- Jamais desconfiaria da sua palavra doutor, mas, como jornalista um relato é um relato por mais fidedigno que seja, ainda são palavras, quanto mais detalhes eu tiver em minhas mãos melhor, assim podendo verificar o que se passou e contar passo a passo dessa história que me parece tão fantástica.
- Pois bem moço, sirva uma dose que a noite é cumprida e tenho muito o que falar então.
Servi duas doses, cortei um pedaço de queijo, um de carne e entreguei ao doutor, ele sorriu, apesar da roupa pomposa e do jeito muito educado e até meio delicado do falar ele era um homem simples, a formação a vivência de fórum em fórum não tinham mudado isso, muito menos a convivência com os poderosos e abastados da capital, nomes antigos recomendavam seu serviço pela discrição e eficiência hoje.
- Você é católico moço?
- Não costumo ir a igreja com tanta frequênciamas sim, sou sim doutor.
- Pra começar, vamos deixar de lado essa besteira de doutor, me chame de Gilson, só, até hoje não acostumei com esses falsos títulos e prerrogativas.
- Como quiser Gilson.
7 anos atrás eu mandei uma carta pra mainha avisando que ia com padrinho e madrinha passar a Quaresma com eles, as coisas estavam calmas no fórum meus processos em andamento e esse mês era praticamente todo de feriados e dias santos pras bandas de cá, mainha me respondeu de um jeito estranho, praticamente desconversou quanto a viagem e nós 3 passarmos com eles o período santo, me preocupei demais mostrei a resposta a madrinha e ela por sua vez a meu padrinho, desconfiados como só eles já foram logo planejando a viagem pra os 2 dias próximos, só o tempo de pegar um bom queijo do reino, bacalhau, umas frutas secas e vinho pra fazer os bolos de jejum e os almoços de sexta e domingo. Mainha podia estar doente e não quis me preocupar ou dizer nada, isso me afligiu muito, mas arrumadas nossas bagagens, empacotadas as comidas e bebidas partimos 2 dias depois de chegada da carta, de surpresa mesmo, se estivesse acontecendo alguma coisa a gente ia descobrir ligeiro. Pra chegar na vila eram 3 dias de viagem com descanso, eu insisti que os dois dormissem umas horas a mais e a gente voltasse a carruagem só depois do café, pousando em alguma cidadezinha pra não chegarem tão enfadados, madrinha concordou, no segundo dia paramos numa pousada, o carnaval estava quase no fim mas tinha festa na cidade ainda e muitos ciganos fazendo a festa ficar ainda mais bonita.
Eu deixei os dois lá instalados e dormindo e fui dar uma volta nas redondezas, acabei sendo carregado por um bloco pro centro e me vi pulando e dançando com todo mundo, até que uma moça chamou minha atenção, cabelos pretos na cintura olhos pequenos e amendoados, uma boca carnuda e dançava com a leveza de uma silfide, vi aqueles olhos me chamando e eu fui, o nome dela era Kassandra, conversamos um pouco afastados do alvoroço até que me ofereci para pagar um refresco, um doce qualquer coisa pra ficar mais perto dela, conversamos por horas enquanto a festa rolava até que sem querer Kassandra tocou em minha mão, parecia ter levado uma picada de bicho, se afastou de mim se benzendo, eu não entendi o que ela quis dizer quando falou: "sangue de vivo que muda de noite, a luz de prata que clareia, só prata carrega embora a maldição que outrem semeia" não sei quem ficou mais gelado depois daquilo, até a voz dela mudou, as feições mas logo voltou ao normal e tirou uma de suas inúmeras pulseiras, dizendo umas palavras que não compreendi tocou sua testa e a minha com a pulseira e colocou no meu braço, ouro puro, pesada e bonita deu duas voltas e os símbolos pendurados, pediu pra cobrir com a camisa porque se gente dela visse o presente podiam fazer perguntas e ela não gostava de perguntas. Fiquei sem ter o que dizer pois ia fazer algumas inclusive como encontrar ela de novo já que tinha que partir no dia seguinte. Ela me olhou, não sei como mas respondeu: - eu encontro você se tiver que encontrar, mas trate de viver pra que possa lhe alcançar, e me beijou. Kassandra tinha cheiro de matoe terra molhada, nunca vou me esquecer dela.
Me cumprimentou a moda da capital e partiu no meio da folia de novo, eu fiquei ali meio sem graça, sem reação, e resolvi voltar pra pousada, quando dei por mim do meu lado no banco havia um punhal, cabo de osso adornado com umas pedras mas a lâmina era de prata pura, bonito, com equilíbrio que dava pra segurar na ponta dos dedos mas um deslize e cortava como nada que eu já tinha visto. Tirei meu colete e embrulhei a arma nele, coloquei debaixo do braço e rumei de volta pra pousada, olhava pros brincantes, procurava Kassandra no meio deles mas em vão, ela parecia não ter existido mas eu senti o peso da pulseira e um outro dos seus pendentes saindo do punho da camisa, ela era real tanto quanto aquele adorno.
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