Não estava muito a fim de sair naquela noite e, muito menos, de conhecer alguém. Contudo, a solidão que se apodera da gente é por demais aterradora. Vesti uma calça, minha camisa preferida e fui ao Brega & Chique. Era noite de Karaokê. Sempre me diverti muito ali vendo o pessoal tentar cantar as canções que amamos da forma mais desafinada possível. Vez ou outra aparecia alguém que mandava bem. Eu preferia as meninas quando isso acontecia.
Era sempre mais fácil intitular uma conversa fazendo um chamego na gata, dizendo que ela cantava pra caramba e coisa e tal. Logo ela já ficava mansa e a noite rendia.
Assim que entrei no lugar, apinhado de gente se divertindo, fui direto ao balcão e me sentei no meu banquinho preferido, de frente para o palco. O Carlão, dono do bar, é meu chapa. Não deixa ninguém sentar ali até eu chegar. Pedi uma cerva gelada e dei uma geral no lugar. Havia uma mesa cheia de gatas com as mãos para cima, levando o corpo na onda do maluco que tentava cantar Raul.
Sorri para o Carlão, que não parava de servir bebida, em cumplicidade. Ele sabia bem do que eu gostava. A noite foi acalmando e, então, uma gata de parar trânsito subiu no palco. Meu coração já deu um pulo. Mesmo que não cantasse nada, só grunhisse, aquela noite ela seria minha. A música começou e a danada veio com uma canção lenta que eu não conhecia. Não era do meu gosto musical. Quando soltou a voz eu fiquei de cara! Que voz, meu Deus! Não prestei atenção em nenhuma palavra da música. Só tinha olhos para as curvas daquele corpo de violão.
Aplaudiram a gata e ela foi se sentar em uma mesa de canto. Estava com as amigas. Levantei-me, como quem não quer nada, tipo indo ao banheiro, com a cerva na mão, parei diante dela e lhe fiz um elogio qualquer. Ela pareceu gostar. Saquei assim que ouvi as risadinhas das amigas. Num segundo estava eu lá, sentado com elas, fazendo-as rir às tantas. Aquela noite iria render. Sentia nas veias que iria me dar bem.
Até que olhei para o balcão e, sentada no meu banquinho, eu a vi. Seu olhar pétreo me fuzilava. A noite se fora para mim. Aquela mulher não largava do meu pé. Aonde eu ia lá estava ela a me azucrinar. Senti medo, naquele momento. A alegria se foi e me levantei da mesa. A gata segurou minha mão, frustrada, percebendo que algo havia mudado em mim.
Despedi-me delas e deixei o bar. Não queria confusão. Estava farto de tantas brigas. Um homem, às vezes, precisa se defender. Aquilo já estava indo longe demais. Conheci a Claudete bem ali, no Brega & Chique mesmo. Ela era tão linda, tão meiga, tão doce que foi paixão à primeira vista. Ficamos juntos por algum tempo e agora ela me persegue, onde quer que eu vá.
Sempre com aquele olhar penetrante, regado a ódio. Não consigo me relacionar com mais ninguém depois que tudo acabou para nós. Ela sabe como cuidar disso. Sou um homem atormentado. Primeiro, quando estava tudo bem entre nós, ela começou a ficar distante e pensativa. Acho um saco uma mulher com o olhar vazio. Sabe-se lá que tipo de caraminhola anda “botando” na cabeça. Rompemos. Alívio! E agora começou a me perseguir. Estava lá. No meu bar. No meu banco. Apenas se fazia ver num flash e depois sumia. Queria que soubesse que estava vendo com quem eu ficava. Mas não dei trela a ela. Fingia que não a via e continuei minha vida, tentando retomá-la.
Aos poucos passou a ficar mais ousada. Já não sumia rapidamente. Fazia questão que eu a visse. Continuei ignorando-a, fingindo não ligar para sua presença maldita. Pensei que essa fosse a melhor maneira de lidar com a situação, entretanto, não surtiu efeito. Claudete é daquelas que não aceita um não como resposta. Mas tudo bem. Seguir a vida é sempre o melhor remédio.
Isso seria verdade se ela não passasse a entrar sorrateiramente em meu apartamento quando me encontrava dormindo. Acordei numa noite dessas e lá estava ela, me encarando aos pés da cama. Lembro-me de sentir o sangue fugir da face assim que a vi. Corri para o banheiro, trancando-me lá, esperando que me deixasse em paz. Parece ter surtido efeito. Ela se fora, mas não poderia mais deixar acontecer.
A gota d’água se deu quando eu estava em um amasso gostoso com a Sandrinha e a coisa começou a ficar quente, olhei para cima e lá estava a Claudete com aquele olhar vazio, proferindo palavras cruéis. Tão diferente de quando começamos a nos relacionar. Tudo bem, eu acho que tenho culpa nesse comportamento. Mas, sinceramente, esperava ter me livrado dela para sempre com um simples acabou. Chega! Não te quero mais. Entretanto não foi bem assim.
Sei o quanto é duro ouvir isso da boca de quem se ama. Não que eu tivesse deixado de amá-la. Acho que ainda amo. Só não sei explicar o que houve entre nós. No começo ela era incrível. Quente, selvagem, do jeito que todo homem gosta. Eu gamei naquela mulher.
Um amor que me cegou. Não sei exatamente quando tudo mudou. Foi uma coisinha aqui, outra ali, e quando vi, o ciúme invadiu nossa vida de um jeito incontrolável. Ciúme e ódio andam de mãos dadas. Admiro quem consegue se controlar. Não foi o nosso caso.
Tudo começou com uma pulguinha atrás da orelha quando vi o celular dela acender na mesinha da sala. Peguei o danado na mão e percebi que ela havia trocado a senha. Perguntei a ela, numa boa. A resposta foi que a individualidade deveria ser respeitada. Que eu tinha amigos que ela não conhecia e que ela tinha os dela.
Aquilo me deixou puto da vida. Se ela estava me escondendo coisas no celular, o que mais não escondia? Eu a proibi de sair com as amigas. Aquelas não eram boas companhias. Eu deveria bastar a ela. Então começamos a brigar, por que eu saía com os caras. Mas eu sou homem!
Um dia a briga foi tão feia que cheguei a dar um corretivo nela. Um tapinha só. Ela pegou uma frigideira e veio para cima de mim. Eu não ia deixar ela me bater, claro. Dei-lhes uns sopapos. Mas nada muito sério. Nada que uma boa maquiagem não pudesse esconder. Se bem que nem precisou esconder porque passei a cercear suas ligações para os familiares. Eu respondia por ela. Claudete estava feliz comigo e isso lhe bastava. Era o que todos achavam.
E deveria, não é mesmo? Mas não sei como, talvez assistindo a essas merdas na televisão, de mulherzinhas que querem ser como os homens, dizendo que mexeu com uma, mexeu com todas e todo esse lixo aí, que ela disse que iria embora. Que me deixaria para ficar com a família e as amigas. Isso quando a proibi de usar batom vermelho e minissaia. Só meretriz usa batom vermelho. Mulher minha, nunca.
Um dia ela tentou colocar algo na minha cerva. Eu tenho o paladar muito bom. Senti no primeiro gole. Talvez tentasse me matar ou sabe-se lá o que uma mulher acuada pensa em fazer. Fugir de mim? Não tinha como. Eu sempre levava a chave no bolso. Quando percebi o gosto estranho, fui mais rápido do que ela. Levantei-me da mesa e parti para cima. Brigamos e ela acabou caindo quando a empurrei um pouco mais forte. Não lhe bati, pois já tinha em mente o que iria fazer para acabar com tudo aquilo. Ela gritava que não me queria mais. Como assim? Eu sou o melhor para ela.
Já não dava mais para aguentar aquela situação. Ela era minha e, se fosse embora, não seria de mais ninguém. Iria cuidar disso. Empurrei-a. Claudete caiu no chão. Subi em cima dela. Agarrei sua cabeça, erguendo-a, e bati na quina da mesa da sala. Foi vidro para todo lado. Chamei a ambulância, sabendo que já era tarde. Disse que a encontrara ali, depois de pôr uma escada no meio da sala e uma lâmpada quebrada na mesinha de centro. Sabe como é, né? Simulei uma troca de lâmpada mal sucedida. Acontece a toda hora. Trocar lâmpada é coisa de homem. Ela foi se meter a besta, escorregou e acabou nisso. Foi o que disse à polícia.
O veredicto foi acidente. A família desconfiou, mas as mensagens que eu passava para eles trazia uma Claudete mais do que feliz. Afinal, sempre fui um homem bom. No começo fui mesmo. Mas a culpa foi dela. Ela mudou. Eu não fiz nada. Só porque às vezes preferia ficar com “os cara”, dar uns pega numas minas por aí? Mas o meu coração era dela, pô!
Agora ela quer vingança. Eu sei que sim. Ela me diz quando aparece e isso tem se tornado frequente agora. Diz que seremos felizes juntos. Que está me esperando ansiosamente. Não consigo mais olhar para seu rosto putrefato e nem para suas mãos cadavéricas passando em meu corpo, quando acordo repentinamente de um sonho recheado de sombras e morte. Ela é insistente. Está sempre olhando para a corda pendurada no teto. Seu sorriso está cada vez mais medonho. Sei que não me deixará em paz. Talvez eu tenha que ir ao seu encontro...
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