Numa melancolia de terça-feira, fração de mim mesmo parece jogada aos cantos, colhendo o fel plantado à tanto. E a anamnese de nós fere, por ser tão distópica a ponto de sucumbir como vidraça.
Eu sorvo meu café amargo, apreciando a dose de exílio trivial que invade meus vasos sanguíneos, subindo ao cérebro e fazendo, do meu peito, moradia fixa às margens de um afluxo instável. Porque é exatamente nisso que me tornei: um mar de incertezas, ambiguidades e irresoluções, como se a oscilação fizesse parte de quem eu sou, e obliterasse quem já fui. Ser confuso nas nossas quimeras era minha especialidade, mas quando isso deixou de ser trivialidade meio aos devaneios, não soube me atar a algo resguardado como você fez. E hoje, o nau que acondiciona meus sentimentos está inerte numa ilha qualquer, ansiando pelo ruído das tuas botas sobre meu cerne.
Ainda me pergunto quando foi que você nadou ‘pra longe; quando foi que meus dedos não mais alcançaram as constelações dos teus quadris, e pararam de resvalar nos teus lábios enquanto você sorria. Porque, sabe, o fulgor do teu riso era o que costumava alumbrar minhas noites caóticas e regadas à álcool. A vastidão das tuas orbes esverdeadas foi minha redenção.
A gente discutia pra caralho, e eu sei disso. Teu gênio forte nunca foi muito de compactuar com meu remanso corriqueiro, mas foi isso que me atraiu em você: o que nunca houve em mim. De desalento eu sempre transbordei, mas, ao teu lado, passei a ver essa porra toda de uma forma mais positiva. De uma forma suportável. E eu juro que esperava passar o resto dos meus dias contigo, recebendo desse mormaço que você tanto difundia. Mas o teu cerne já não era mais meu lar a muito tempo; tuas curvas não abrigavam mais meus pesares. E eu sinto tanto.
Costumo me perguntar como você está. Porque eu sei que te arrastei comigo ‘pra essa fissura amarga. Sei que te fiz encher a cara por desilusões. E foi anedótico, até eu perceber que tudo aquilo ‘tava te fazendo desmoronar aos poucos. A única coisa que me consola quando paro - todos os minutos - ‘pra rememorar nossa ruína, é que você conseguiu partir antes de ser engolido pela sua própria sombra. É isso que acontece aos solitários: tornam-se fugitivos de si mesmos na caligem, sobre os muros quebrados, cigarros pisoteados e sob o lampejo tênue de uma lua que nem ao menos enxergam meio ao clamor. É isso que acontece àqueles que vivem sem amor, Yuri: ferem-se com seus próprios acúleos.
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