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Mini conto baseado na música "To Build a Home - The Cinematic Orchestra" 🌒


Conto Todo o público.

#conto #romance #drama #miniconto
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To Build a Home

(Se quiser ouvir junto com a música: The Cinematic Orchestra - To Build A Home")



Baixei o vidro da janela do carro porque o ar preso ali dentro começava a me sufocar. O vento gelado atingiu em cheio meu rosto e respirei fundo tentando trazer um pouco dele pra dentro de mim, sem sucesso. Quer dizer, ele entrava, mas não aliviava em nada a queimação contínua.

A realidade é que eu estava sufocando em mim mesmo e nada parecia amenizar a sensação de peso que subia desde a boca do estômago e trancava tudo pelo caminho. A pressão parecia tanta que chegava ao fundo dos meus olhos, secos pela brisa salgada que subia pela costa.

As ondas batiam lá embaixo, as gaivotas entoando o eco que sempre parece acompanhar esse cenário de estrada no penhasco, à beira da praia, e até o sol parecia emitir som e participar desse ruído de fundo. Era injusto ser um dia tão bonito.

Eu já havia desistido de encontrar uma estação com alguma música que fizesse sentido nesse momento, não acho que música fará sentindo para mim por um bom tempo. Entender isso fez o peso aumentar e eu já estava no limite, na beira. Tão perto da beira.

Seria tão fácil só continuar acelerando, o horizonte parecia chamar meu nome, as nuvens se agrupando logo em frente como se formando um caminho para diminuir qualquer medo que existisse de entrar no ar vazio, logo após a barreira que se aproximava fazendo uma curva na qual eu não queria prestar atenção.

Mas você sempre odiou o fato de eu buscar o caminho mais fácil pra tudo e nesse momento, justo agora, eu não quero te decepcionar. Por isso eu tiro o pé do acelerador e reduzo o necessário pra acompanhar a curva na beira do precipício, esticando meu braço num reflexo inconsciente pra te segurar. Sinto você sorrindo pra mim e sorrio também, sem tirar os olhos da estrada à frente onde já consigo enxergar a nossa entrada.

O carro balança um pouco quando as rodas encontram o caminho irregular com grama, pedras e a natureza selvagem que tanto nos chamou a atenção nesse canto da Terra. Não demora muito para a casa entrar no meu campo de visão e eu sentir a pressão dentro de mim tão forte que preciso parar o carro onde estou. É difícil respirar vendo a casa que construí para você e para mim depois de tanto tempo, sendo tomada aos poucos pela vegetação que cresce sem ordem ou controle, deixando claro o abandono de um lugar que deveria ser refúgio, o nosso refúgio.

Minhas mãos estão suando enquanto seguro o volante, paralisado enquanto vejo as memórias de um tempo antigo e precioso. Você parada em frente a porta de entrada, segurando um martelo, determinada a pendurar o maior número possível de fotos e quadros porque "só assim uma casa realmente ganha personalidade". Você andando pelo jardim, tirando ramos de erva daninha achando que iria conseguir controlar a natureza tão parecida com você, indomável.

Você por todos os lugares, em todos os sentidos, sentindo o máximo possível na maior intensidade já vista em uma pessoa do seu tamanho. Eu fecho os olhos para tentar não ver tantas de você, mas a imagem está gravada na minha retina. Eu te enxergo além de onde é possível.

A seguro em meus braços e abro a porta do carro, sentindo a temperatura do ar cair cada vez mais com o pôr do sol que se aproxima. Deixo as memórias passarem por mim, como uma tempestade de rostos e sons em velocidade rápida, enquanto caminho até os fundos da casa, até enxergar a semente que plantamos há tanto tempo. A árvore se mantinha imponente, ignorante do tempo em que não foi cultivada com a promessa que havíamos feito a ela, ou simplesmente acomodada com a solidão.

Por meio dos veios e aberturas, escalo com cuidado segurando você forte em meus braços e alcanço o topo, como dissemos que faríamos para poder enxergar o mundo. Enquanto me acomodo em um galho, sinto os pelos em meus braços arrepiarem com o vento, me sinto tremer, mas não sinto frio. Respiro fundo e abro a tampa dourada, as lágrimas escorrendo já sem controle. Espero o ar dar uma guinada e trazer o vento em direção ao jardim para, com um movimento, jogá-la além. Você, por todos os lugares.

O vento fica mais forte, os galhos balançando com as rajadas que tentam me derrubar, mas eu seguro firme, assim como você segurou em mim.

27 de Junho de 2022 às 18:36 0 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

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Vidi Scripsi Tentando escapar de um bloqueio autoimposto 🌒 By LM

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