Era seu primeiro dia de aula depois de uma longa pandemia global.
Ela estava tão feliz com a volta às aulas que quase caiu da cama.
Não aguentava mais estudar pela internet.
Mesmo tendo 7 anos já tinha preferência nas aulas presenciais.
Tateou a escrivaninha ao lado da sua cama procurando seu aparelho auditivo.
Ela se sentia um máximo usando aquilo.
Pelo que Julia a havia explicado ele mandava impulsos eletromagnéticos para eletrodos colados na cóclea.
Não entendeu direito, mas continuava sendo legal.
Morava lá desde seus 5 anos, quando a dona da casa e mãe de Julia, Matilde a encontrou no meio de uma avenida movimentada de São Paulo, no meio da chuva.
No início, Matilde pensou que seus pais teriam se envolvido em um acidente, e ela teria conseguido escapar.
Mas a ideia da mulher foi logo mudada quando soube que, supostamente, não haveria tido acidentes naquela região.
Não adiantava perguntar a criança, que só se lembrava do nome e de sua idade.
Acabou que a mulher a adotou, e Safhira começou a conviver com 79 adolescentes na faculdade, de regiões do Brasil diferentes, dentro de um único prédio.
Na maior parte era bem legal, mas haja paciência quando você acorda às duas da manhã porque está acontecendo uma festa no andar debaixo.
Abriu a porta do banheiro rápido, já puxando um banquinho para ela conseguir alcançar sua escova.
Se olhou no espelho.
- Linda demais. - Ela passou a mão pela cabeleira castanha com pequenas mechas brancas que seu piebaldismo proporcionara.
Esse foi um dos motivos pelo qual ela quase foi parar em Paris porque um casal maluco disse que ela tinha cara de modelo mirim.
Safhira se lembrava bem que Matilde quase bateu no cara.
Terminou de escovar os dentes, e quase caiu da cadeira pela tamanha excitação de ir para a escola.
Saiu do banheiro e logo percebeu haver alguma coisa errada.
O silêncio naquele prédio era mortal.
- Tia Matilde? - Ela chamou a mulher pela casa. - Luci? Julia?
Nenhuma resposta.
Aquilo era estranho.
Naquelas horas aquele lugar estava em puro caos, literalmente.
E um certo medo surgiu dentro dela.
Olhou para o relógio em cima da pia da cozinha.
Estava parado.
A única hipótese que rodava em sua cabeça era que elas estariam resolvendo alguma coisa em algum outro lugar.
Logo saiu do apartamento direto para um corredor cheio de portas, algumas pintadas com desenhos estranhos, outras pichadas, e outras que ainda eram portas normais.
Quem entrava naquele lugar pensava que ali havia pessoas envolvidas com narcotráfico.
Viu que a porta do apartamento à frente do seu estava entreaberta.
Naquele morava uma garota chamada Sheyllyanne.
- Shey? - Safhira encontrou uma sala extremamente bagunçada.
Rodou o apartamento inteiro.
E o do lado.
E no andar debaixo e o de cima.
Abriu todas as portas daquele edifício gritando os nomes de seus respectivos ocupantes.
Ninguém.
Absolutamente ninguém.
Desceu as escadas até a portaria.
O portão baixo e totalmente enferrujado ragia quando era aberto e fechado pelo vento.
Olhou para sua rua.
Carros batidos em postes, fios cheios de energia caídos no chão.
E por mais uma vez não tinha ninguém.
Correu para outros prédios, andou por todos eles, abriu e fechou portas mais…
Não havia ninguém.
Começou a chover, e eventuais raios caiam bem longe de onde ela estava.
Se sentou na escada da entrada de seu prédio, e começou a chorar.
Um choro que misturava tristeza e desespero.
- Eles me deixaram?
Já caia a noite, e ela ainda continuava no mesmo lugar.
Um gato, preto e com enormes olhos, um castanho e um azul, começou a rodar nas pernas da criança.
Safhira, em meio às lágrimas, sorriu.
O gato tinha os olhos iguais aos dela.
- Tá sozinho igual eu né? - Ela pegou o gato nos braços.
- Vem, eu vou cuidar de você.
Por uma única vez em sua vida, Safhira se sentiu só.
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