kztironi Karina Zulauf Tironi

"É como uma brisa suave, aquele cheirinho da chuva que se aproxima, o sol que entra por uma fresta da janela e aquece o quarto inteiro. Seu amor é gentil, passional de maneira suave e doce. Seu amor é como voltar para casa."


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Meu ponto forte.

Desde pequena, sempre ouvi que saberia quando estivesse apaixonada. É óbvio, não tem muito como confundir; o coração acelerado, as borboletas descontroladas no estômago e mãos tremulas. Você sabe que está apaixonado, alguém me disse uma vez, quando não tem controle do próprio corpo, muito menos dos seus pensamentos.

O primeiro menino que gostei estudava na mesma sala que eu, tinha olhos azuis e cabelos loiríssimos. Para completar, se chamava Gabriel. Até nome de anjo ele tinha. Decidi então que me casaria com ele. Afinal, estava apaixonada, amava vê-lo entrar pela porta, com sua mochila de rodinhas, se sentar na sua cadeira e prestar muita atenção na professora - ele sempre foi o mais inteligente da sala, sempre as maiores notas em todas as matérias. Nunca havíamos nos falado, eu era muito tímida e sabia que passaria vergonha se tentasse. Além do mais, era completamente invisível.

Mas eu sabia - tinha certeza! - que era amor. Quer dizer, eu o achava lindo e interessante, meu coração pulava no peito só de escutar sua voz, sem contar que tremia com a ideia de conversar com ele. Era o amor da minha vida. Só ele que não sabia disso ainda.

Um dia, em uma viagem com a turma da catequese, minha mãe deu a ideia que eu levasse um presente para ele. E lá fui eu, nervosa e agitada, com um chocolate em formato de coração com as palavras "Te Amo!" escritas. Achei um pouco demais, já que ele nem sabia do meu interesse, mas decidi tentar.

Bom... a manhã terminou com uma menina correndo atrás dele para entregar o chocolate, a meu pedido. Gabriel ria e corria para longe, sem querer tocar no presente.

Acho que foi naquele dia que comecei a entender que estar apaixonada nem sempre é algo bom. Não lembro se chorei quando cheguei em casa, mas lembro de parar de virar o rosto em direção à cadeira dele.

Tive, com o passar dos anos, alguns outros interesses, mas, mais uma vez, me sentia desajeitada demais para a arte do flerte. E eu tinha completa consciência que a maioria dos garotos me achava estranha, com aquele cabelão cacheado escondendo metade do rosto, os ombros sempre curvados de vergonha. Eu era alta para a idade, mas tentava me esconder no meio dos outros. Então gostei de muitos, sem que soubessem. Miguel, das aulas de tênis (mais um com nome de anjo e cabelos loiros), Eduardo (quase foi meu primeiro beijo, mas me recusei que acontecesse no meio de uma festa e ele acabou ficando com outra menina no dia), Felipe (que um dia jogou meu caderno da catequese na parede [nem preciso dizer que parei de gostar dele depois disso])... Por todos esses eu sentia as borboletas no estômago e o coração disparado. Eu até gostava de me apaixonar, o que não sabia era o que fazer com isso.

Muitas coisas aconteceram, mas até meus vinte e um anos nunca havia namorado. Claro, na maior parte das vezes porque eu gostava de ficar sozinha e me sentia segura comigo mesma - sem estresse, sem cobranças, somente eu e meus livros e minha escrita solitária. Estava perfeito para mim.

Gabriel (Diego Medeiros, não o menino que negou um chocolate Franz), foi uma grande surpresa pra mim. Eu o conhecia de vista, porque o via na faculdade, andando de um lado para o outro, sempre muito rápido e decidido. Achava ele bonito, mas porque na época estava gostando de outra pessoa nunca chegara a pensar em falar com ele. Eu nem mesmo sabia seu nome, ou que trabalhava no centro acadêmico de psicologia, tampouco que era para manter ele no emprego que assinei uma petição que rodou o curso inteiro (somente assinei porque ouvi todos falando o quão legal ele era e que estavam demitindo algumas pessoas para "cortar despesas"). Gabriel me disse, logo quando começamos a nos ver, que ele sempre me via sentada no sofá ao lado da escadaria, lendo, e me achava muito bonita. Ele, como eu, estava com alguém, mas lidava com o fim do namoro e estava passando, como eu, por uma fase bastante dolorosa. Naquele ano ele se formava, então, fazia malabarismos com o TCC, estágios, o trabalho exaustivo e o fim do namoro de vários anos. Isso explicava, imagino, um pouco dessa pressa que ele tinha sempre que o via. Em um momento ele estava ali, no outro sumia.

Enquanto isso, eu lidava com uma tristeza que me acometia há meses e não parecia passar. Minhas amizades começaram a esfarelar, minha família estava igual, mas parecia longe demais para a proximidade que eu estava precisando, meus pilares subitamente não eram mais capazes de me manter de pé. Com tudo isso, por Deus, me apaixonar de novo era a última coisa que eu queria.

Para nós dois, vivíamos um inferno pessoal. Se tivéssemos começado a conversar naquele tempo, eu teria projetado questões minhas para cima dele, tentaria socá-lo para dentro de um molde vazio, e, no processo, o quebraria. Eu sabia muito bem que precisava ficar sozinha, precisava voltar a escutar minha própria voz, precisava silenciar qualquer barulho de fora. Não o usaria dessa forma, nem qualquer outra pessoa.

Foi então, no começo de 2021, que tivemos nossa primeira e oficial conversa. Com nenhuma intenção a mais além de cautelosamente nos conhecermos, trocamos mensagens, áudios, memes e fotos engraçadas. A todo momento, era algo leve, divertido, lindo! Meu coração estava enrolado em uma manta, quentinho e protegido, minhas mãos firmes e as borboletas cobrindo cada parte do meu corpo, abrindo e fechando as asas preguiçosamente. Não se enganem, não foi falta de paixão; foi simplesmente meu corpo compreendendo que não estávamos em um território perigoso.

Hoje, entendo a diferença. Podemos gostar de muitas pessoas durante a nossa vida, mas são as pessoas que trazem a calmaria, que trazem a segurança, que devemos manter por perto. O amor de Gabriel é como uma brisa suave, aquele cheirinho da chuva que se aproxima, o sol que entra por uma fresta da janela e aquece o quarto inteiro. Seu amor é gentil, passional de maneira suave e doce. Seu amor é como voltar para casa.

Gabriel não é meu ponto fraco.

Ele é, com certeza, o meu ponto forte.


19 de Julho de 2022 às 23:57 2 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

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Karina Zulauf Tironi Como escrever sobre mim, quando me torno tantas outras pessoas enquanto estou escrevendo?

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Margot Friedmann Zetzsche Margot Friedmann Zetzsche
Que lindas reflexões sobre a descoberta do amor! Uma história com o frescor e a suavidade de uma brisa de primavera!
August 15, 2022, 00:46

~