Madrid 2027
Já faz duzentos anos que eu estou no mesmo marasmo, olhando dia e noite para esse espelho mágico à espera de um sinal que indique a volta do meu irmão que sumiu na noite da guerra que nós travamos contra seres obscuros.
Esses seres foram trazidos ao nosso mundo por meio de uma invocação feita por indivíduos totalmente alheios aos perigos que a magia escondia para quem não a sabia usar com sabedoria. Se as pessoas comuns soubessem o mal que as ronda, eu duvido que elas conseguiriam dormir tranquilas à noite.
Sou o mago mais velho da ordem ancestral a qual pertenço, mas, quem me vê andando pelas ruas, não me dá mais de trinta anos. Sou um guardião da humanidade, somos no total cinco membros, contando Diogo, que sumiu sem deixar rastro nenhum. Ainda me lembro como se fosse hoje como tudo aconteceu…
***
Santiago de Compostela, 1827
A noite em Santiago estava nublada e um vento gelado e cortante fez com que os habitantes da cidade evitassem sair às ruas, permanecendo em seus lares quentinhos. No entanto, para a nossa ordem, que tinha vindo para uma convenção na cidade, era impossível se recolher tão cedo, pois, como vínhamos apenas uma vez por ano naquela cidade mágica, nós procurávamos aproveitar ao máximo.
Nesse momento, nós estávamos num pequeno e aconchegante bar. Uma moça muito bonita cantava uma canção melódica e triste e era acompanhada por um senhor de idade que tocava sua vihuela concentrado.
Tudo parecia em ordem, a noite tinha tudo para acabar de maneira divertida e sem estresse nenhum quando de repente a pedra de obsidiana que estava no meu bolso esquentou muito e aquilo era um sinal de alerta, de perigo iminente. De maneira involuntária, suspirei e me levantei da mesa para poder ir até um lugar mais tranquilo a fim de localizar de onde vinha aquela energia maligna.
— Aonde vai, Pablo? — perguntou Marcos, curioso.
— Acredito que temos uma emergência aqui na cidade... — declarei, ao mesmo tempo que tirava a minha obsidiana do bolso, que anteriormente estava toda preta, mas agora mostrava em seu centro uma cor vermelha pulsante. Ela era minha detectora de problemas maléficos, foi para esse fim que a encantei.
— Bem, vai lá, irmão, vai ver o que está acontecendo. Depois nos chame, que vamos junto contigo para resolver o problema. — Gesticulou Henrique, de maneira despreocupada enquanto bebia mais um pouco de vinho.
— Está bem. Sempre sobra para mim mesmo — murmurei, caminhando para fora do bar. Ao sair, quase tive um choque térmico por conta daquele vento gelado, mas não me intimidei e andei em direção a um beco, onde recitei um feitiço para saber de onde aquela energia sinistra estava vindo e quem tinha a provocado.
Não demorei a visualizar o lugar responsável por emanar a energia perigosa que anteriormente foi detectada pela pedra que encantei. Para o meu espanto, uma criatura tenebrosa do vale do medo tinha sido invocada por três rapazes que estudavam na prestigiada Universidade de Santiago de Compostela. Pelo que eu tinha estudado, aquela criatura gostava de se alimentar do pavor, do medo e do desespero das pessoas. Já seria terrível deixar aquela criatura solta no campus, mas, como se isso não bastasse, mais quatro seres obscuros atravessaram o portal junto com Alarocky — a tal criatura do vale do medo se chamava assim e quem a conhecia sabia muito bem do que ela era capaz.
Eu não podia perder tempo, então voltei até o bar rapidamente. Quando abri a porta e caminhei em direção aos meus irmãos, eles me fitaram curiosos e perceberam de imediato que a situação era séria.
— Conheço essa cara! A coisa pelo jeito é feia, bem feia — comentou Marcos, já se levantando.
— Digamos que alguns universitários curiosos e irresponsáveis invocaram um Alarocky! Temos que ir imediatamente até o campus da universidade para detê-lo — respondi sem rodeios, fazendo Henrique arregalar os olhos; quando era pequeno, teve o desprazer de ver de perto um ser desses.
— Nem me fale, Pablo. Aquela criatura horrenda e fedorenta me causa calafrios. Nem posso me recordar dos olhos daquela coisa me encarando e da pele esverdeada e pegajosa. Ela quase me matou sugando minha energia vital por meio do medo, eu nem estaria aqui se nosso mestre não tivesse me salvado.
— Não se preocupe, Henrique, pois eu e o Diogo cuidaremos dele, enquanto você, Marcos e Tiago irão atrás dos outros seres que pegaram carona e atravessaram o portal junto com Alarocky — falou Pablo, sério, ao encarar os outros magos, que apenas assentiram em concordância.
— Então vamos! Não podemos perder tempo — declarou Diogo, empolgado, já de pé e caminhando até a porta de saída.
Enquanto caminhávamos em direção à universidade, Marcos tinha ficado no bar para pagar a conta e depois nos alcançaria.
***
A batalha contra a tal criatura não foi tão fácil como eu imaginava, pois ela pareceu ter conhecimento a respeito de nossos ataques, era como se aquele ser já soubesse que seria mandado de volta para o local de onde veio. Diogo, como ainda não tinha experiência como eu em combates, descuidou-se num determinado momento e acabou sendo lançado contra a parede.
— Diogo! Levante-se! — Gesticulei nervoso, porque Alarocky pareceu esboçar um sorriso e começou a se aproximar de meu discípulo, ignorando-me totalmente.
A criatura pareceu mais inteligente do que eu pensava. Na hora que Diogo rolou para o lado esquerdo para fugir, o inimigo cuspiu uma gosma esverdeada tentando atingi-lo.
Voltando à realidade que se desenrolava à minha frente, eu conjurei uma rede feita com ametista e turmalina e joguei em cima do Alarocky, que pareceu se paralisar ao ser evolvido com aquela rede mágica. Como eu não queria mais perder tempo, abri um portal que levava direto ao vale do medo, local para onde a criatura seria devolvida.
Assim que lancei uma rajada de vento potente contra aquele ser, para jogá-lo dentro do portal, uma coisa estranha aconteceu bem diante dos meus olhos. No instante que Alarocky foi empurrado de volta ao vale e o portal se fechou, Diogo desapareceu lentamente da minha frente, como se tivesse sido apagado.
— DIOGO! NÃO! — berrei em desespero, para então pegar meu pêndulo no bolso da túnica e tentar detectar a energia de meu discípulo no ambiente ou ali próximo. Diante da não detecção de Diogo, eu conjurei um feitiço para ver se ele ainda estava vivo em algum lugar. Com o passar de alguns minutos, um arcanjo apareceu na minha frente.
— Seu irmão não está nessa dimensão... não adianta procurá-lo!
— Ele está vivo? — perguntei, sério, escondendo meu desespero, mas aquele ser celestial sabia muito bem o que se passava comigo.
— Digamos que ele está, mas não sei se poderá retornar. Quem sabe... algum dia. Depende dele.
— Posso buscá-lo na dimensão em que ele está preso?
— Se conseguir... não tem problema, porém é quase impossível uma pessoa querer voltar de lá. No entanto, você poderá esperar por um sinal de sua localização quando Diogo usar magia, assim será mais fácil achar onde ele está preso. Só isso que eu posso te dizer — murmurou o arcanjo, antes de desaparecer num piscar de olhos.
***
Desde aquela terrível noite fico aguardando o tal sinal, já estou quase desistindo. Marcos disse que sou teimoso, que no meu lugar já tinha desistido há cem anos. Um pouco cansado, me espreguiço e vou tomar um banho, quem sabe talvez dormir um pouco. Não adianta eu ficar horas e horas olhando para o espelho, já que ele pode me dar a resposta logo que detectar o sinal vindo de onde meu irmão se encontra.
Após algumas horas de descansando, volto revigorado para a sala, verifico o espelho, e nada. No entanto, de repente um sinal aparece e uma localização um tanto peculiar surge para mim. Pelo que vejo, Diogo está preso na dimensão das Ninfas. Essa informação me faz erguer a sobrancelha e questionar se meu discípulo iria mesmo querer voltar. No entanto, eu preciso verificar isso pessoalmente, então, com um sorriso de alívio, conjuro um portal que leva até lá e vou conhecer um mundo que nunca pensei que existisse na realidade.
Fim
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