O pobre homem tentava segurar com força o filho de colo, enquanto se desviava do açoites da mata que lhe cercava. Algo vinha em seu encalço, mas não emitia som ou apresentava forma. Parecia que o fugitivo corria do seu próprio medo, o que dava-lhe o desesperador semblante de condenado à morte.
Chegando em um enorme sumidouro de vórtice violento ele arremessa a criança, ficando como cobaia. Ele é imobilizado. Alguma coisa exerce pressão sobre o seu corpo, fazendo-o parecer pepel de alumínio amassado. Era uma sensação aterradora. Pois ele sentia-se fino como palha de aço, porém tão pesado quanto um bloco maciço. Por fim, ele desaparece.
Esse era o planeta Maana, um dos sete planetas habitáveis da Via-Láctea.
MILHÕES DE ANOS DEPOIS
Na estação espacial, os encarregados operavam do lado externo do casco.
— César — chama Borges.
— É normal ver rostos nas estrelas?
— Você usou a erva antes do serviço, Borges? Não dava para esperar?
— Não usei coisa nenhuma. Estou falando sério. Lá. Olhe!
Havia uma massa muito turva na direção da Capella. A sombra entre as estrelas parecia deixá-las mais próximas, dando a ligeira impressão de um rosto sorrindo.
— Deve ser apenas uma Nebulosa ou Nuvem. Se concentre no serviço. Já não basta todos os boatos sobre esse complexo espacial? Quero só terminar o trabalho e sair daqui.
— César! César!
Dentro da cabine, as vozes exaltadas de Borges são ouvidas e preocupam os tripulantes.
— Algum problema?
Ninguém responde.
— César! Borges! Estão me ouvindo?
As câmeras são redirecionadas de modo que pudessem avistar outro ângulo.
As últimas imagens foram de estruturas longas semelhantes aos galhos de um salgueiro carbonizado, em cujas extremidades tinham formas de rostos distorcidos.
ALGUNS ANOS DEPOIS
No interior de uma das galerias de Zarmizegetuza, na "Caverna com Ossos", Alaric pede permissão à equipe de arqueólogos para explorar um túnel pouco visitado.
— Cuidado! A estrutura desse setor pode estar um pouco comprometida. Tente não fazer escavações profundas.
— Vou só dar uma olhada.
Ele percorre alguns metros do túnel, chegando a um átrio muito pouco iluminado, onde havia tábuas de bloqueio.
— Quem colocou essas tábuas, com certeza saiu vivo. Por que não eu?
Alaric transpõe a barreira, percorrendo um vão estreito. Depois de tatear em vários pontos, ele encontra uma reentrância bastante oculta nas rochas. Mira a luz. Tenta enxergar algo, mas só o que encontrou foi um sinete feito de algum material prateado. Alaric tenta remover o objeto, mas algo o prendia.
— Está grudado. Isso parece ... um... dedo.
Alaric ouve uma voz e apressa-se em puxar o anel junto com o resto mortal.
Estando em casa, ele analisa meticulosamente a relíquia, para datar o seu período.
— Falta algo nesse anel. Parece que havia uma pedra incrustada nesse baixo relevo. Essas inscrições parecem um tipo de fenício.
Um ruído vindo do lado de fora o distrai. Com uma olhada rápida ele podia dizer que viu dois olhos amarelos iguais aos de uma cabra.
— Acho que já estou dormindo. Não é pra menos. Já passa da meia noite.
Alaric não era superticioso, mas olhou novamente para o achado arqueológico e pegou-o, desconfiando que não estaria lá no dia seguinte.
— Só pode ser influência do sono. "Tu não acredita nessas bobagens, não é Alaric?"
Dirigindo-se à cozinha, ele ouve o cachorro latindo. Vai certificar-se do que se tratava. Ao abrir a porta, avista um carneiro de longos chifres na entrada do jardim.
— Esses pastores estão muito displicentes. Nada é mais como antigamente. Acho que preciso é comer algo.
Abre a porta da geladeira e quase cai para trás ao ver uma cabeça de bode em carne viva e ainda sangrando. O grito que ele deu fez os amigos saírem de seus quartos e virem saber o que tinha acontecido.
— Quem teve a hedionda ideia de pôr uma cabeça de bode dentro da geladeira? — pergunta ele ainda chocado.
— Fui eu, dramático — responde Adrian. — Cara, você escava ossos milenares e fica com medo do crânio de um animal. Cabeça de bode é gostoso, sabia?
— Retardado! Demente! É isso o que você é. É sério que tu vai comer isso?
— Claro que não. É para o meu ritual macabro.
— O quê? — pergunta Adrian, em tom de completa incredulidade.
Sebastian, outro companheiro de quarto, responde:
— Ele está investigando as origens do uso de cabras, ovelhas e bodes em rituais satânicos.
— Devia parar de mexer com essas coisas — sugere Alaric, preparando um lanche.
— Você não acredita nessas coisas. Por que se incomoda?
Alaric abriu a boca para responder, mas seus olhos foram mais rápido, ao fitar o lugar onde tinha colocado o dedo com o anel.
— Quem pegou?
— Quem pegou o quê?
— O dedo com um anel que estava aqui em cima da mesa.
— O cara põe o dedo de uma múmia na mesa onde comemos e reclama da cabeça de um bode na geladeira.
— É diferente, Adrian. Vamos! Estou falando sério. Me dê o dedo!
Adrian se retirava, mas virou-se e fez um gesto obsceno com o dedo para Alaric.
— Palhaço!
Ficando sozinho novamente, ele resmunga:
— Será que eu coloquei em outro lugar sem perceber?
Sua intuição dizia para olhar na geladeira. Obedecendo, ele nem se espantou tanto ao ver o dedo enfiado na órbita ocular do bode. Quando remove, ele realmente se assusta quando o outro olho do bicho revirou-se, deixando a íris na vertical, como a de um gato.
O arqueólogo tenta não ligar e começa a comer seu sanduíche, sem desgrudar o olho do artefato.
Após algumas semanas de análises e uma viagem feita ao lago Roopkund, na Índia, Alaric compartilha suas descobertas com os amigos.
— Lembram daquele dedo bem conservado e do anel de sinete que ele carregava?
— O que tem? — pergunta Adrian, com descaso.
— Um dos esqueletos encontrados datava o mesmo período e, coincidentemente tinha um anel igual.
— E daí? — indaga Sebastian.
— E daí que eles morreram em lugares diferentes, mas tinham a mesma origem, talvez até o mesmo parentesco. E isso não é o mais curioso.
— Vai, fala — Adrian estimula sem demonstrar qualquer empolgação, mas só para si ele escondia o interesse.
— O anel tem uma datação mil vezes mais recente que o dedo.
— Isso quer dizer... — Sebastian formulava a resposta.
— Que o dono do dedo viveu um milênio até possuir o anel e se desfazer de ambos — Alaric completa.
— Isso é absurdo — diz Sebastian, o mais cético.
— Agora é minha vez de compartilhar minhas descobertas. Andei lendo uns livros na biblioteca e conversando com um pessoal de diversas religiões. Juntei as peças e vi que o bode tem relação com vida extraterrestre tanto quanto com forças espirituais.
— Vida extraterrestre? — surpreende-se Alaric.
— Só para começar, os espíritas creem que uma casta deteriorada da raça humana foi banida de um planeta na zona habitável da Capella, e que, segundo eles, chegaram na Terra na época de Adão e Eva.
— Não, me poupe — bufa Alaric.
— Espera! Deixa eu terminar.
Alaric abaixa a cabeça, em sinal de rendição.
— O que isso tem a ver com o bode? — questiona ele.
— Todos os mitos de semideuses, tanto da cultura grega quanto da cultura celta mencionam o bode. Dionísio teria se transformado em bode; Júpiter, ou Zeus, foi alimentado por uma ovelha; os celtas também usavam o bode em seus ritos; no Egito o bode era venerado com deus Pã. E se ao invés de serem humanos exilados da Capella, forem espíritos exilados do céu? Isso explica a origem dos gigantes nos tempos pré-diluvianos e a origem de deuses e semi-deuses.
— Você ainda não falou onde entra os extraterrestres nessa teoria maluca — zomba Alaric.
— Diga para ele, Sebastian.
— Dizer o quê? — pergunta Alaric, olhando de um para o outro.
— No meio científico há um burburinho crescente sobre atividades estranhas, tanto em estrelas como em outros fenômenos astronômicos. Alguns fazem de tudo para abafar os casos e não virarem notícia sensacionalista, já outros atribuem a seres de outros planetas, com tecnologia e fonte de energia superiores às nossas, e que, por esse motivo, frustram nossas tentativas de explorar mais a fundo. O principal objeto de estudo deles ê a Eta Carinae, que tem apresentado oscilações que não aceita nenhuma explicação lógica e natural.
— Você quer dizer que são espíritos e extraterrestres trabalhando juntos? — pergunta Alaric, com deboche.
— Escute. Sabemos dos casos aqui mesmo na floresta da Romênia, do pastor que sumiu com duzentas ovelhas, sem falar da menina de cinco anos que desapareceu e retornou cinquenta anos depois, com a mesma idade e a mesma roupa. E o Lago Roopkund? E o Triângulo das Bermudas? E todos esses lugares de atividades misteriosas e anormais? Como você explica? A ciência não sentar-se soberana no centro da razão e querer ser detentora de todas as explicações. Sabemos que o universo não é feito só de matéria visível. Há coisas que estão além dos olhos.
— Tá. Tudo bem. Mas por que motivo esses espíritos, que você diz terem vindo de Capella, iam querer de humanos?
— Aí é que entra a descoberta que eu fiz de um conhecido na Irlanda. Conhecem Enya?
— Ah, não! Lá vem mais invencionice — Alaric perde a paciência.
— Olhe! Veja se não tem alguma ligação. Enya compôs uma música em 1988 chamada "Orinoco flow". Nela, a cantora menciona civilizações antigas, inclusive aponta para a região onde viveram os Incas, Maias e Astecas. Mais recentemente, ela compôs uma música intitulada "Dark sky island", na qual ela cita Capella, Eta Carinae e outras estrelas, como Aldebaram. Você sabe que as Plêiades ficam próximas e que elas têm sido associadas a raças alienígenas.
— Sim. Os Pleidianos. Mas... Você está querendo dizer que existe uma parceria entre esses seres espirituais e essa raça de humanos?
— Não vê o que a arqueologia já descobriu sobre as práticas sanguinárias dos povos antigos? Podem haver mais de um tipo de alienígena, ou o mesmo tipo com disposições diferentes. Um parece ser passivo e se esconde entre nós pacificamente. Já o outro se rebelou de algum modo. Como você explicaria os sumiços nas Bermudas? E o sumiço da criança que sumiu em Hoia-Baciu, voltando com a mesma idade depois de meio século?
— Você está praticamente insinuando que eles são capazes de se teletransportar — sugere Alaric.
— É por esse motivo que os tais espíritos usariam os humanos. E se a pessoa a quem pertenceu este dedo for dessa raça de humanos extraterrestres? Se eles são capazes de viver tanto tempo, que aparência você diria que eles têm?
— Sei lá... horríveis — Alaric chuta.
— Com aparência de vampiros, lobisomens, demônios, espectros e todas essas criaturas e seres macabros que permeiam as lendas do mundo todo.
— E a história do bode? — Alaric lembra do motivo principal da conversa.
— Não sei para qual finalidade eles usariam o bode. Mas lhe asseguro que uma coisa completa a outra. A constelação do cocheiro, onde situa-se a Capella( ou "cabrita") fica abaixo da Constelação de Andrômeda. Algo me diz que tem uma relação entre elas.
— Por quê? — Sebastian pergunta.
— Tenho meus motivos. Raciocinem comigo: se eu estiver certo sobre esses dois grupos de alienígenas, um bonzinho e um monstruoso, tem que haver algo que eles queiram em comum, algo poderoso, que um tem de sobra e o outro só uma parte.
— Você está usando maconha demais — comenta Alaric.
— Espera eu terminar. E se todos esses sumiços forem uma tentativa de obter o que eles perderam? E se eles, juntos com esses espíritos quiserem transformar a galáxia inteira em um cemitério de monstros sob o domínio deles? Todas as histórias dos povos mostram o massacre, o derramento de sangue e os horrores praticados em rituais sagrados, na veneração dos deuses deles.
— Isso quer dizer que o objeto de culto deles sempre foram esses espíritos exilados?
— Exatamente. E que é para lá que foram todos os misteriosos desaparecimentos. Por isso eu planejei uma viagem para Niue, uma ilha na Polinésia. Sabem como ela foi chamada?
— Não — respondem juntos.
— Ilha do céu escuro, ou Dark sky island, o mesmo título da música de Enya. Lá é possível ver Andrômeda perfeitamente.
— E quando você vai?
— Na véspera de 30 de outubro. Chegarei no dia 31.
— Haloween!
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