando por seu corpo antes de irem ao chão. Não estremeceu. Não costumava sentir frio. Andou até a banheira, que continha água morna e alguns sais de banho. Sentou-se sob a água, gradativamente, deixando o corpo afundar até o pescoço. Traçou caminho dos ombros até as pontas dos dedos. Acariciou as próprias pernas e dedilhou a barriga. Gostava da sensação. Trazia-lhe um certo conforto.

Passados vinte minutos, Yuuri adentrou o banheiro, levando, consigo, uma toalha de banho seca e uma muda de roupa confortável. Viktor tinha o olhar perdido nos azulejos das paredes, mas, logo o voltou para o outro, que estava sem sua coroa e com um pijama simples. Isso fazia-o recordar sobre o passado. O passado que os dois dividiram num lugar simples. O de cabelos esbranquiçados levantou-se da banheira, estendendo as mãos para pegar a toalha, mas foi surpreendido quando o outro começou a passar a toalha pelo seu corpo desnudo, secando-o por inteiro. Corou levemente com a ação repentina. O rei nunca deixaria de surpreendê-lo nos momentos mais inesperados. Apoiou-se no outro enquanto era vestido. Yuuri sabia fazer aquilo como ninguém. Cresceu para ser escravizado por famílias ricas, não para governar um reino, ainda que fizesse os dois com maestria. O homem transformava tudo o que tocava em arte.

— Obrigado, Yuuri. — Arriscou-se, deixando um leve selar nos lábios entreabertos do outro.

— Que tipo de noivo eu seria se não auxiliasse meu protegido? — Yuuri enlaçou-lhe a cintura, aspirando o cheiro de seus fios recém lavados. Lembrava-o os invernos que passara ao lado do outro, procurando abrigo por entre as vielas. Qualquer herdeiro à coroa não nascia de uniões humanas, e tinha a proteção dos deuses até que assumisse seu lugar ao trono. Seria muito trabalhoso aos seres celestiais produzirem outro herdeiro. Nenhum dos dois tinha família, e foi isso que os uniu no início. O medo da solidão que assolava seus corações impuros, mas tão imaculados.

— Um péssimo noivo, meu prometido. — Viktor sussurrou o apelido muito ignorado por si nos últimos anos. Costumavam se chamar por apelidos um tanto quanto incomuns, o que fazia, deles, peças únicas numa coleção de iguais. Colocou as mãos sobre os ombros alheios, entrelaçando-as atrás do pescoço do rei. Retribuiu o abraço, deixando-no se aninhar contra seu peito. Haviam muitos anos que o reino não tinha um dia regado de paz como aquele. O vermelho do sangue parou de ser, por um momento, sinônimo de morte. Significou amor. Os sentimentos do rei corriam pelas raízes do local, acalentando os corações dos que perderam os familiares na guerra. Tudo parecia certo e, apenas naquele dia, todos dentro da fronteira governada pela coroa sangrenta pararam de lutar. Pelo o restante da tarde e por toda a noite, dormiram mais leves.

Na manhã seguinte, Yuuri despertou cedo e, por mais que quisesse permanecer um pouco ali, sabia que tinham obrigações a cumprir. Acordou Viktor com um selar na testa, observando os olhos azulados abrindo-se. Era como se pudesse afogar-se naquela imensidão. Logo, tratou de retomar a postura que deveria manter. Agora, era o rei mais temido nos quatro reinos, e deveria agir como tal.

— Chamarei uma das criadas para auxiliar-te com as vestimentas. Esteja apresentável na sala do trono às seis e quarenta em ponto. Fui claro? — Yuuri proferiu, saindo da comodidade dos lençóis. Viktor fitou o outro, surpreendendo-se ao ver o mesmo recipiente de vidro que vira no dia que se passou, entretanto, dessa vez, estava encostado numa das paredes do quarto, sobre um pedestal de madeira.

— Entendi. — Estava prestes a perguntar se deveria mesmo comparecer, mas percebeu que seria burrice da sua parte. Se Yuuri exigiu sua presença, deveria estar lá no horário. Depois de cerca de cinco minutos, uma mulher de estatura baixa e sorriso caloroso adentrou o quarto, encarando-me com afinco.

— Ela é uma das que mais confio por aqui. Tu estarás em boas mãos, meu protegido. — O rei bagunçou propositalmente seus cabelos, saindo do cômodo. Viktor percebeu que, mais uma vez, o recipiente de vidro que guardava a coroa havia movido-se de lugar. Era real.

— Vamos começar pelas roupas, sim? — A mulher questionou retoricamente, puxando, de um guarda-roupa enorme, uma vestimenta digna da realeza. O traje era completamente branco, com alguns desenhos que representavam a coroa invernal bordados sem muito destaque. Uma longa capa alva estava posta sobre as roupas, e Viktor ficou maravilhado, ainda que não tenha demonstrado. Despiu-se novamente; não tinha vergonha de mostrar seu corpo, quando não haviam falhas nele. Em poucos minutos estava pronto, e deixou que um sorriso nascesse em seu rosto juvenil ao encarar-se no espelho. Sentia-se belo. Sentia-se poderoso. A mulher fez-lhe uma breve reverência, dando as costas a Viktor e indo em direção à saída.

— Obrigado pela ajuda. — Agradeceu, de forma sincera.

— Não tem de quê. Se precisar de algo, pode me chamar, criança. — Proferiu, de forma maternal. Raramente recebia reconhecimento por algo, ainda que nunca se cansasse de ajudar um de seus meninos. Viktor sentiu-se acolhido. Gostava disso.

Checou o grande relógio posto em um dos corredores. Faltavam cinco minutos para a reunião começar. Havia errado o local, pelo menos, três vezes, o que ocasionou em muitos problemas para si. Orava para que, daquela vez, fosse o certo, porque não teria como não atrasar-se se errasse mais uma vez. Deveria ter pedido ajuda à mulher quando teve a chance. Andou por um tempo, enxergando claramente a porta pela qual passou no dia anterior; aquela era a sala do trono. Chegou, exatamente, quando o relógio bateu as seis e quarenta, suspirando aliviado ao ver Yuuri parado ao lado de uma das cadeiras. As outras três eram ocupadas por duas mulheres e um homem, tendo coroas de diferentes cores e modelos sobre suas cabeças. Yuuri também usava a sua, imponente como o rei que era. Só havia um lugar vago: à direita do homem que possuía a coroa sangrenta. Viktor andou calmamente até lá, tendo a cadeira puxada por Yuuri para que sentasse. Quando arrumou-se devidamente, o amante acomodou-se ao seu lado.

— Acho que todos sabemos o motivo pelo qual nos reunimos aqui. O herdeiro da coroa invernal retornou, e desejo entregar-lhe o que é seu por direito: o trono de um dos grandes reinos. Estou disposto a permitir que a coroa seja passada por Vânia de forma pacífica. Se isso não for aceito, juro que terei a cabeça da falsa rainha como prêmio e exibirei sua fraude ao reino. Acabarei com o pouco que ela construiu em um dia sem nem sair de meu escritório, e farei seus cidadãos sofrerem por sua afronta. Diga-me, Vânia, aceitará minha proposta? Ainda deixarei-te partir com uma boa fortuna, então, aproveite, filha do moleiro. — Yuuri proferiu cada palavra sem exitação, apenas aguardando a resposta ou a sentença de morte alheia.

— Rei da coroa sangrenta, Yuuri Katsuki, eu recuso sua oferta de paz. Ainda que eu não seja a herdeira dos deuses, construí uma nova história àquele reino, tudo com o meu suor e tempo. Não entregarei meus esforços a um qualquer. Lutaremos até o fim dos tempos, meu caro. — Yuuri e Viktor entreolharam-se, rindo internamente com a petulância alheia. Yuuri levantou-se calmamente, estendendo a mão para Viktor, que entregou-lhe uma espada de diamante cravejada por rubis. Num movimento, a cabeça de Vânia rolou pelo salão, parando próxima à porta depois de alguns segundos. Viktor andou lentamente até ela, arrancando-lhe a coroa da cabeça e pondo em sua própria. As joias emanaram um brilho cegante: a coroa estava presa a um novo e legítimo herdeiro. Seu lado divino havia despertado. Não havia mais piedade em suas geadas.

— Precisavas de tanto, Katsuki? Por que tu insistes em dar-nos um show sempre que nos dispomos a vir para cá? — Phichit Chulanont, o herdeiro da coroa estrutural, questionou. Ele era o responsável pela natureza; pela vida. Era normal que sempre fosse contra as atitudes da coroa sangrenta, ainda que, bem lá no fundo, concordasse com algumas delas.

— Foi um belo espetáculo, Phichit. Admita. Poupou muitas das vidas inocentes. Sabemos o que a coroa sangrenta faz, não? Está bem explícito. — Christophe Giacometti, o herdeiro da coroa libidinal, argumentou.

— Concordo com Chris. Yuuri agiu bem ao matá-la. Era só uma humana, intervindo no serviço dos deuses. “Não há perdão para aqueles que se opõem à coroa sangrenta”. — Sala, herdeira da coroa retida, pontuou. Sempre confiava nas escolhas de Yuuri.

— A coroa sangrenta e a coroa invernal irão unir ambos os reinos, assim, unificando-os em um só. Nosso reinado será o mais próspero da história, e estamos prontos para melhorar a vida de cada ser humano equilibrando nossas forças. Contamos com a aprovação de vocês, ainda que, sem ela, não desistiremos do nosso objetivo principal. Com isso, finalizo a reunião de hoje. — Yuuri foi direto ao ponto, esperando não ser questionado. Estaria disposto a matar cada um ali e acabar com o equilíbrio mundial, apenas para reinar ao lado de um homem digno de sua própria grandeza. Virou as costas, partindo em direção ao exterior do grande castelo. Viktor estava em seu encalço a cada passo. As botas de ambos faziam uma bela sinfonia quando juntas.

Cercados por soldados, marcharam até o reino vizinho, ainda que Viktor tivesse se cansado um pouco pelo fato de não estar habituado àquilo. Quando puseram os pés no castelo da coroa invernal, foram reverenciados profundamente pelos guardas do local. O rei real retomaria o controle, afinal. Providenciaram a arrumação rápida de um palco na praça principal do reino, exigindo a presença de todos, com pena de morte àqueles que ignorassem o chamado. A coroa sangrenta não seria ignorada por ninguém que prezasse pela vida.

Não demorou muito até o local estar lotado, tendo pessoas machucadas por outras que não perderiam a oportunidade de ficar aos pés de dois reis por nada. Estavam sendo todas influenciadas pela áurea sanguinária de Yuuri, que ria a cada gota de sangue derramada no reino. No momento, os seus guardas revistavam as residências em busca de incompetentes, que temiam o controle mental que tinha sobre os inferiores. O rei da coroa sangrenta podia sentir a morte pulsando mais viva do que nunca em suas veias. Podia sentir, também, o líquido escarlate manchando o chão.

— Foi isso que fiz à sua falsa rainha. Ela se opôs a ceder o trono ao herdeiro, e foi castigada. Considerem isso como um aviso: não há perdão para aqueles que se opõem à coroa sangrenta. — Yuuri levantou a cabeça decepada de Vânia, exibindo-na como uma conquista. O povo vibrou. A presença de Yuuri fazia isso com as pessoas.

— Agora, eu assumirei o trono e, como minha primeira ação no poder, unificarei os reinos, juntamente com o rei da coroa sangrenta. Será um novo e próspero reinado, que beneficiará ambas as partes. Espero que apreciem os frutos que colheremos futuramente. — Yuuri enlaçou a cintura alheia de modo possessivo, encarando algumas faces perdidas entre a multidão. Questionava-se sobre o futuro. O que a união de seres tão poderosos causaria ao equilíbrio universal? Ele, certamente, pagaria para ver.  

26 de Fevereiro de 2018 às 04:01 0 Denunciar Insira Seguir história
0
Fim

Conheça o autor

Kim Golden Pra cima de muá? Jamé, mané.

Comente algo

Publique!
Nenhum comentário ainda. Seja o primeiro a dizer alguma coisa!
~