Há quase um século atrás, quando a pequena cidade de Moonlight Falls havia acabado de ganhar sua própria independência, viveu uma garotinha, de pele tão branca quanto à neve, cabelos longos e negros como noite e olhos violetas. Seu nome era Grace O'Neill. Era uma menina muito doce e amada pelos moradores da classe social onde vivia.
Ela era uma garota sonhadora e muito talentosa, seu maior sonho era ser violinista. Porém, seus pais, trabalhadores humildes, não tinham condições suficiente para comprar o que tanto sua filha almejava, e se sentiam tristes por não dar esse presente a ela. Grace entendia que sua situação não era a das melhores, então não insistia mais para ter o tão sonhado violino.
Sempre quando voltava da escola, ao invés de ir direto para casa ela ia para a escola de música que ficava na parte mais nobre da cidade naquela época e espiava pela janela as crianças privilegiadas tocarem as melodias. No centro da sala, sempre ficava uma moça muito bela, de pele morena, cabelos longos e levemente cacheados, castanhos, e olhos da mesma cor e que sempre vestia um vestido longo de ombros caídos na cor verde escuro e um espartilho preto, e usava um pequeno chapéu da mesma cor do vestido. Todos a chamavam de Senhorita Henrietta.
— Muito bem, minhas crianças! Estão indo cada vez melhor! — dizia Henrietta, enquanto regia a orquestra com muita graciosidade e beleza, o que fazia a pequena suspirar pela janela, sonhando poder estar ali no meio das outras crianças e poder tocar juntamente com Henrietta — Meus queridos, por hoje a aula chega ao fim, amanhã quero mais emoção, ouviram bem?
— Sim, senhorita Henrietta! — diziam as crianças em coro, guardando os instrumentos e indo em direção à saída, assim fazendo a pequena Grace ir embora também, cantarolando a música e tocando um violino imaginário, enquanto os adultos que passavam por ela achavam bastante estranho.
★★★
Ao chegar sua casa, encontra um bilhete, assinada por seus pais dizendo que voltariam mais tarde de seus empregos, e para a menina tomar conta da casa até lá. Sem muito que fazer, ela vai até o píer perto de sua casa onde se deleita da vista da cidade, sonhando em um dia poder ser uma violinista de sucesso.
★★★
Muito tempo se passa, e enquanto a cidade ia crescendo e tomando forma, a rotina de Grace continuava a mesma, acordava cedo ir á escola e de lá ia direto a escola de música, ouvir as prodígios — assim ela os intitulara — tocar.
Em um desses dias, ela foi até a escola de música, mas percebeu que não teria aula naquele dia e ficou triste, pois não poderia ouvir a tão linda harmonia. Quando pensava em ir embora, percebeu que a janela estava destrancada, o que era raro, pois Henrietta sempre a mantinha fechada, e uma ideia maluca surgiu em sua mente.
— Essa pode minha grande oportunidade — dizia Grace, olhando para os lados, e quando viu que ninguém passava na rua, entrou na sala de música, onde se mantinham todos os instrumentos. Isso deixara muito animada, cantarolando a música que sempre ouvia no meio da sala enquanto rodopiava sem parar, até seus olhos pararem em algo que ela sonhava tanto poder ver. Seu precioso violino, e sem pensar duas vezes, pegou-o, e tomou uma postura séria, como via as outras crianças fazerem sempre.
— ... Bom dia mundo! Apresento-lhes a grandiosa, e espetacular musicista, Grace O'Neill! — disse a menina no meio da sala, preparando o violino, com muito receio no começo, pois não queria quebrar o precioso objeto. Respirou fundo e começou a tocar uma doce canção, que ela compôs em sua mente, sem ao menos escrevê-la.
A canção era animada, assim como quem a tocava, e ela botou toda sua emoção naquela musica. Aos poucos ela se imaginava em um enorme palco, vestindo o mais belo dos vestidos, tocando seu violino para o público, que a assistia em total silencio e adoração. Logo atrás de si, uma orquestra tocava harmoniosamente a mesma canção da menina, e quando a música chegava ao fim, ela imagina o publico a aplaudindo e a enchendo de elogios.
— Muito obrigado, mundo! Foi um prazer tocar para vocês! — dizia ela, agradecendo seu publico imaginário quando é surpreendida por nada mais, nada menos, que senhorita Henrietta, que a observava atentamente da porta.
— Posso saber o que faz em minha classe, mocinha? — dizia num tom sereno, mas ao mesmo tempo autoritário, e a garota, sem o dizer, olhava para o chão, muito envergonhada — Terei que chamar as autoridades para você?
— Por favor, não faça isso! — responde a menina muito envergonhada. A bela mulher anda calmamente até Grace, e ela imediatamente lhe entrega o violino.
— Já a vi antes. É a garota que sempre observava as minhas aulas, não é? — pergunta Henrietta para a menina, que confirma — E posso saber o por quê?
— Eu sempre quis poder participar de suas aulas, e de também poder tocar um violino, mas como meus pais não tem uma boa situação, só me restava observar de longe — responde.
— E aposto que você entrou pela janela, não é?
— Sim... Mas por favor, eu lhe suplico, não ligue para as autoridades — diz a menina, se ajoelhando no chão e juntando as mãos, suplicando. Henrietta, a faz se levantar novamente.
— Não chamarei as autoridades, mas não faça isso novamente – adverte a morena, e a menina confirma — Pois bem! E, até que para quem nunca tocou um violino, você tem talento.
A garota não podia acreditar no que ouvira, a maestra que ela tanto admirava, acabara de elogiá-la. Sem-graça, ela apenas confirma com a cabeça e diz um "Obrigado" bem baixinho.
— Você aprendeu isso apenas me observando? — pergunta a morena com curiosidade e mais uma vez a menina confirma — Hm... Interessante.
— M-melhor eu ir embora, já tomei boa parte de seu precioso tempo, senhorita Henrietta — diz a garota. Sem ao menos esperar a resposta, sai apressada, com muita vergonha, prometendo a si mesma que não iria retornar por ali, até Henrietta esquecer o acontecido.
★★★
A vida de Grace seguiu monótona desde que parou de visitar a escola de musica da Senhorita Henrietta, ainda sentia vergonha do que fez. Agora que era uma adolescente, ela vivia para o trabalho, pois desde que seu pai falecera, sua mãe estava muito debilitada e ela não tinha mais tempo para correr atrás de um sonho, que para ela estava se tornando mais distante.
Enquanto voltava cansada de mais um dia exaustivo de seu trabalho como empregada passou por uma loja de instrumentos musicais e, bem na vitrine, tinha um belo violino à mostra. Ela parou para admirá-lo.
— Um dia... terei você em minhas mãos, e meu sonho estará completo — disse ela colocando suas mãos contra o vidro, suspirando pelo violino, até que o vendedor, que era um homem mal encarado, a mandou chispar pois ela estava afastando os clientes da alta por estar ali. Sem protestar voltou, a caminhar tristemente, até ouvir a melodia que tanto ouvia na infância.
Ela seguiu o som que vinha de um parque e encontrou perto da uma jovem moça, de cabelos dourados e belos olhos azuis, tocando lindamente a canção, enquanto algumas pessoas paravam para admira-la, com seu belo violino. E, quanto mais pessoas se aproximavam, mais e mais aumentava o som. Quando sua apresentação acabou ela recebeu vários aplausos e o publico, em seguida, se dispersa. Grace tenta se aproximar dela.
— E-eu conheço essa melodia. Por acaso você foi aluna de senhorita Henrietta? — pergunta Grace, e a loira a olha com desdém.
— Sim, sou aluna de senhorita Henrietta, e como você, garota de classe inferior, a conhece? — questiona, com ar de superioridade, o que amedronta Grace.
— E-eu... Sempre ouvia essa música quando passava na escola dela... Ela é uma ótima maestrina...
— É, sim! Sim! Agora será que pode sumir de minha vista? Nem sei porquê eu dou ouvidos a plebe! — diz a loira guardando seu violino, o que deixou a menina triste. A garota loira parecia um anjo, mas pelo pouco conversou com Grace, dava para perceber que ela só tinha aparência mesmo.
— S-será que senhorita Henrietta poderia um dia me ensinar a arte? — diz Grace para si mesma, mas a loira a encara novamente, achando graça da ingenuidade da menina.
— Ensinar você? Vê se acorda para a realidade, plebeia! Ela nunca daria nem ouvidos a você! Já se olhou? — diz a loira apontando para as roupas de Grace. Seu vestido preto de alças caídas estavam um pouco gasto, e tinha pequenos furos na ponta, e seus sapatos não eram dos melhores, e seus cabelos negros, estavam presos num coque mal feito – Está na cara que você não tem dinheiro para bancar as aulas. Vai logo! Suma! Ah essa é boa! Uma plebeia que quer ser musicista!
A loira se retira rindo de Grace, que, muito envergonhada com tal humilhação, sai correndo pela ruas, chorando, até chegar ao píer que sempre ia quando menor, mas dessa vez não para apreciar o pôr-do-sol, mas sim para chorar, chorar por nunca conseguir realizar seu sonho.
— Será que ela tem razão? Eu deveria desistir? — disse a si mesma, chorando por não ter seu precioso violino. A única vez que tocara em um, foi há anos atrás, e, ainda por cima teve que entrar escondida em local restrito para poder toca-lo — Tenho que aceitar meu destino, e continuar sendo uma reles empregada.
Um pouco mais de tempo se passou, e agora, Grace era a única pessoa de sua família com renda. Por causa da doença de sua mãe, ela ficou ainda mais debilitada, não podendo mais trabalhar. Havia contraído uma doença incurável e sem dinheiro suficiente para um médico, a menina era obrigada a ver sua mãe definhando lentamente numa cama, sem poder fazer nada.
Ela vivia inteiramente para trabalho e, a menina que antigamente vivia alegrando os vizinhos, havia se tornado uma moça triste, que mal saia de casa e que quando saia, era apenas para trabalhar.
Em um desses dia de folga, ela arrumava a casa, enquanto sua mãe dormia tranquilamente no quarto, quando ouviu alguém batendo á porta, e curiosa vai atender e se surpreende com a visita.
— S-senhorita Henrietta?! — falou Grace, espantada com a visita da bela mulher a sua frente que mesmo com o tempo, continuava bela e graciosa como há anos atrás, quando a menina espiava pela janela, reger graciosamente a orquestra.
— Demorou muito tempo, mas finalmente a achei! — diz a mulher com um sorriso vitorioso em seu rosto. A garota, sem jeito, a convida para entrar — Desde daquela ultima vez que nos encontramos, estava a sua procura, Grace.
— C-como sabe meu nome?
— Lembra-se daquela vez em minha sala em que você fingia ser uma musicista famosa? Então você mesma falou seu nome — disse dando uma risada breve, se lembrando do dia que viu a pequena tocar — Sempre fiquei atenta, esperando que você aparecesse novamente em minha janela, mas nunca mais a vi, então decidir vir atrás de você.
— Por quê? — perguntou a garota com medo, achando que Henrietta a repreenderia depois de anos. Mas ao invés disso, ela lhe entrega uma caixa meio pesada e a menina a olha, confusa com o ato.
— Sabe, você foi à primeira criança que me impressionou tocando graciosamente um violino, sem errar uma notar sequer! Isso é raro, e aquela sua musica era muito bonita, nunca consegui reproduzi-la do mesmo jeito que você — explicou Henrietta, gesticulando para que a menina abrisse o pacote. Quando ela obedece, se impressiona — Olha, esse é meu bem mais valioso, portanto espero que goste.
Ela retira o pequeno violino do embrulho com muito cuidado, achando que só podia ser um sonho e, sem palavras, ela abraça o instrumento.
— Isso é sério? Não é um sonho meu, e nesse momento devo estar divagando em algum canto de minha sala? — diz a menina ainda incrédula. A moça nega.
— Isso é realidade, querida! Antes de vir parar aqui, eu consultei seus vizinhos, e os mais antigos me contaram o quanto almejava ter um violino — diz a senhorita. A garota não podia acreditar no que ouvia — Ande, me dê à oportunidade de ouvi-la tocar novamente.
Fazia muito tempo, e ela estava com receio de desafinar e passar vergonha na frente de Henrietta, mas quando viu a mulher lhe apoiando, tomou coragem e começou a tocar a música que ela tocara pela primeira vez. A música não tinha um nome. A jovem colocou todos seus sentimentos e, mesmo sem pratica alguma, a música soava lindamente pelo pequeno cômodo da casa e pela vizinhança também, fazendo todos que andavam pela rua pararem para apreciar a linda melodia. Quando a música chegou ao fim, ela encarou a bela moça que continuava sentada na poltrona, a observando atentamente e, com muito receio, perguntou:
— C-como me sai, senhorita Henrietta?
Henrietta não respondeu, apenas se levantou e lançou um breve sorriso, caminhando em direção à porta, mas antes de ir, vira novamente para trás, encarando a menina.
— Finalmente encontrei minha substituta — diz a moça, se despedindo.
Grace demorou muito tempo para processar o que havia acontecido. Será que tocou tão mal que Henrietta não gostou? E que papo estranho foi esse de substituta? Eram tantas perguntas que não podiam ser respondidas naquele momento.
No dia seguinte, Grace não foi ao trabalho de imediato e sim para a escolinha de musica de Henrietta para pedir explicações. Mas, quando chega lá, vê as portas trancadas e um enorme aviso anunciando o fim da escola.
Semanas se passaram, e nunca mais ouviram falar de Henrietta. E seus alunos estavam simplesmente desolados com o fim da escolinha. Grace não entendia como alguém sumia desse jeito e a única coisa que tinha como lembrança era aquele violino, que passou a tocar todos os dias na praça depois de seu expediente.
Todos paravam para ouvir a doce melodia e, com isso, a menina expressava todos seus sentimentos em musicas de sua própria autoria. Com o tempo ela ficou famosa entre os moradores, que passaram a respeitá-la e, com a ajuda de alguns, decidiu abrir sua própria escolinha de musica para as crianças da região onde morava, e com eles, fez seu primeiro concerto. Com as crianças de classe baixa como musicistas ganhou respeito todos da cidade de Moonlight Falls.
Pessoas de longe vinham conhecer a jovem prodígio, conhecer a tão famosa música que sempre tocava. Infelizmente, nenhum de seus pais sobreviveu para ver o sucesso que ela fazia, o que a deixara meio triste, mas nunca deixou que esse fato abalasse sua música.
No final de sua vida, ela já havia conquistado o tão merecido reconhecimento. Nunca teve filhos, para sua infelicidade, mas seu legado foi passado para seus discípulos.
— Senhora O'Neill, você foi e é ótima professora, me pergunto se um dia, serei igual à senhora! — dizia Mary Baldwin, uma jovem de quase 18 anos, um pouco acima do peso ideal, de pele clara, cabelos na altura dos ombros, negros, e olhos da mesma cor, e tinha poucas sardas em seu rosto, o que a deixava mais graciosa. Ela, além de aluna de Grace, via a senhora como uma segunda mãe, que lhe apoiara, e que a fez nunca desistir de seus sonho, que era os mesmos de Grace.
— Um dia, você ira impressionar a todos, senhorita Baldwin, igual a mim quando era uma jovem menina sonhadora – disse Grace em seu leito, enquanto abraçava seu precioso violino. Em seguida o entrega para a jovem — Mary, sinto meu fim chegando e, como sabe, não tenho filhos para dividir minha única herança que é esse precioso violino que ganhei da minha maestrina favorita. Então estou o passando a você, pois sei que irá cuidar muito bem dele.
— Senhora... Estou honrada, mas não sei se posso aceitar — responde a garota, impressionada com o gesto de Grace.
— Por favor, você é a única em confio para entregar meu precioso violino — diz, insistindo mais uma vez, e Mary acaba cedendo ao pedido da senhora — Agora entendo o que Henrietta quis dizer há anos atrás, e agora eu vejo que também encontrei minha substituta.
Na mesma noite, Grace faleceu, porem seu legado não acabou, durante um bom tempo Mary foi sua herdeira, continuando as musicas não finalizadas de Grace e repassando sua história para o mundo. Depois seus filhos continuaram o legado e os filhos deles também.
A pequena cidade Moonlight Falls se tornara conhecida por causa das musicas de Grace e, com isso, seu outro legado, a escolinha que ela construíra com ajuda de seus vizinhos e, por sorte, patrocinadores, virou um ponto turístico da cidade onde grandes músicos se formaram.
Grace não realizou apenas seu sonho de se tornar uma musicista reconhecida, mas também de todos as outras crianças que não tinham condições, como ela na infância, e se tornou orgulho da cidade, pois ela foi uma das primeiras mulheres que venceu a barreira do preconceito social na cidade e realizou seu sonho.
★★★
Muito distante do centro comercial da cidade, uma bela moça, morena de cabelos castanhos longos e cacheados e olhos da mesma cor, passeava pelo píer à noite, acompanhada por uma menina de cabelos negros e olhos violeta. Enquanto a menina tocava alegremente um violino, e mulher apenas a ouvia com um lindo sorriso.
— Como fui dessa vez, senhorita Henrietta?
— Esplendida como sempre... Grace.
Fim...
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