Memória é algo interessante. Vive em nosso cérebro, embora pareça espalhar-se por todo o nosso corpo. Os lábios lembram a sensação de serem beijados tanto quanto as mãos lembram a sensação de estarem entrelaçadas a outras. A memória é abstrata, expansiva, poderosa. Envolve-se com a essência do nosso ser. Enlaça-se à pergunta talvez mais questionada durante toda nossa vida: quem sou eu?
O som da respiração acelerada ofuscava qualquer ruído proveniente da natureza, tais como o som do bater de asas dos pássaros ou as folhas das árvores que balançavam com a fúria do vento. O segundo som dominante vinha da grama e galhos pelos quais os pés do homem por cima passavam. O gosto das lágrimas embrulhava seu estômago tanto quanto o desespero que espalhava-se por cada molécula de seu corpo. A latência das escoriações causadas pelas árvores com as quais esbarrou-se durante o percurso tornava-se mais evidente a cada segundo, assim como a ardência em sua garganta, recorrente do ar frio. Apesar disto, recusou-se a parar de correr, obstinado em chegar a algum lugar além do obscuro em sua mente.
Não recordava-se do momento em que decidira começar a correr e tampouco onde exatamente queria chegar. Indagou-se por um segundo se realmente havia algum destino que devesse encontrar. Desviava o caminho assim que via um obstáculo e continuava a correr em direção aleatória. Não sabia há quanto tempo corria, se por horas ou minutos.
Um soluço inesperado escapou de sua garganta quando um trovão caiu há alguns metros de si, estremecendo cada parte de seu corpo e aumentando o pânico. Cada célula de seu corpo implorava que ele se encolhesse em um canto escondido e esperasse os raios passarem, mas a urgência em sair do meio das árvores só o instigou a aumentar a velocidade dos passos. Só então deu-se por conta dos pingos de chuva que começavam a envolver sua pele como uma manta, a roupa pesada agarrando-se ao seu corpo, assim fazendo com que tivesse consciência da mesma.
Usava roupa. Corria. Chovia. Ardia.
Era tudo o que sabia.
Falhou em perceber que as árvores haviam se tornado menos densas. A visão começava a ficar turva, os pés pareciam ceder a cada pisada que dava e respirar tornava-se uma missão difícil. Deu-se por conta que os sons altos que invadiram seus ouvidos provinham de seu peito: tossia.
Avistou, então, um jardim serpenteado por um caminho de pedras. A parte lateral de uma grande mansão fazia-se visível ao passo que os pés trôpegos teimavam em continuar a correr e descer uma pequena colina. A casa logo em frente, envolta parcialmente pela floresta da qual fugia, era a única coisa que podia enxergar em questão de quilômetros e mais quilômentos de um campo extenso. Forçou-se a continuar ao avistar o movimento que havia em torno dela. Algumas pessoas faziam-se presentes em frente à mansão, segurando guarda-chuvas, e correndo de um lado ao outro.
Um segundo depois, assim que sua presença já não era um segredo aos demais, deu-se por conta de que suas funções corporais falhavam. Pôde distinguir suspiros e exclamações surpresos, mas continuou a correr até ter a certeza de que não estava completamente sozinho.
Apenas então atreveu-se a parar.
Parou, sentindo as pálpebras pesarem em conjunto do corpo, os pulmões desistindo de funcionar e cada músculo de seu corpo falhar em mantê-lo em pé.
As dores desvaneceram.
Deitado sob a grama molhada, assim como suas roupas, assim como seus olhos marejados, permaneceu acordado apenas o suficiente para sentir-se ser tocado por mãos tão geladas quanto a própria pele. Pôde distinguir a voz de pelo menos cinco pessoas ao seu redor, mas a visão turva não permitiu que enxergasse a quem pertencia.
Segundos antes de perder a consciência, murmurou as palavras que rondavam sua cabeça repetidamente, até que sua voz desvanecesse:
- Lembre-se, lembre-se, lembre-se...
Notas:
Gente linda, gente boa, gente bela!
Pra quem não me conhece, meu nome é Josi - alguns me chamam de Panda tb, então como preferirem -, prazer! Vou estar por detrás das telinhas nessa jornada. Aos que já me conhecem, bem-vindes a mais uma história!
"Amanhã eu fui memória" é um projeto no qual venho trabalhando há muuuito tempo já, eu diria que mais de 4 anos, e ao qual eu tenho muitíssimo carinho. É um pouco diferente das minhas outras histórias, porque envolve fantasia e ficção, mas acho que a gente consegue percorrer esse caminho juntos sem mt impacto pelas diferenças hahahhah. Espero que gostem!
Gostaria de deixar claro que, apesar da história se passar no século XIX, vocês já devem saber que envolve fantasia e também envolve o século XXI.
Eu não procurei, em momento algum, retratar a escrita dos séculos passados, minha escrita permanece atual. Obviamente que eu trouxe - ao menos, fiz o melhor para que sim - diálogos, vocabulário e palavras de época, mas não durante a narrativa e sim nas falas dos personagens. Só queria deixar isto claro. 2bj.
Amem, odeiem, mas me digam o que acharam! ♥
Obrigado pela leitura!
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