Leon estava com uma cara sofrível no ônibus da faculdade que a turma de antropologia tinha fretado (não sem o auxílio do professor) para a excursão de conhecimento ao campo indígena recém-descoberto.
Willow, sentada ao seu lado, olhava para ele com pena e um certo temor, enquanto Ísis, no banco da frente, virava-se para trás de cinco em cinco minutos, ar calculista e um esgar de raiva contida.
Irritada, Willow levantou o corpo para frente e percebeu que o aluno ao lado de Ísis estava com fone de ouvido:
– Você pode ao menos parar com isso? Não está ajudando em nada...
Ísis ficou de joelhos no assento, debruçada para trás. A conversa animada da turma abafava a troca de palavras.
– Se ele transformar agora, nós estamos fritos, todos desse ônibus vão ser trucidados, e a responsabilidade vai ser de quem? Minha. Eu tenho que ficar d-...
– A responsabilidade não é só sua, Ísis. Nós estamos juntos nisso, desde o início. Somos um time!
Os sussurros ríspidos foram interrompidos por um gemido alto de Leon, agora em posição fetal, braços ao redor da barriga e o rosto coberto por uma camada fina de suor.
– É isso, vou mandar um SMS pro Andrei – Ísis tirou o celular do bolso e começou a apertar a teclas minúsculas, enquanto alguns colegas viraram-se para Leon com ar duvidoso. Um deles gritou para o professor, fazendo outros rirem:
– Ei, professor Max, mais um passando mal! Bora parar!
– Não, não, não podemos parar mais – o professor já foi se levantando do assento próximo ao motorista, apoiando-se nos encostos pelo corredor. – Já atrasamos duas horas nessa brincadeira. Quem está passando mal? Oh...
Preocupado, o professor estava para se abaixar e conversar com Leon quando todos sentiram um solavanco. A turma gritou animada e Ísis fez o melhor para sustentar o professor que caiu em cima dela.
– Porcaria, o que foi isso agora?
– Acho que um pneu furou...
– É. O pneu furou, parceiro – o motorista tirou um pano surrado do bolso da calça para limpar o suor da testa. – Preciso que todos saiam do ônibus.
– Era só o que faltava.
Enquanto o professor gritava acima das vozes da turma para que todos saíssem do ônibus, ele estava com a orelha colada ao celular, ligando para o coordenador do curso com as últimas informações e torcendo para que aquilo não pesasse em sua avaliação de final de ano, afinal, ele ainda estava como temporário na faculdade.
A galera saiu divertidamente do ônibus, a preocupação pelo atraso estava longe, pois sim, aquilo poderia vir bem a calhar para tirarem o dia seguinte de folga, já que todos chegariam na entrada da faculdade por volta de...
– Sim, senhor Jefferson, a previsão está para chegarmos às 22h agora. No pátio principal, isso. Sim, sim, eu realmente peço desculpas pelo atraso, mas o pneu furou aqui e, Alex! Alex! Quer parar com isso! Solta esse bicho agora!
– Leon, eu já avisei Andrei que você não está legal – Ísis olhava desgostosa para Alex que brincava de jogar com um esquilo atropelado em Nicole.
Leon pareceu não ouvir, sentado na grama rala da margem da estrada, encolhido e ainda gemendo. Willow continuava a falar com ele, mas Leon parecia estar em outro lugar.
– Ísis, a gente tem que fazer alguma coisa.
– Fazer o quê? Willow, estamos no meio da estrada, ainda faltam vários quilômetros para chegarmos em Dimdale. A única coisa possível era informar Andrei, o que eu já fiz – Ísis se aproximou de ambos e continuou em voz baixa quando duas garotas da turma chegaram mais perto delas para se afastarem do esquilo morto. – Andrei falou que estamos nas proximidades da cidade deles, eu falei o quilômetro em que estávamos, e ele disse que já estava ligando a caminhonete.
Os enormes olhos de Willow quase verteram lágrimas, e Ísis queria a todo custo não ter que dizer “Eu avisei”, porque ela tinha avisado que a ideia de Willow não daria certo, que certas coisas tinham que seguir o caminho que a natureza deu para elas, e a gente tinha que aceitar aquilo, por mais que doesse.
O professor se aproximou dos três e tocou o ombro de Leon com cuidado.
– É Leon, né? Alguns alunos me disseram que você está doente, é isso?
– Sim, é. Ele tem uma condição de saúde um pouco frágil... – Willow tomou a dianteira visto que Leon começou a resmungar palavras a esmo por entre dentes cerrados de dor –... os médicos não sabem exatamente o que ele tem.
– É, professor Max, é uma calamidade, sabe. Daquele tipo que a gente vê apenas na televisão e acha que nunca poderia acontecer com alguém que conhecemos – Ísis cruzou os braços, seguindo o script que Leon e Andrei pediram quando fosse necessário. – Ele tem que refazer vários exames médicos mensalmente. Acaba sendo bem desgastante pra todo mundo...
Enquanto Max, ouvia atentamente Ísis falar, Leon começou a se levantar aos tropeções, o tronco à meia altura do chão, segurando a barriga com um dos braços, resmungando sobre as árvores da mata e sobre a Lua, e Willow tentando fazer ele calar a boca e se sentar. A menina estava praticamente pendurada nele para que ele parasse de andar até os primeiros arbustos da mata de árvores altas que cercava toda a estrada.
– Como o senhor pode ver, professor Max – Ísis gesticulou com a mão para os dois amigos, olhando compadecida – essa doença estranha e desconhecida, além de todos os exames médicos e laboratoriais, ah, a pessoa acaba por ficar até mentalmente instável às vezes...
O professor ora mirava Leon e Willow numa meia luta dentro de um dos arbustos e ora virava-se para Ísis.
– Se eu soubesse que a condição de saúde dele era tão frágil, eu não teria indicado a vinda em nossa excursão.
– Ah, professor, e excluí-lo da companhia da turma! Depois de tudo por que ele tem que passar todos os meses? – Ísis colocou a mão no ombro do professor – Eu me lembro da primeira vez, nós estávamos visitando ele no hospital, ele me olhou fundo nos olhos e disse que a única coisa que ele queria era ter uma vida normal, como um jovem universitário normal...
– ÍSIS! QUER PARAR DE FALAR E ME AJUDAR!
Willow gritou do meio do arbusto do qual Leon tinha conseguido sair, mas Willow parecia ter prendido uma das pernas. O amigo estava já sumindo atrás das primeiras árvores quando Ísis pediu licença e o motorista do ônibus chamou pelo professor:
– Ei, senhor Max! Parece que conseguimos uma ajudinha aqui, ó!
O professor correu para o motorista e para dois outros homens que tinham parado atrás do ônibus depois de verem a sinalização que o motorista deixou alguns metros para baixo na estrada.
– Você podia maneirar na conversa com o professor, ai! Droga – Willow olhou brava para a barra da calça rasgada e depois para Ísis, que encolheu os ombros, as duas mãos segurando fortemente um Leon meio caído, meio de pé, e inteiramente atordoado.
– Foi você quem disse que eu devia aprender a ter mais empatia, que de outra forma as pessoas vão pensar que eu sou uma psicopata serial killer.
– Quando você fala coisas dessa forma, você parece cínica, Ísis. Além do que, você sabe muito bem que Leon não disse aquilo da primeira vez que visitamos ele.
Ísis deu uma risadinha e passou o braço pelo pescoço de Leon.
– Sim, eu lembro perfeitamente que ele disse que ia me-...
– MÃOS PRO ALTO! TODO MUNDO, TODO MUNDO!
As palavras dos dois homens, junto aos gritos da turma, fizeram Ísis e Willow perderem por um momento a preocupação sobre Leon. As duas trocaram olhares e ficaram mais próximas uma da outra, enquanto os homens que o motorista pensara serem pessoas de bem, revistavam cada um, roubando itens que poderiam valer alguma coisa numa loja de penhor.
Ísis tirou seu celular do bolso e jogou no meio do arbusto, Willow fez o mesmo. Algumas meninas começaram a chorar o que fez um dos homens ficar ainda mais bravo e gritar mais alto. Leon, completamente fora de si, recomeçou a gemer e a se dobrar ao meio; Ísis sustentou-o novamente, sentindo uma comichão na palma das mãos. Ela queria nocautear aqueles dois homens, mas o fato de eles terem armas apontadas para o motorista, o professor e o restante da turma, fazia ela pensar duas vezes.
O homem que estava roubando qualquer coisa que lhe servisse estava já se encaminhando para o trio, quando Ísis sentiu o corpo inteiro de Leon tremer, dos pés à cabeça. Ele rapidamente virou o rosto para o lado (no que Ísis saltou para frente meio desengonçada) e vomitou no arbusto.
Mas o que Ísis achou curioso, não foi o vômito, foi o olhar brilhante que o assaltante teve quando viu Leon naquele estado. Num pulo, ele pegou Leon num dos braços, a arma apontada na cara de Willow, e começou a arrastar o menino até o carro. O parceiro dele correu também, gritando para irem rápido.
Willow berrou por Leon, berrou para que eles soltassem seu amigo. No entanto, os dois homens entraram no carro mesmo assim, os pneus guinchando no asfalto. Ísis foi até o arbusto para pegar seu celular e ligar para Andrei.
Sua cabeça estava um turbilhão agora. Naqueles tempos ela podia lidar com vampiros, demônios diversos, bruxas e lobisomens (qualé, seus amigos faziam parte dos últimos dois grupos), então bolar estratégias para lutar com essas coisas não era difícil, honestamente, lá no fundinho do seu coração, Ísis adorava uma boa luta, ela sentia uma força sem igual quando se deparava com o sobrenatural, o que lhe trazia uma autoconfiança enorme.
Então quando o corpo de Leon começou a retroceder no feitiço que Willow fez, nada mais normal ela lidar com aquela situação, comunicando Andrei, desconversando junto ao professor, e mantendo Leon dentro do seu campo de visão até Andrei chegar e levar ele para longe de preferência.
Mas e agora? Aqueles dois imbecis atrapalharam seu plano de ação e aquilo fazia ela borbulhar por dentro. Sem contar que ela odiou os gritos de Willow. Depois de achar o celular, ela discou para Andrei, olhando por sobre o ombro sua amiga ajoelhada na grama, as mãos sobre o rosto. Engoliu em seco quando Andrei atendeu.
– Mudança de planos.
– Como assim? O que aconteceu? Ele transformou?
– Não, ele está bem mal, beeem mal. Mas o pior é que ele foi sequestrado.
A linha ficou muda de repente.
– Andrei?
– Ele foi o quê?
– Uh, sequestrado – Ísis ouviu uma estática estranha, afastou o celular para ouvir um palavrão do outro lado.
– Como assim sequestrado!?
– Dois caras estavam armados. Roubaram várias coisas e levaram Leon junto.
– Por que diabos eles...
– Não sei, mas assim que o homem viu Leon passando mal, ele não pensou duas vezes em pegar ele. Eles queriam um refém na certa.
– Merda.
– Olha, eu tenho que ligar pra polícia, Andrei. Eu e Willow, acho que somos as únicas que ficaram com os celulares e estamos todos no meio da estrada. O carro era marrom escuro, continuaram na direção da sua cidade.
– Entendi.
Alguns alunos já mais calmos, perceberam que Ísis estava ao celular e começaram a perguntar se ela estava falando com a polícia. Ísis virou de costas para todos, sentindo o coração bater depressa. Ela nunca foi muito boa com as palavras, Willow tinha razão naquilo.
– Desculpe, Andrei. Não está totalmente escuro ainda, talvez uns 15 minutos de luz do sol?
Andrei ficou silencioso do outro lado. Ísis voltou até o arbusto, olhou friamente a bile negra que Leon expeliu.
– Espero que dê tempo. Ele está bem mal.
– É. Eu também espero.
Ísis desligou e ligou para polícia.
– 911 qual a sua emergência?
Como um eco das sombras do passado, a Escuridão tece uma teia através do tempo, criando laços entre lugares e personagens que nem sequer sabem das existências uns dos outros até que sua presença tenebrosa se manifeste. *Todas as artes utilizadas nesse universo foram criadas com Artbreeder* ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Como un eco de las sombras del pasado, la Oscuridad teje una red a través del tiempo, creando vínculos entre lugares y personajes que ni siquiera saben de las existencias de los demás hasta que se manifiesta su oscura presencia. *Todo el arte utilizado en este universo fue creado con Artbreeder* Leia mais sobre Bordas da Escuridão.
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