Angélica Costa
Nos poucos momentos de silêncio da minha vida, eu refletia em meio as lembranças, o motivo que me fez escolher essa profissão.
O motivo que me fez ficar apaixonada pela área criminal. O que me fez gastar horas preciosas da minha vida em busca de respostas e detalhes de casos criminais famosos. O que me fez dedicar minha adolescência e vida adulta, em busca de respostas para compreender o comportamento e mente de um criminoso.
Qual era o motivo de um adolescente de treze anos, assassinar quatro membros da própria família e cometer suicídio? Qual era o motivo de uma adolescente de classe alta, junto com o namorado, assassinar os próprios pais?
Perguntas que pairavam o ar, os detalhes que nem a mídia do nosso país seria capaz de descobrir. Fragmentos e respostas vagas: era o que as pessoas leigas dessa sociedade sempre iriam receber da Justiça.
Ah, a Justiça... Uma piada ruim, mas que ainda consegue me fazer rir.
Não importa quantas vezes eu veja e ouça a notícia de um criminoso sendo detido pela polícia e condenado pela Justiça à alguns míseros anos de carceragem. Existe muito mais criminosos para serem descobertos e caçados, mas a própria Justiça, sabe que é incapaz de lidar com tantas ervas daninhas.
Arranque uma e surgirá mais duas no mesmo lugar. Derrube um chefe do tráfico, que logo depois alguém assumirá o seu cargo. Processe e tire um político corrupto do cargo, que o dinheiro ilegal continuará a andar pelas mãos de outros, atrás das cortinas.
Esse é o nosso belo país, Brasil. Criminosos são fabricados todos os dias. Isso torna quase impossível e talvez surreal o trabalho da Justiça brasileira. Muitos ratos para poucos presídios... E eu contava os dias para que tudo "explodisse", tornando essas unidades incapazes de controlar e salvar essas pessoas. Mas dificilmente eu acreditava na "cura" dessas pessoas...
Irônico, não? O pensamento de uma psicóloga criminal, cujo trabalho é tratar mentes criminosas, além de auxiliar a polícia nas investigações. Mas precisamos separar o profissional do pessoal: para mim, como humana, essas pessoas não têm salvação. Sempre iria existir a semente do mal implantada em suas mentes. Só bastava escolher corretamente a "pessoa" para rega-la, fazê-la crescer e revelar novamente sua verdadeira face doentia. Um gatilho, um medo, um trauma: era o que eles precisavam para voltar a agir. E talvez, essa seja a resposta da minha escolha: controle.
Alguns transtornos mentais eram incapazes de serem curados, por questões biológicas. Nasceram dessa forma. Remédios ou psicoterapia não poderiam fazer milagres em relação à isso. Então, o que me restava, o que me movia, era controlar. Enquanto estivesse em minhas mãos, eu iria controlar suas mentes da melhor forma que eu pudesse. E iria guia-los para o caminho certo: a luz da empatia.
Assim como um policial não pode prender todos os criminosos que puder, mesmo que tenha um motivo, que esteja certo, eu não posso curar e ajudar todos os criminosos. Mas ambos usamos nossas cartas, da melhor maneira que pudemos, seguindo as regras do jogo. Aceitamos as derrotas e tentamos refazer mais um dia de glória, em prol a sociedade inocente.
Não somos heróis; apenas tentamos ser úteis para a civilização. Não podemos fazer milagres ou deixar nosso meio de fazer justiça nos cegar. Somos humanos, falhos, tentando encontrar um fio de esperança em meio a tanta podridão e escuridão.
[...]
O gosto amargo e quente do café escorria pela minha garganta. Um expresso era sempre bem-vindo, quando se trabalha com tantas fichas criminais. Principalmente, quando você está em horário de almoço.
— Angie! — Não precisava me virar para checar de quem era o chamado: Ricardo Neves, policial militar e o único amigo que me restou da minha época na faculdade de psicologia.
Ricardo era extrovertido, animado e simpático. Características peculiares para um policial. Acho que por isso, sempre gostei da sua companhia.
Me custava a acreditar que uma pessoa tão boa como ele, podia estar na área criminal. Seus olhos mostravam inocência, mas ao portar uma arma, eu sei que esse brilho se esvaia dos seus olhos.
Quando eu tinha dezenove anos, conheci ele na faculdade. Ele era estudante de direito. Nos conhecemos por acaso na lanchonete da faculdade. Ele me irritava, e sabia disso. Mesmo assim, continuou vindo até mim, em busca da minha amizade.
Seria uma bela história de amor adolescente, se eu fosse capaz de me apaixonar por algum ser humano.
— Por que você sempre some na hora do almoço? — Era quase impossível almoçar com ele. Polícias não costumam ter horários flexíveis, mas ele ainda insistia e tentava almoçar comigo, pelo menos, uma vez ao mês. Mas eu era impaciente demais para ficar horas em um restaurante, o esperando. Em compensação, sempre comprava um lanche para ele. Ao ver o pacote, ele para de falar e o retira das minhas mãos, abrindo a embalagem do hambúrguer, o levando a boca com uma mordida.
— Obrigado! — Agradeceu, com a boca cheia do lanche. Formei um breve sorriso, mas ele logo se desfez ao colocar meus pés nos degraus da entrada da Delegacia. E a minha típica face de indiferença, retorna. Lar doce lar...
Terminando o café, jogo a embalagem em direção a cesta de lixo, e quando percorro pelos corredores, o clima de tensão retorna. Os raios de sol atravessando as janelas, transformavam esse lugar em uma adorável ilusão de pacifismo.
Ao passar pela pequena sala de reuniões, uma figura passa pela porta: David Silva, um dos colegas de Ricardo. Também policial militar.
Seu semblante atiça minha curiosidade: os olhos tremendo e gestos inquietos. Normalmente, polícias sempre passavam por períodos de grande estresse. Mas poderia arriscar um palpite, de que aquilo, era receio, para não chamar de medo.
— Estava indo até a sua sala, mas você me poupou o trabalho. Estamos em uma reunião, e gostaríamos da sua presença. — Palavras tão doces e formais, que me faziam quase acreditar que estava me convidando para um encontro seríssimo. Isto é, se não estivéssemos em uma Delegacia e entrando na sala de investigações.
Não questiono, era o meu trabalho. Apenas desejava que fosse rápido. Eu tenho vários afazeres inacabados.
No cômodo estavam outros dois polícias militares e a delegada: doutora Larissa Ramos. 30 anos de carreira e experiência. Os cabelos loiros, tingidos, escondiam os fios brancos da idade. Mas as rugas de cansaço e estresse eram visíveis. Entretendo, sua fisionomia mostrava força e determinação. Esperava ficar assim daqui 30 anos...
Ricardo adentra a sala. Deve ter se alimentado rapidamente, como de costume.
Pressentindo que todos os convocados ali estavam presentes, a delegada nos mostra uma caixa de presente vermelha, com um laço dourado no centro. Ao abrir a caixa, o conteúdo me surpreende levemente: uma marionete de madeira, simples, sem nenhuma face desenhada. O que de fato, destacava o conteúdo na caixa, era a mancha de sangue no fundo da caixa. Mais uma encomenda normal.
— Às 11:37 recebemos esse pacote. Estão interrogando o entregador em outro cômodo e tentando localizar possíveis vítimas de homicídio na região, para colher o sangue e ver se pertence a alguém... — Procedimento rotineiro. Não era a primeira vez que uma delegacia recebia presentes incomuns. Não achava que necessitava de uma reunião. Larissa deveria ter visto inúmeras coisas parecidas ao longo da sua carreira policial.
— É apenas isso? — Questiona um dos policias, ao lado de David. Não me forçava a decorar nomes de polícias que raramente passavam por aqui.
Sem se dar ao trabalho de responde-lo, Larissa pega o controle remoto da pequena TV presa a parede da sala.
A TV é ligada, e um vídeo está pausado. A figura que aparece está completamente coberta, não sendo visível nenhum fio de cabelo ou características físicas. Não poderia dizer se era homem ou mulher. Apenas uma luz fraca demonstrava a presença de alguém no vídeo.
O vídeo é iniciado, e a voz do indivíduo está modificada, grossa e levemente robótica. Sons desse tipo eram irritantes.
— Olá, caros policiais e investigadores da cidade de São Paulo. Vocês tiveram a sorte de serem escolhidos por mim para jogarem o meu jogo. E se tudo ocorrer bem, vocês me ajudarão a mostrar a decadência moral da nossa sociedade... — Narcisista, egocêntrico e arrogante. Mas ainda precisava de um diagnóstico para confirmar.
— Hoje, se forem inteligentes o bastante, descobrirão o paradeiro da minha primeira vítima. As regras do jogo são fáceis: eu continuarei com os meus assassinatos até ser localizado ou, até que nosso Governo imundo e corrupto, atenda as minhas exigências. Mas irei dar uma dica preciosa: eu não sou como os outros serial killers ou criminosos desse país. Talvez surja até uma nova categoria para mim. Então, vamos jogar? — Certamente, um completo narcisista com um grande desejo, uma ilusão de se tornar um justiceiro famoso e reconhecido. Achando que através da força e violência irão mudar algo. Patético.
Antes de pronunciar nossos pensamentos e opiniões, o som da porta abrindo violentamente nos chama a atenção, fazendo os policias quase sacarem as armas. Larissa fica irritada com a interrupção:
— Mas que porra é essa?!
— Sinto muito, mas a senhora foi convocada para ir a uma cena de crime na região da Vila Olimpia. A mídia pode chegar lá a qualquer momento. — Declarou o funcionário. Minha intuição me diz que esse caso vai interessante e complicado...
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