Passo nervosamente as mãos suadas pelas calças uma vez mais. Havia me preparado para esta noite, para as perguntas e comentários que poderiam surgir, mas algo sutil e poderoso fugiu ao meu planejamento. Um único detalhe que não antevi.
Quem faria a pergunta “Qual seu autor preferido?”
Ela ecoa novamente dentro de mim, percorrendo cada canto de minha mente sem encontrar a resposta que busca. Nomes que escolhi cuidadosamente desaparecem como colunas de areia ao vento, deixando em seu lugar apenas vazio e silêncio. Memórias de autores que embalaram minha infância parecem agora inacessíveis e seus nomes e textos, antes tão claros e marcantes, tornam-se apenas lembranças fugidias e embotadas.
Ergo os olhos da cópia aberta do livro que ele me estendeu — o meu livro —, a caneta repousando sobre a página em branco, e encaro novamente os olhos dourados do gênio enquanto uma pena alva de suas asas rodopia suavemente no ar entre nós, antes de repousar sobre a mesa de autógrafos.
Tento responder, mas as palavras não saem, distraído que estou com a delicada figura da menina oriental que se esforça para olhar por cima da mesa alta, sua pele albina contrastando com a toalha escura.
— Olha, gostei do seu livro — A doce voz dela me desconcerta.
— Eu... — Tento falar, mas o cheiro salgado da maresia me atinge quando a capitã se inclina sobre a mesa e, erguendo seu tapa olho, pisca em minha direção um olho branco e sem vida.
— Por que simplesmente não assina a porra do livro?
Eu concordo com um gole em seco, segurando a trêmula caneta e voltando a atenção para o livro. Não ouso encarar aquele olhar novamente.
— Para quem faço a dedicatória?
Um dedo firme pressiona a parte superior da página, marcando impacientemente onde quer que eu assine. Um jovem com um sorriso arrogante me observa, uma estranha aura o envolvendo.
— Você sabe o meu nome. — E prossegue em tom de puro deboche: — Para quem mais seria?
Começo a escrever, mas vários sons começam a retumbar em meus ouvidos, nublando a visão. Ouço balidos de ultraje e prazer, lamúrias de guerreiros imortais caídos, zumbidos de computadores sencientes, o choro dos que sofrem e gritos de puro terror e medo. Cheiro o doce aroma do café e o fedor metálico do sangue. Sinto a última lambida de um amigo moribundo, o frio silencioso do espaço, a força do golpe que varre uma cidade, o amor egoísta de Narciso, a paz do caminho do Dharma e a dor da policial baleada.
Ao final, não sei o que escrevi; apenas entrego o livro ao cacique coberto de cicatrizes e vitórias, mas desprovido de vida. Ele simplesmente responde com um aceno de cabeça e um grunhido, virando-se para partir.
Levanto-me e o seguro pela mão, manchada pelo sangue de dragões. Ele se vira e vejo dois olhos heterocromáticos repletos de raiva e desdém. Não posso deixar que parta sem responder a minha pergunta.
— Para onde vai?
— Para Lugar Nenhum.
Dan Alves
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