Os policiais da equipe de investigação saíram cortando a mata, naquela manhã de sexta-feira — 23 de setembro de 2019 —, com os cães farejadores. Castelo, o Delegado de Polícia, chegou ao local às 7:00h e adentrando a cabana viu o Investigador de Polícia, Fabrício, já mergulhado na cena do crime como um coiote faminto no galinheiro, ele e os Peritos. A cabana cheirava mal e de frente a ela estavam os dois pescadores que haviam ligado para a polícia após encontrarem o corpo no chão do banheiro estreito, e deles já haviam sido tiradas o máximo de informações necessárias até aquele instante.
— Sempre de prontidão, não é, investigador Fabrício? — disse o Delegado de Polícia.
— Na verdade, fui praticamente o primeiro a chegar — falou o investigador, por sua vez, a dar voltas pelo cadáver com dificuldade, em razão da falta de espaço.
— Um caso lamentável... — observou a mulher sem vida e subia até suas narinas já o cheiro da decomposição — Ela era uma boa atriz, eu a vi se apresentar num teatro e nunca me esqueço de como sabia interpretar tão bem a personagem.
O investigador virou-se para ele, atento.
— Teatro? Desde quando?
— Fui obrigado, por minha esposa, a assistir à peça. Todo mundo falava daquilo, era a Eliza e o cara do filme da gravata mágica.
— Que, sejamos francos, foi um horror. Honestamente, não sei se teria coragem de assistir àqueles dois numa noite só.
— Pois bem — a autoridade se aproximou do corpo e ficou com a testa franzida —, o que parece para você?
— É bem provável que ela tenha sido asfixiada, identificamos hematomas no pescoço. E pelo estado de decomposição, já deve fazer alguns dias que está aqui; já não vou poder apostar em exames papiloscópicos — desanimou.
— Tudo isso a equipe científica vai dizer — falou e observou os dois pescadores na porta, falando com os outros policiais — E eles, o que te disseram?
— Que a cabana é abandonada e há um mês eles começaram a utilizá-la para dormir e comer. Por aqui não há moradores e pouco se pesca nesse rio, eles mesmos só vêm a cada quinze dias e na madrugada de hoje tiveram essa grande surpresa quando pararam na cabana para descansar.
— E que surpresa... Bom, há muito a se investigar e esse caso é todo seu. Creio que não vai nos desapontar.
— Não irei.
O investigador deu tudo de si, dedicando-se ao caso de Eliza Brum, interrogou os amigos da atriz, os conhecidos, a família, os pescadores, os moradores no outro lado do rio, o pessoal do evento em que ela estivera pela última vez... Olhava a uns com desconfiança, mas a qual logo se esvaía, a outros com tamanha falta de preocupação que lhes pareciam até amigáveis, mas a um... Olhava como a nenhum outro, porque este, depois de todas as informações obtidas e observações feitas, lhe causava muita inquietação, era Samuel, o psicólogo que Eliza consultara por um tempo, ele tinha um consultório no centro da cidade, mas naquela manhã o investigador só o encontrou em sua casa. Samuel não sabia, mas ter sido encontrado ali pelo investigador significava o começo de uma grande perseguição.
Quando o psicólogo abriu a porta para o investigador encarou-o imparcialmente, isto porque ainda não sabia do seu ofício, no entanto, quando Fabrício se apresentou teve este a impressão de mudar o semblante do psicólogo repentinamente e ainda disse a ele, com ironia, que não se assustasse, só o deixasse entrar.
— Algum problema? Eu estava tomando café — disse Samuel.
— Se há um problema? — ressaltou o investigador, ao dar uma passeada com os olhos pelo cômodo e por fim concentrá-los em Samuel — Eliza Brum foi morta. Fora isso...
— Espere... — fez um gesto com a mão esquerda, desentendido.
— Eu soube que ela costumava consultar você há 8 meses atrás.
— Sim, disse bem, há 8 meses atrás — moveu-se, indo apanhar a xícara na mesa de centro — E imagino que esteja querendo saber se ela me falava algo intrigante sobre alguém...
— Na verdade, não exatamente — interrompeu-o de imediato — Porque meu maior suspeito já está bem diante de mim.
A mão que elevava a xícara de café parou bem de frente aos lábios de Samuel e este girou o rosto para o investigador, desfez-se do objeto e tornou a fitar o investigador.
— Não entendi — falou.
— Samuel de Paulo Alencar — o investigador o encarou — Você matou Eliza Brum?
— O quê? — sobressaltou os olhos — Como pode achar que fiz aquilo? Não sou um assassino!
— É a frase mais original que ouço durante toda a minha carreira — deixou os lábios risonhos, revirando os olhos — Eu estive interrogando várias pessoas, investigando os locais, caçando pistas... E tudo o que encontrei, tudo o que me disseram aponta para o mesmo caminho, o que me leva até você. Engraçado isso, não? Parece até versinho de música.
— A única relação que eu tinha com a Eliza era de prestação. Só a via quando ia ao meu consultório e só a conhecia pelo que ela mesmo me dizia que, muitas das vezes, eram só repetições. Por que eu a mataria?
— Eu soube que você era apaixonado por ela.
Samuel o encarou, por longos segundos, em silêncio.
— Quem te disse isso? — questionou.
— Uma pessoa que era grande amiga da Eliza e que parecia ouvir mais confissões que você. E sabe o que ela me disse? — falava o investigador, desafiadamente — Que, a propósito, foi a própria Eliza quem a revelou, que certo dia, durante uma de suas consultas, você contou à atriz que estava apaixonado — ele abriu sua caderneta de anotações, para recordar de alguns detalhes — No momento ela riu, te achou bobo e disse que já estava comprometida. Mas, daí em diante, sempre que ela retornava ao seu consultório você a cercava com conversas e perguntas pessoais e já não era uma consulta psicológica, você estava exalando seus sentimentos, se derramando a ela. É verdade que até a perseguia fora do consultório?
— Eu nunca fiz isso.
— Não?
O investigador retirou de seu bolso um aparelho de celular e mostrou ali um vídeo para Samuel, o qual assistiram juntos.
— Aqui você segue a Eliza até uma cafeteria e fica a espreita no lado de fora quando ela entra com o namorado — o investigador narrava — Nem fazia ideia de que estava sendo vigiado, não é?
— Quem filmou isso? Quem andou me filmando? — estava indignado.
— Uma pessoa que, como eu, naqueles dias já desconfiava de você — falava da melhor amiga da atriz.
— Mas isso não quer dizer nada. Eu era mesmo apaixonado por ela, aconteceu, vai me culpar por isso?
— Não por isso. Mas pelo crime.
— Pelo amor de Deus! Eu não tive nada a ver com a morte dela! Se eu era louco por ela, por que a mataria?
— Verdade, não é? Por quê? Afinal, quase não se vê casos de algum cara com ciúme doentio matando a garota por quem se dizia amargamente apaixonado, mas a qual não queria saber dele...
— Eu não tinha ciúmes. E mesmo que tivesse, jamais faria algo do tipo.
— Você foi agressivo com a Eliza, umas três vezes, dizendo a ela para largar o namorado, para que vocês ficassem juntos?
— Nunca.
— Você também disse, certa vez, que seria capaz de muitas coisas para ficar com ela?
— Eu não disse nada disso e quem te passou essas informações deve ser algum mentiroso querendo me incriminar! Vai lá saber se não é o próprio assassino.
— Bom — o investigador guardou seus objetos e fitou Samuel seriamente —, eu sei que ainda tenho muito a descobrir, mas tenha certeza, SAMUEL, que irei voltar aqui.
— Adeus — abriu a porta para ele, ele passou, mas parou, girando novamente o corpo para a sala.
— A propósito, eu soube que você fechou o consultório 5 dias após o ocorrido... Por quê?
— Bom, eu não estava conseguindo tantas consultas e o aluguel do consultório me apertou. Eu não desisti do trabalho, só dei um tempo.
— Mas você era um dos psicólogos mais procurados desta cidade, como pôde acabar assim?
— São coisas que acontecem, nem sempre estamos por cima. E eu também estava um pouco cansado, planejava viajar, viver um pouco distante dos prédios.
— Entendo... — olhou-o, o investigador, com grande desconfiança.
— Agora, me dê licença, tenho mais o que fazer.
— Tudo bem — viu a porta se fechar, mas a deteve depressa — Mas, caso pense em fugir enquanto eu me afasto, saiba que te encontrarei em qualquer lugar.
— Me poupe — bateu a porta.
Ao deixar a casa de Samuel, o investigador foi almoçar no restaurante do Pablo e à tarde levou seu Beagle à clínica veterinária, alegando que o cãozinho estava infestado de pulgas, passara a fazer isto várias vezes nas últimas duas semanas, porque havia gostado da moça que atendia o cão, a médica veterinária Raysa. E enquanto Raysa analisava o cãozinho agitado sobre a mesa, risonha e despreocupada, Fabrício relatava como eram suas experiências diárias enquanto estava com o cão: chegava cansado no apartamento e Tampinha dava pulos e começava a correr para todos os lados, era quase impossível acompanhar seus movimentos e estava sempre tão disposto a brincar, era assustador! Contava também que, na realidade, esperava que sua mãe lhe trouxesse um cão de porte maior, um Foxhound, ou um Pastor Alemão, ou até um labrador, e agora Tampinha já estava com 8 anos e o dono não podia se livrar do presente da mãe. O cãozinho demonstrava muito afeto à veterinária e Fabrício sabia que era porque com ela ele encontrava mais diversão que com seu dono cansado e pensativo demais; Raysa gesticulava as mãos, sacudia a pele do animal, dava gargalhadas para ele e lhe apresentava alguns pequenos brinquedos, na verdade, uma bolinha roxa, que ele adorava. E no fim, não se achavam pulgas, só uma troca de olhares e sorrisos que falavam mais que todas as palavras e latidos.
— Gostaria de tomar um café um dia desses? — o convite do investigador logo apareceu.
— Um café? — Raysa riu, ao passo que o via tentar conter as corridas do cão — Seria ótimo.
— Eu sei de um lugar muito bom, vou lá sempre que acho um tempo sobrando; às vezes até levo o Tampinha. E ele aprova — o olhou, sorrindo.
— Pode ser amanhã à tardezinha?
— Amanhã? — se mostrou surpreso.
— Se você puder, claro — foi rápida em dizer.
— Posso, posso sim! Passarei aqui às 17:00h, está bom pra você?
— Sim — sorriu.
Fabrício puxou o cão pela coleira, à medida que a veterinária o olhava, com os lábios alegres.
— Nada de pulgas? — ele perguntou.
— Nenhuma — ela disse.
Continua.
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