pcyooda Park Yooda

baeksoo | soulmate | sci-fi 君の名は。𝘒𝘪𝘮𝘪 𝘯𝘰 𝘕𝘢 𝘸𝘢 Uma lenda mais antiga que o universo diz que não há nenhuma força no mundo que consiga separar duas almas quando essas são feitas do mesmo cosmo. Baekhyun não compreendia o que estava acontecendo consigo. Quando saía de casa, via o garoto da jaqueta jeans parado no meio da rua. Quando estava no trabalho, sua imagem aparecia nos reflexos de qualquer espelho que olhava. Achava que todas as alucinações tinham a ver com o fato de estar enlouquecendo. A realidade já estava começando a se misturar e Baekhyun já não sabia de fato em qual delas estava realmente vivendo. E se tudo aquilo não passasse de uma mera ilusão da sua cabeça?


Fanfiction Bandas/Cantores Impróprio para crianças menores de 13 anos.

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PARTE UM


Era mais uma manhã movimentada do trânsito de Seul que eu me encontrava a caminho do trabalho. Os carros pareciam ultrapassar cada vez mais a velocidade permitida, de uma rapidez que eu nunca havia visto antes, apesar de ser comum que as regras do trânsito não fossem tão levadas a sério aqui na capital. Mas o problema não era as pessoas parecerem mais atrasadas que o normal, o problema era outro completamente diferente. O problema era a figura de um rapaz que estava parado no meio da faixa de pedestres da avenida principal, como se ninguém pudesse lhe atingir. Era no mínimo peculiar que todos os carros se desviavam do lugar onde ele estava, como se fosse impossível de passar através daquela barreira imaginária.

Todos os dias eu pegava o mesmo ônibus para o trabalho, e todos os dias ele aparecia parado ali. Apenas olhando para frente, inatingível, como se fosse um fantasma. De fato, por muito tempo passei a acreditar que ele era um fantasma. Hoje, penso que o rapaz moreno do casaco jeans é apenas uma mera ilusão da minha cabeça.

Enquanto estou parado observando-o de longe, ele também continua parado na faixa de pedestres. Tenho a urgência de me levantar e puxá-lo para longe de lá como qualquer pessoa normal faria, mas penso que isso seria loucura. Porque não tenho certeza se ele existe, e também não tenho certeza se não morreria tentando descobrir.

O ônibus em que preciso embarcar finalmente para no ponto e faço logo a questão de subir para que eu não o perdesse. Cumprimento o motorista, passo o bilhete na máquina e escolho a janela do fundo para me sentar. Quero observar o rapaz do casaco jeans mais uma última vez antes de seguir meu destino, por isso escolho a mesma janela todos os dias. Daqui, consigo vê-lo me olhar. Sei que é esquisito, mas sinto como se todos os dias ele me acompanhasse com olhos enquanto parto pela avenida. E todos os dias eu lhe observo me observar, em silêncio, sem agir.

Quando o ônibus dá a sua partida, consigo voltar a respirar novamente. Olho para frente, finalmente deixando a imagem do garoto para trás. Devo focar no que me importa agora, e isto é, o meu destino até a loja de antiguidades onde trabalho há quase três anos.

Meu iPod está tocando mais uma das baladas de Cho Seung-woo, “As flowers bloom and fall”. Uma de minhas favoritas desde quando ouvi pela primeira vez. Todas as vezes que eu voltava a escutar, sentia-me da mesma forma: melancólico. Não sei direito o porquê, mas essa música me causava uma tristeza boa. O que era uma ironia tremenda, porque a música falava sobre deixar as preocupações e tristezas para trás. E era exatamente isso do que eu estava tentando focar agora.

Eu me sentia triste ultimamente, sem saber o motivo. Alguns amigos se preocupavam com a possibilidade de eu estar doente, mas eu sabia que não era isso. Era algo que eu não sabia explicar, porque, de verdade? Eu nem ao menos entendia. Eu não estava me entendendo já fazia um tempo e isso me incomodava. Parecia que a minha mente estava se esquecendo de alguma coisa que eu nem ao menos sabia o que era. Talvez fosse a minha própria essência, ou talvez fosse apenas um sentimento de estar se tornando um adulto pela primeira vez sozinho no mundo; seja o que fosse, eu estava diferente. E eu não saberia dizer o que essa diferença representava para mim.

O tempo que eu passava no ônibus até a loja de antiguidades não era muito, mas era o suficiente para me fazer pensar nas coisas que estavam acontecendo na minha vida naquele momento. Sendo uma delas, essa necessidade esquisita de me mudar. Não era bem me mudar de casa, ou país, era apenas uma jornada que eu sentia me chamar para fora da zona de conforto. Eu devia agir, mas não sabia direito por onde começar.

Em minha viagem pela cidade, focado em pensamentos, até mesmo esqueci de ficar atento ao meu destino. Quando dei por mim, o ônibus já estava perto de onde eu deveria descer. Por isso me levantei, e dei sinal, sentindo-me meio desorientado. De alguma forma eu sabia que não era para estar ali naquele momento. Como se o lugar todo fosse o mesmo, mas que, ao mesmo tempo, tudo fosse completamente diferente. Poderia ser algum tipo de implicância minha devido à cena do garoto que eu havia visto hoje de manhã, mas eu sentia que alguma coisa estava errada.

Chequei o horário do celular, e percebi que o relógio estava parado. Isso me causou curiosidade. Por que ele estaria parado? Como era possível? Se fosse algum problema com a bateria, então o telefone não era para estar funcionando também. Então o que era aquilo? Desbloqueei o celular e ele pareceu voltar novamente a funcionar. Aquilo me causou estranhamento.

O ônibus parou, e eu desci pelas escadas, parando exatamente em frente a loja de antiguidades do senhor Park. Não era uma loja com muitos clientes, mas eu gostava de trabalhar ali. O que importava para mim, como sempre, não era o fato das pessoas aumentarem a minha comissão pela quantidade de vendas, mas sim aprender mais sobre a história por de trás daqueles artefatos. Eu adorava conhecer mais sobre as coisas, pois queria me tornar arqueólogo. E para isso, era justificável que eu fosse apaixonado por antiquários do mesmo jeito que o Sr. Park também era. Nós nos entendíamos muito bem.

Senti-me um pouco melancólico quando fui em direção a loja. Ao abri-la, pude ouvir o sininho familiar que sempre tocava bem em cima de mim quando passava pela porta todos os dias. Mesmo hoje, em que o dia parecia estar com essa sensação de passado. Como se a linha do tempo estivesse estranha e nada parecesse novo, mas também não parecia velho.

Era esquisito a sensação de estar andando em um terreno desconhecido, mesmo que eu conhecesse completamente todos os centímetros daquele quarteirão. Eu conhecia essa loja familiar, como todas as outras lojas do quarteirão também eram. Com a diferença que essa tinha um mundo inteiro de histórias a serem contadas ali dentro, ao próprio toque dos dedos.

Trabalhar em um lugar que continha tantas coisas antigas me deixava filosófico. Por que não eram só memórias que as pessoas depositavam ali, mas também parte da própria história do mundo. Coisas que já impactaram a vida de alguém, coisas que as pessoas queriam esquecer, enterrar no fundo da existência e nunca mais ser achado. Coisas que um dia valeria tanto para alguém, ou até mesmo várias pessoas, no momento que a antiguidade saía da loja para a posse de outro alguém.

Para escrever uma outra história, outra página deveria ser traçada na linha do tempo. De novo, e de novo e novamente. Todos os dias. Eu sentia isso, sentia que a história poderia dar curva no tempo, sem explicações, e fazer voltas até que tudo se voltasse no mesmo eixo novamente. E era exatamente por esse mistério do curso da vida que eu adorava trabalhar ali. Pois parecia que a todo momento eu estava segurando o tempo com as próprias mãos.

Hoje, pelo jeito, não seria diferente. Pois havia várias caixas empacotadas no canto da porta, uma em cima da outra, no chão, ou encostadas com a superfície posterior no balcão.

O Sr. Park sorriu para mim quando me viu entrar. Ergueu os óculos da ponta do nariz para os olhos novamente, e saiu de trás do balcão para me cumprimentar. Ele fazia isso todos os dias, mas mesmo que aquilo já era um costume, eu ainda me sentia lisonjeado pelo seu entusiasmo.

— Bom dia, Baekhyun. Como está hoje? — perguntou, com a voz grave que tinha.

Dei-lhe um meio sorriso, pois me divertia com a maneira alegre dele de ser. Era o tipo de pessoa contagiante que você poderia contar para o seu dia melhorar na hora que a visse, assim como seu filho Chanyeol. Eu gostava muito dos dois, porque me sentia exatamente assim todas as vezes que o via ali, atrás do balcão, apenas esperando pelo próximo cliente curioso sobre artefatos antigos; ou mesmo quando me encontrava com Chanyeol nos finais de semana.

— Eu estou bem, senhor. E você?

Sr. Park sorriu gentilmente para mim, antes de apontar para as caixas no chão.

— Estou ótimo, filho. Mas preciso que me faça um favor. Essas caixas... elas não podem ficar aqui. Preciso que as leve lá para o sótão antes dos clientes começarem a chegar. São peças novas que ainda precisam de avaliação para colocar à venda.

Olhei de relance para a quantidade de caixas, já sentindo minhas costas queimarem com antecedência.

— Acho que... vai levar algum tempo até que eu carregue todas.

— Sim, sim. Leve o seu tempo, filho. Só preciso que todas estejam lá em cima.

Concordei com um aceno, como o bom funcionário que era. Deixei a minha bolsa em cima da bancada principal, e me agachei para pegar duas caixas de uma vez, mesmo que a quantidade fosse além da minha capacidade de carregar sozinho. Estavam realmente pesadas. Eu não fazia ideia do que havia ali dentro, mas não fiz questão de perguntar. Seja o que fosse, sabia que deveria ser uma peça importante para a loja, então todo cuidado seria pouco para cuidar de uma peça antiga.

Devagar e com muito cuidado, subi as escadas, e segui para a sala de despejo onde ficavam a maioria das antiguidades que chegavam na loja. Ali havia de tudo, como uma verdadeira sala precisa. Desde bobagens infantis até mesmo artefatos que valem algum dinheiro, tudo era bem fácil de ser encontrado ali.

Deixei as caixas no chão empoeirado com muito cuidado, enquanto suspirei e tomei um ar. Eu deveria começar a me exercitar melhor se fosse continuar a trabalhar mais pesado desse jeito. O problema era que, com a rotina que eu tinha e todo o estudo da faculdade, ficava bem difícil de acompanhar uma vida saudável. Na realidade, no mundo moderno, isso era até mesmo um luxo.

Olhando ao redor, percebi que tinham muitas coisas bagunçadas ali. Eu não lembrava do porquê as coisas novas ainda não terem sido organizadas, sendo que eu normalmente sempre fazia esse trabalho. Aquilo me confundiu demais. Caminhando entre os objetos, pude perceber que havia ali muitos dos quais eu já havia arrumado na semana passada.

Esquisito.

Franzi o cenho olhando para uma boneca de pano caída no chão. Tinha a boca costurada com linha, no formato de um sorriso grande. Poderia ser um sorriso, mas para mim aquilo ainda era bem bizarro. Peguei na mão a boneca, percebendo a poeira espessa em cima do pano. Torci o nariz e um espirro veio. E mais um. E mais um.

— Ah, você vai é me matar de rinite! — eu disse para ela, me sentindo bem ridículo depois por estar dando sermão pra uma boneca.

Fui até o armário de espelho para colocar ela lá dentro, já que era normalmente onde colocamos as coisas que não tinham espaço para ficar exibidas na loja. No mesmo segundo que olhei para o reflexo do armário, fiquei espantado. Porque o rapaz da jaqueta jeans estava bem ali, olhando pra mim por de atrás do espelho.

— Aah! — gritei, assustado.

Ele arregalou os olhos, mas não disse nada. Apenas continuou me olhando como se fosse uma miragem, mas também muito real. Eu não sabia se era um truque da minha mente, muito menos sabia se estava ficando doido. Tudo o que eu podia ver, é que ele estava ali me olhando como se me conhecesse.

Fugi do sótão no mesmo segundo, com as pernas tremendo enquanto descia as escadas com pressa. O senhor Park já estava com um taco de baseball nas mãos e saindo de trás da bancada quando me viu no pé da escada, desesperado, provavelmente branco como um fantasma.

— O que houve, filho? Ouvi você gritando lá de cima.

Fiquei sem saber o que dizer. O que eu poderia falar? Que eu finalmente vi o rapaz de jaqueta jeans em outro lugar que não fosse a faixa de pedestres? Seria ridículo. Lúdico. Ninguém iria acreditar em mim. Era provável, ainda, que me internassem como um louco no manicômio. Isso, se eu realmente não fosse um.

— E-eu… vi um rato, senhor. Foi isso.

O Senhor Park suspirou, rindo devagar.

— Ah, meu garoto. Um pobre e inofensivo rato? Assustou você tanto assim? — ele riu novamente — Entendo, entendo.

Eu estava me sentindo ridículo mentindo para o senhor Park, apesar de saber que era necessário. A mentira era algo que eu desprezava. Mas eu não tinha escolha, e duvidava que ele entenderia se eu lhe explicasse a minha situação. Mesmo que eu mesmo não entendia a minha situação. Nem um pouco.

O senhor Park voltou para a bancada, e acabou por atender alguns clientes que haviam acabado de entrar na loja. Eu não queria voltar lá pra cima porque eu não sabia lidar com uma situação como aquela. Eu deveria ir até um hospital, ou talvez eu só precisasse de comida para parar de delirar. Comida, sim! Talvez fosse isso!

Lembrei que deixei a minha bolsa acima da bancada, e esperei o Sr. Park levar um dos clientes até os fundos da loja para mexer nela. Abri a bolsa e tirei de lá uma barra de cereal, e o meu iphone. No celular, pude ver novamente que o horário ainda estava completamente desconfigurado.

Entrei nas configurações do aparelho, e tentei editar os números. Mas mesmo com o cursor piscando na tela, eu não conseguia digitar. A data ainda era a mesma de sempre: 15 de Julho de 2015. Meus olhos se arregalaram, porque eu sabia o que aquela data significava. Era o mesmo dia do show de estreia da banda do Chanyeol, o mesmo dia que eu estava antecipando por meses.

Segurei o celular sem acreditar. Hoje era dia 12, então o que estava acontecendo? Porque o celular estava se adiantando sozinho? Como poderia todas essas coisas esquisitas estarem acontecendo ao mesmo tempo?

Eu estava prestes a ligar para o Chanyeol e lhe perguntar sobre essas coisas, quando por algum motivo, recebi uma notificação de mensagem no Kakao Talk.

MENSAGEM

Do Kyungsoo: Hey, eu me diverti bastante hoje!

Do Kyungsoo: Obrigado por me entreter nessa festa, não teria persistido em ficar lá se não fosse por você ^^~

Do Kyungsoo: Podemos nos ver amanhã? Aliás… você está bem? Chanyeol me disse que você caiu bêbado na faixa de pedestres. Haha. Será que devo me preocupar sobre isso?

Mas o que…? Abri o aplicativo confuso. Eu não me lembrava de conhecer nenhum Do Kyungsoo. Estava prestes a digitar “Quem é você?”, quando a tela de repente se iluminou com uma resposta:

Byun Baekhyyn: Esquece o Chanyeol, pelo amor de Deus ㅠㅠ

Byun Baekhyun: E claro que podemos nos ver amanhã! Ficarei te esperando!

E depois nada mais.

As respostas estavam em um outro horário, doze horas a frente do horário que realmente era naquele momento, além do dia estar marcado 15 de julho. Meu estômago de repente se revirou, e eu queria vomitar.

Corri para o banheiro dos funcionários, que ficava em uma sala atrás do balcão, a qual o senhor Park chamava de escritório. Era basicamente uma sala de papeladas, mas que também tinha um pequeno banheiro para emergências. Ou seja, para um momento como agora.

Abri a porta e fui correndo até o lavabo, e despejei boa parte do meu café da manhã na privada. Respirei fundo, tentando me acalmar. Dei descarga, e caminhei até a pia, lavando a boca e o rosto como se fosse possível despertar daquele pesadelo.

Eu deveria estar sonhando, ou delirando; era a única explicação. Será que cheguei em um estado tão ruim ao ponto de alucinar distorções da realidade? Será que o problema era eu? Parecia que a todo momento eu não estava vivendo o mundo real. Eu tinha medo de estar desenvolvendo algum tipo de doença mental, porque era a única explicação possível para os acontecimentos que me cercavam.

Fechei os olhos e tentei me mentalizar dentro do momento novamente para ver se alguma coisa poderia mudar. Mas, quando os abri, percebi ser apenas eu ali. Era a mesma visão, o mesmo banheiro da loja de antiguidades, e os meus próprios olhos me encarando de volta.

Aquilo tudo já estava me deixando assustado, mas nada parecia realmente me ajudar. Tudo o que eu fazia, tudo que aparecia para mim — desde meu celular, meus delírios, e, principalmente, esse sentimento de falta que eu não entendia — tudo parecia de algum modo estar interligado. Eu só não conseguia entender onde, de fato, esses fatos se interligavam.

Suspirei e segurei minha respiração, enquanto ainda encarava o espelho. Se eu mentalizasse o suficiente, talvez pudesse bloquear todo o som do lugar e me concentrar em mim mesmo. Talvez assim, o desespero não tomaria conta dos meus sentidos. Ou talvez assim eu pudesse encontrar dentro de mim alguma explicação para o que estava acontecendo.

Minha pressão foi abaixando aos poucos, junto com as batidas do meu coração. Contei até dez de maneira decrescente, e quando cheguei no número um, eu já podia respirar normalmente.

Percebi que ainda estava segurando a barra de cereal, e acabei por comer um pedaço. O que foi inútil, porque o gosto estava horrível. Acabei jogando ela no lixo, e lavei a boca com a água da pia novamente.

Senti dessa vez meu celular vibrar no bolso, e peguei ele novamente percebendo que havia uma mensagem de Chanyeol, dessa vez, no dia 12 de Julho, que eu sabia ser o dia de hoje. Abri o aplicativo o mais rápido possível para ver o que ele estava me dizendo ali:

MENSAGEM

Park Chanyeol: Hey Baek, você pode vir comigo escolher uma roupa para o show de sábado?

Park Chanyeol: Sehun e os outros caras vão usar qualquer coisa, mas eu quero algo legal para vestir. Você me conhece, tenho bom gosto ;)

Fiquei olhando para o celular sem saber o que responder. E se aquilo fosse um vírus? Se fosse uma simulação? Eu tinha tanto medo de fazer qualquer coisa nessa realidade que eu sabia ser falsa, que resolvi tomar atitudes que eu raramente fazia. Resolvi ligar para ele. Demorou apenas alguns segundos até que ele me atendesse de fato.

— Hey cara… — ele disse do outro lado da linha, com uma voz clara de surpresa — Hã… me desculpa se te fiz se preocupar, não precisava ligar não.

— Chanyeol, eu preciso que você me responda uma pergunta séria. Preciso que você seja sincero comigo, e não julgue as coisas que eu for perguntar pra você.

— Ok…? — ele tossiu, gaguejando um pouco — Aah… Baek, eu realmente não queria te atrapalhar, cara.

— Quem é Do Kyungsoo?

— O-o quê?

Ele parecia bem confuso do outro lado da linha. Mas eu queria tirar aquela história a limpo, precisava saber o que estava acontecendo comigo.

— Do Kyungsoo. Quem é Do Kyungsoo?

— Nunca ouvi esse nome na minha vida.

As palavras dele, por mais que fossem esperadas, me deixou chocado. O problema era eu, então. Era realmente eu que estava ficando maluco, e não o mundo ao meu redor.

— Chanyeol, escuta… alguém chamado Do Kyungsoo me mandou uma mensagem como se conhecesse você. Tem certeza que não conhece esse cara?

— Baek, você sabe quais são os meus amigos. Só tenho você, Sehun, Jongin e o Minseok. Você e os caras da banda, e é isso.

Assim que ele falou aquelas palavras, foi como se um golpe de ar ficasse preso no meu pulmão. Ele estava falando a verdade, apesar dela ser bem diferente da minha. Eu deveria estar preso nessa situação, sozinho, enquanto o resto do mundo continuava a funcionar normalmente. O problema era eu. Eu que era a equação fora da curva.

— Eu estou me sentindo esquisito hoje, parece que estou vivendo um sonho muito ruim. Me desculpe por preocupar você com… — Não iria adiantar explicar para ele o que estava acontecendo comigo, por isso resolvi continuar — Escuta, que horas você quer ver isso aí da roupa? Saio da loja do seu pai perto das 18h.

— Ah, legal! 18h tá ótimo! Acho que podemos comer uma pizza antes, já que você é esfomeado!

Eu ri, porque era verdade.

— Okay, então eu vejo você…

Não pude ao menos terminar de falar com ele, pois os meus olhos se travaram de repente com a imagem se formando no espelho. Era ele de novo, ele estava ali. Olhando para mim intensamente com aqueles olhos castanhos grandes, como se pudesse ver parte da minha alma.

— Baekhyun…? Você está aí?

Eu conseguia ouvir a voz de Chanyeol me chamando pelo telefone, mas nada prendia mais a minha atenção do que ele ali, finalmente aparecendo para mim. O espelho era largo, e tomava boa parte da parede. Parecia que estávamos olhando um para o outro dessa vez, e que o espelho fosse a única barreira. Ele se aproximou, e eu fiz o mesmo. O rapaz da jaqueta jeans tinha os cabelos bem pretos, mas alinhados e bem cortados. Ele estava bem vestido, como se tivesse saído de algum escritório particular do centro da cidade. Respirava ansioso como eu, mas diferente de mim, não parecia assustado. Ele parecia saber o que estava acontecendo.

Levantou a mão esquerda, mostrando o dedo mindinho para mim. Estava mostrando, porque também queria que eu fizesse o mesmo. E quando finalmente fiz, no mesmo segundo, o mundo pareceu desabar.

Tudo o que eu poderia ver era ele. Todas as forças do mundo pareciam vir dele, ou me faziam ir até ele. Mas eu não podia. Não conseguia dar um passo além do espelho que nos separava. Era como se todo aquele sentimento de estranheza, incongruência e dor, estivesse agora se explicando para mim que existiam em meu coração por culpa dele. Era ele que me fazia sentir tudo aquilo.

O telefone caiu da minha mão quando comecei a chorar. Eu não entendia porque estava sentindo toda aquela intensidade. Ele ainda olhava para mim, e nós dois tínhamos os mindinhos paralelos um ao outro, seguidos por um fio vermelho. O garoto também chorava, como se não suportasse estar ali do outro lado do espelho. Inalcançável.

Eu também não suportava, mesmo que não sabia os motivos para isso. Eu só sentia que era ele quem eu precisava. Mas ele parecia estar indo embora, cada vez se afastando mais, dando passos de costas para trás em direção a porta do banheiro. Cada passo que ele dava para trás, eu sentia a necessidade de dar um para frente. E quando ele finalmente saiu da minha vista, algo quebrou dentro de mim.

Todos os sentimentos vieram como fragmentos de memórias, mas elas não estavam ali para serem salvas. Eu senti amor, raiva, desejo, falta, dor, luto. Senti tudo o que nunca achei sentir em toda a minha vida. Meu coração estava prestes a explodir, como uma estrela, quando está prestes a perder sua própria luz.

Fechei meus olhos desejando que tudo aquilo parasse. Desejando que a falta fosse me deixar, que o desespero da dor não pudesse me atingir tão profundamente. Que as ondas não levassem de mim tudo que parecia bom, que parecia ser genuinamente meu. Mas foi em vão. Quando fechei os olhos, só pude ver a escuridão, sentindo minhas lágrimas se transbordarem de mim.

O mundo pareceu rodar, mas eu estava parado no mesmo lugar. Eu ainda tinha os olhos fechados e o meu corpo todo se curvava em mim mesmo, no chão, de joelhos. Chorei porque me senti perdido. Me senti perdendo algo que não me lembrava o que era. Nem mesmo o sabor, a textura, os sons, nada daquilo era possível de se recordar no fundo da minha mente.

Bastou alguns segundos de silêncio para que eu pudesse me recompor. Aos poucos, fui me sentindo de novo, e abri os olhos com hesitação. O cenário havia mudado em um passe de mágica, e todo o banheiro da loja de antiguidades havia sumido. Agora, eu estava ajoelhado no meio do chão de madeira do meu quarto a meia luz do meu abajur laranja.

Olhei para os lados, e pude ver tudo com familiaridade: tinha o guarda roupa de madeira no canto esquerdo, o espelho bem em cima da mesinha de estudos, e toda a minha coleção de mangá estava ali também. Na parede, porém, pude perceber algumas marcas quadradas, o que suspeitei serem pôsteres que foram retirados dali.

Aproximei da mesa com estranheza. Eu tinha certeza que algumas coisas estavam faltando, fosse os pôsteres que sumiram da parede, ou até mesmo algumas fotos do quadro de avisos. Parecia que tinha espaço demais que estava esperando ser preenchido novamente. Ou talvez, tudo se fragmentou de vez. Cada parte daquele cantinho que sempre me foi tão especial, agora parecia completamente estranho. Eu não reconhecia o meu próprio coração mais.

O rádio estava ligado, tocando novamente a música de Cho Seung Woo, As Flowers Bloom And Fall . Era familiar, mas dolorosa. Eu não sentia vontade de dançar quando a escutava. Na verdade, parecia que aquela música tirava de mim boa parte do que ainda me restava.

Tentei procurar pelo meu celular novamente, e o senti vibrar dentro do meu bolso. Não precisei desbloquear para conseguir ver quem estava me mandando mensagens, pude ver claramente o nome brilhando na notificação. O que, de maneira alguma, deixou-me mais calmo em relação àquela situação.

MENSAGEM:

Do Kyungsoo: Chanyeol me disse que amanhã você não pode ir no ensaio da banda. Eu sinto muito, Baek. Eu não sabia que os seus pais iriam reclamar sobre o piquenique.

Do Kyungsoo: Juro que levei aquele vinho com boas intenções… você sabe, para relaxar. Mas você é fraco com álcool, hein? Haha.

Do Kyungsoo: É até um pouco fofo ;)

Piquenique? Eu não me lembrava de nenhum piquenique.

Chequei a data das mensagens e vi que eram do dia 19 de julho, quatro dias depois do show da banda do Chanyeol. O que significava, que de alguma maneira, Do Kyungsoo estava envolvido nessa história. Eu não sabia quem ele era, e muito menos como ele estava me mandando mensagens do futuro, sendo que o celular ainda marcava que era dia….

17 de julho.

17 de julho.

Meu coração acelerou, e o mundo parecia querer girar novamente. 17 de julho. Deus, o que estava acontecendo? O show de Chanyeol já havia passado? Eu estava preso em algum lugar, ou isso era um sonho?

Corri até o meu computador, abrindo o laptop com pressa. Digitei a senha que lembrava ser uma combinação de números esquisita: 120193. E assim que a digitei, parei no mesmo segundo, e puxei um post-it do meu material escolar para escrever o número ali.

12 01 93

O número me era familiar. Mais parecia como uma data de nascimento, algo que eu nunca usava como senha, porque todo mundo sabia o quão ridículo era adivinhar senhas de aniversário. E essa parecia ser claramente o aniversário de alguém. Alguém que eu não me lembrava, ou melhor, não conhecia.

Com as mãos tremendo, amassei aquele post-it, e abri a janela de busca no computador. Pesquisando sobre sonhos realistas, não obtive nenhum resultado que eu queria. Falava sobre pacientes em coma, projeção astral, e, partindo para o lado científico, o estado de REM.

Aquele me chamou mais a atenção, e acabei clicando em um artigo que explicava tudo sobre as fases do sono.

— Tsc… você não vai encontrar nada aí, Baek.

Pulei na cadeira, quando ouvi uma voz atrás de mim. Virei para dar de cara com ele, o garoto moreno da jaqueta jeans. Ele estava olhando pra mim intensamente, enquanto estava sentado na minha cama com as mãos dentro do bolso.

Eu queria gritar de medo, mas essa não foi a primeira reação racional que o meu corpo teve. A reação que eu tive, foi de andar até onde ele estava, e respirando bem rápido. Ele me encarava de volta com um sorriso de lado como se já soubesse de tudo o que eu deveria saber, naquela altura.

—Você é muito determinado. Está mesmo com intenção de ir até o final desse processo — ele deu um sorriso triste — Não é como se eu não esperasse. Você sempre foi assim.

— O quê… quem é você?

Ele deu de ombros, andando pelo meu quarto como se já conhecesse cada ponto daquele lugar. Sorriu quando viu o rádio, e a música que estava tocando.

— Achei que odiava baladas coreanas — ele sorriu largo pra mim, achando graça.

Olhei para o rádio vermelho tocando a música no repeat. Eu não me lembrava de não gostar dessa música. Na verdade, lembro que passei horas estudando e ouvindo ela durante muitos dias quando fui fazer o vestibular. Fazia isso porque na maior parte do tempo me acalmava pensar naquela música. Eu só não sabia o porquê.

— Eu não odeio baladas coreanas. Eu só…

Só não tinha encontrado a certa antes, e essa aí é incrível! — o garoto disse, completando meu pensamento.

Fiquei boquiaberto, porque ele acertou. Era exatamente aquilo que eu iria dizer.

— Como sabe que eu dizer isso?

— Por que foi o que você me disse quando eu te apresentei essa música pela primeira vez.

Ele estava falando sério. Percebi isso porque a expressão no rosto dele era de dor, como se também tivesse sentido tudo do que eu havia acabado de passar.

— Quem é você?

Ele negou com um aceno.

— Não posso dizer. Isso pode complicar ainda mais as coisas — ele se moveu pelo meu quarto, deixando o olhar passar diretamente pela parede sem posters.

Ficou encarando lá, com os braços cruzados. Analisava todas as outras áreas que eu tinha acabado de checar: a falta das fotos, de alguns papéis que foram rasgados do quadro de avisos, e até mesmo o post-it que eu tinha abandonado amassado no chão. Ele se curvou, pegando o papel rosa neon no mesmo segundo que o viu ali, e sorriu de lado quando leu os números. 12 01 93. Tinha algumas lágrimas solitárias nos olhos quando ele mesmo amassou o papel de novo, enfiando no bolso da jaqueta jeans.

Ele me encarou, e pude ver seus sentimentos transbordando como se fossem demais para serem contidos dentro dele mesmo. Eu não sabia o que sentir ali, olhando para aqueles olhos castanhos. Parte de mim sentia alguma coisa pela presença dele, tão forte como uma supernova, tão quente como uma tarde de verão, mas tão frio como o monte Everest. Os sentimentos confusos me faziam hesitar naquela situação, e me confundiam.

Ele olhava pra mim como se tivesse perdido a guerra para a morte.

— Eu tenho um milhão de coisas das quais eu poderia dizer agora, porque não sei quando vou te ver de novo até tudo isso acabar — ele começou a falar, mas engoliu em seco como se estivesse lutando para não chorar — Mas eu não vou dizer, porque é você que tem que se decidir sobre nós.

Nós ?

— Não demore, Baekhyun. O tempo já está acabando, e as coisas podem ficar mais complicadas do que já estão.

— Sobre o que você está falando? — eu disse, no mesmo segundo que ele desapareceu de novo.

Bem diante dos meus olhos, ele simplesmente desapareceu. Fiquei chocado, sem saber como reagir. Pelo jeito aquilo não era um sonho, mas também não era real. Então o que poderia ser?

Eu não conseguia achar a resposta.

君の名は。

Saí de casa logo depois de marcar um encontro com Chanyeol na pizzaria que ficava no centro da cidade. Ele topou na mesma hora, já que era um horário de almoço — além de Chanyeol ser também um pouco viciado em pizza, o que fez todo o esforço dele de sair de casa ser um pouco mais fácil. Por isso não era difícil convencê-lo ir até lá, seja a hora que fosse. Também não foi tão difícil assim, porque depois de tudo o que aconteceu, eu precisava urgentemente de alguém para conversar.

Quando cheguei no Pizza Place, o lugar estava quase vazio. Não tinham muitas pessoas e as mesas estavam todas limpas, como se ninguém as tivesse usado ainda. Fui logo sentando em uma mesa perto da janela que ficava bem no fundo do restaurante, do lado esquerdo. A mesa estava ligeiramente mais vandalizada do que todas as outras, mas aquela mesa ali era a minha favorita entre todas elas. Eu não sabia dizer porquê. Talvez porque a vista da janela dava diretamente para a rua, e você conseguia ver as pessoas passando ali como se fosse um filme.

Lembro de anos antes, ter escrito meu nome ali na madeira velha. Passei os olhos pela mesa e sorri quando percebi que ele ainda estava ali. Byun Baekhyun . Era o meu nome, com a minha própria letra. O estranho era que ele não estava sozinho. Bem do lado, havia um borrão, como se a madeira tivesse sido arrancada, com o espaço de exatos três blocos de sílabas coreanas.

Toquei com os dedos como se estivesse vendo aquilo pela primeira vez, porque tinha certeza que estava. Não lembro de ter escrito nada para além do meu nome ali, muito menos de outras pessoas terem feito o mesmo. As mesas eram facilmente vandalizadas, sim, isso era um fato. Mas normalmente respeitavam os espaços e os nomes, e nada se ultrapassava além dos limites do próprio nome. Por isso fiquei surpreso de ver o nome arrancado. Me deixou curioso para saber o que estava de fato escrito ali.

— Baek?

Assustei, quando olhei para cima e vi Chanyeol ali. Ele estava usando um look de inverno perfeito, mesmo que não fizesse frio. Tinha a touca cinza na cabeça que alguém dera de presente para ele no último Natal; tinha o mesmo moletom gigante que cobria boa parte do corpo, além das calças jeans rasgada. Ele parecia o mesmo Chanyeol de sempre, apenas com mais olheiras de cansaço.

— Oi. — eu disse, inutilmente disfarçando o meu próprio cansaço mental.

— Vim o mais rápido que eu pude. Você… está bem? Me deixou preocupado.

De repente olhar pra ele parecia uma tortura, então eu simplesmente desviei os olhos. Como eu poderia começar a explicar o que estava acontecendo comigo? Eu sentia que havia uma parte de mim que estava morrendo. Eu sentia isso a cada passo que eu dava, a cada respiração. Cada vez que eu tentava segurar o que restava da minha própria história, ela parecia fugir de mim. Aquilo, seja o que fosse, estava acabando com quem eu era, me tornando alguém que eu não reconhecia, nem mesmo quando eu olhava no espelho.

Na realidade, eu passei a evitar olhar para espelhos. Olhar para eles era perigoso, porque eu nunca sabia o que poderia encontrar do outro lado. Dizem que os olhos são as janelas da alma, e isso foi o que eu ouvi durante boa parte da minha infância. Mas, quando eu olhava para os espelhos, também percebia haver ali uma outra janela. Talvez uma que eu não compreendesse de fato o que era, mas que de todas as vezes, me mostrava o reflexo dele ali.

Com tudo isso rondando na minha cabeça, tentei me recompor. Mas as lágrimas foram inevitáveis. Em parte, porque eu me sentia perdido, e em parte, porque Chanyeol talvez não fosse a melhor pessoa para me ajudar naquele momento. Eu teria que aceitar a possibilidade de que talvez eu não teria ajuda de ninguém para sair dessa situação, pois aquela missão era somente minha.

— Baek… conversa comigo cara, você está me assustando.

— Chanyeol… o que faria se sentisse que o mundo está prestes a acabar?

Chanyeol me encarou, desconfiado. Ele parecia nervoso, como se estivesse com um mau pressentimento.

— Escuta cara. Eu não sei o que está passando na sua cabeça, mas a gente consegue resolver qualquer coisa, uh? Não se desespere.

Ele não havia entendido. E talvez nem ao menos adiantava que eu fosse explicar.

— Tem algo de errado comigo. Tem alguma coisa errada, que eu não consigo enxergar.

— Do que está falando?

Olhei para ele, tentando afastar os meus pensamentos tormentosos. Eles não iriam ajudar na minha investigação. Eu precisava de respostas.

— Boa tarde senhores, já vão pedir? — um garçom nos interrompeu no meio da conversa.

Olhei para ele, um pouco perdido. Eu não queria pedir, porque não sabia direito quais pizzas eles serviam ali.

— Quero uma calabresa e uma de alho, por favor — Chanyeol disse, sem hesitar.

O garçom olhou para mim, como se apressar, mas no mesmo momento, sorriu largo.

— Ah, você por aqui.

O encarei sem entender.

— Eu te conheço?

O garçom franziu o cenho.

— Ué, não foi você que veio aqui com aquele rapaz serelepe? Quase acabaram com o meu estoque de pizza de abacaxi! Por Deus!

Chanyeol sorriu, achando graça.

— Baekhyun? Ele mal sai de casa. — ele comentou, como se fosse óbvio.

O rapaz negou, determinado em provar que não estava mentindo.

— Não. Ele veio aqui com um rapaz falante. Acabaram com o meu estoque de abacaxi, e depois, ainda fizeram isso aí na minha mesa. — o garçom apontou para os nomes riscados, e quando viu que um dos nomes se fora, franziu o cenho. — Ah… que esquisito. Tenho certeza que tinha visto o nome dele escrito aí, dias atrás.

Dias atrás. Dias atrás, ele estava contando datas? Era a hora de Baekhyun fazer perguntas!

— Quantos dias? Se me permite perguntar.

— Uh… eu tinha acabado de voltar de férias. O que significa que… talvez dias 17 de julho.

17 de julho .

17 de julho, de novo aquela data. Baekhyun pegou as próprias coisas, e saiu imediatamente do restaurante. Pode ouvir Chanyeol gritando o seu nome no fundo, mas ele nem ao menos se virou para falar com o amigo. Quando parou do lado de fora da rua, começou a procurar. Ele deveria estar ali, estava sentindo que ele estava.

— Vamos lá… cadê você? — murmurou, já se sentindo bem maluco por estar ali fazendo aquilo.

Mas não foi enquanto olhei para a maldita faixa de pedestres, que o encontrei. Com a mesma jaqueta jeans, o mesmo cabelo bem cortado, e o mesmo olhar assustado. Os carros pareciam se passar em toda a velocidade, mas nenhum nunca o acertava. Da mesma maneira que eu sempre via ele todos os dias, antes de ir para o trabalho, lá estava ele de novo: invencível entre os carros que passavam por ele como se não existisse limites astrais.

Senti meus braços se arrepiarem quando os olhos deles se trancaram com os meus. Senti o meu corpo pegar fogo e gelar, ao mesmo tempo. Senti como se o tempo não existisse, como se eu tivesse a obrigação de não deixá-lo sumir da minha vista. Mas não fiz nada disso.

— Baekhyun! — Chanyeol gritou, puxando o meu pulso, o que me fez perder o contato visual.

Olhei para Chanyeol, e percebi que ele estava nervoso. Eu nunca tinha visto ele agir daquela maneira antes, mas eu não podia culpá-lo. Eu estava mesmo agindo de uma forma esquisita.

— O que você está fazendo? Será que pode me explicar?

— Qual foi o dia que você se apresentou? O dia do seu show?

Ele me encarou como cansaço.

— 15 de julho. Foi dia 15 de julho, Baek. Caramba, você estava lá! Você sabe disso!

— E o que aconteceu dois dias depois?

— Bem, nós ainda estamos nele né.

Eu o encarei.

— Eu não tenho certeza disso.

— O quê? — Chanyeol gritou, se exaltando — Cara, para com isso! Você está me deixando maluco.

— Escuta, tem todas essas mensagens no meu celular que são de uma pessoa que eu não conheço. Chama-se Do Kyungsoo. Algumas, são do dia 15 de julho, do dia do seu show. Outras, são de hoje, e também do dia 19. E… — eu já ia mostrar o chat do tal Do Kyungsoo, quando no mesmo momento, outra mensagem chegou.

MENSAGEM

Do Kyungsoo: Caramba, como você come!

Do Kyungsoo: Da próxima vez, eu tento pedir mais alguns abacaxis para viagem. Mas não diga pra mim que não gostou da minha inovação de sabor, hein? ;)

Do Kyungsoo: Eu vi bem a sua cara na primeira mordida hahaha

Do Kyungsoo: Você é uma figura, Baek.

Chanyeol encarou o celular, franzindo o cenho. Parecia tão confuso quanto eu.

— Isso é… de agora?

— Sim, acredito que sim.

— Quem é esse cara?

— Esse é o problema Chanyeol. — eu olhei para a tela do celular, percebendo, agora, algumas mensagens ‘minhas’ — Eu não faço ideia.

MENSAGEM

Byun Baekhyun: Infelizmente tenho que admitir que pizza de abacaxi não é tão ruim quanto eu me lembrava.

Byun Baekhyun: Talvez seja porque antes eu não tinha você para me mostrar isso, Do.

Byun Baekhyun: Comer pizza é uma droga sem você.

君の名は。

Era cerca de oito horas da noite quando eu voltei para a casa depois do meu turno no antiquário acabar. Chanyeol havia insistido para que nós comêssemos alguma coisa de jantar, mas eu estava completamente sem fome. Então quando o Sr. Park me disse que eu poderia ir embora, eu fui.

Estava esperando o ônibus naquele momento, procurando em vão a imagem do rapaz moreno da jaqueta jeans nas ruas, nas faixas de pedestre, e em todo e qualquer tipo de espelho ou vidro que refletisse a minha imagem. Mas eu não o achei. Nem mesmo no meu celular, nem mesmo no banheiro do antiquário em que ele havia aparecido mais cedo.

A coisa era que eu gostaria muito de saber quem ele era. Eu já sabia que aquela conexão não era banal e que ela tinha um significado do qual eu não entendia, e muito menos parecia me lembrar. Eu vagava pela vida, sentindo falta de alguma coisa como quem esquece o casaco favorito em uma festa que não se lembra mais do endereço. Eu sabia que o meu casaco existia, eu só não sabia onde exatamente ele se encontrava. E aquilo acabava comigo.

Quando percebi o ônibus parando perto do ponto que eu estava, começou a chover vagarosamente. Era uma chuva fina, daquelas que molhava o rosto como um toque suave. Fiz meu caminho para dentro do carro, e quando fui passar o cartão, foi que eu o vi. Meu coração apertou, e os meus olhos pareciam não saber olhar para outro lugar. Ele estava ali, sentado no penúltimo banco do ônibus, olhando diretamente para mim.

Meu corpo travou, e eu não conseguia me mover. Os olhos deles, cor de avelã escuros, era a única coisa que eu enxergava no corredor prateado do ônibus. Era como se o túnel estivesse naturalmente me chamando para ir até ele, ofuscando tudo ao redor, carregando toda a luz do ambiente somente para ele.

Caminhei devagar até onde o rapaz estava. Na presença dele, eu não sentia a pressa do relógio correndo contra o tempo. Era sempre como se o tempo resolvesse parar, e dar um espaço só para nós dois. Como se todos os segundos andassem para trás enquanto estávamos juntos.

Ele sorriu para mim quando eu sentei do lado dele. Tinha um cigarro nos dedos, e deu uma tragada bem na minha frente quando o ônibus voltou a andar.

— Você… fuma? — perguntei, achando esquisito que fosse permitido fumar no ônibus.

Ele riu baixinho para mim, sarcasticamente, como se fosse óbvio. Ele estava ali do meu lado, fumando em um lugar proibido, e ainda assim era eu quem me sentia tolo por fazer perguntas.

— Você sabe, Baek. Cada vez me surpreendo mais com você.

Franzi os olhos, confuso. Do que ele estava falando?

Ele tirou do bolso um fone de ouvido branco, e me ofereceu o lado esquerdo. Pensei um pouco antes de aceitar, porque aquela situação era um tanto incomum. Parte de mim me sentia tão confortável fazendo isso com ele, como se já tínhamos feito isso várias e várias e várias vezes. Percebi que talvez aquilo fosse algo que deveríamos fazer juntos, por algum motivo que eu não me lembrava.

— Aperta o play. — ele disse, me encarando enquanto baforava a fumaça do cigarro.

Apertei o play, e não fiquei surpreso quando As Flowers Bloom and Fall começou a tocar. O encarei, sem entender o que aquilo queria dizer. Ele continuou me olhando, e fumando. Aquele maldito cigarro, que eu não entendia porque me irritava tanto.

— Você vai morrer, sabia? Se continuar fumando assim.

Ele sorriu largo, tragando mais uma vez.

— Assim como? — disse, antes de apagar a ponta que restou no metal do banco da nossa frente.

Fiquei incomodado com aquilo.

— O que estamos... fazendo aqui? — finalmente perguntei, tentando fazer com que ele falasse.

Era importante que ele falasse, porque eu sabia que parte dele sabia de bem mais coisas do que eu. E se fosse o caso, essa era a hora dele começar a falar.

— Nós não temos muito tempo. — ele disse, tirando algo da mochila.

Só depois percebi que se tratava de uma pizza. Não, a pizza . Ele estava mordendo um pedaço da pizza de abacaxi, a mesma do restaurante que fui com Chanyeol mais cedo. Naquela altura, eu simplesmente desisti de entender. Fiquei apenas olhando o perfil dele, mastigando a pizza com toda a calma do mundo enquanto observava o Sol se pôr no horizonte, através da janela do ônibus.

— Tempo pra quê? — perguntei, sem entender.

Ele deu de ombros, sem dar importância.

— Você sempre odiou os meus cigarros, mas falava que esse era o meu sabor especial. — ele começou a falar, e depois me encarou, incisivo em suas palavras — Talvez seja por isso que a gente não deu certo. O que você acha?

— Você não faz sentido nenhum.

Ele sorriu, dando de ombros.

— Você também não. Talvez seja aí que a gente se completa. — o rapaz apontou pela janela, e eu pude ver que a viagem já estava em um lugar bem longe da cidade. — Estamos andando, uh?

— Mas o que…? Era para eu estar indo pra casa agora! — protestei.

O rapaz sorriu, e mordeu novamente a sua pizza. Ele não estava se importando nem um pouco com as minhas questões ali. Parecia que ele só queria mesmo era falar sobre coisas que eu não entendia. Eu chegava a me questionar se isso tudo era um grande pesadelo, ou se havia alguma coisa real ali.

— Isso aqui… é real?

— Sim, claro que é real. — ele olhou pra mim — Mas apenas na sua cabeça.

Fiquei em silêncio, tentando entender o que aquilo significava. Se era real na minha cabeça, significava que era mesmo um sonho. Ou talvez… algo como isso. Eu estaria sonhando enquanto ele invadia a minha cabeça? Se fosse isso, então, por quê?

— Por que está aqui?

— Você é quem deveria saber, e não eu — ele deu de ombros, mordendo o último pedaço de sua pizza de abacaxi — Talvez eu esteja aqui porque você não quer que eu vá. Não de verdade.

— Eu não entendo.

— Não me surpreende. A sua mente sempre foi um pouco complicada — ele limpou as mãos com um pano que tirou dos bolsos de sua jaqueta jeans. Se despiu também, ficando apenas com a blusa xadrez marrom e branca que vestia por baixo — Você vai ter que decidir, Baekhyun. Não pode manter um vínculo comigo se está tentando me fragmentar de você.

Aquelas palavras me chocaram. Ele estava falando, pela primeira vez, de algo que eu não sabia. A música, acabei percebendo, estava em repeat no fone de ouvido. Parecia que um combo de memórias estava lutando para permanecer dentro de mim naquele momento. Memórias sobre momentos como aquele no ônibus, sobre o cheiro dos cigarros que ele fumava, e sobre a maneira que ele comia a pizza lambendo o exato polegar direito. Todos aqueles detalhes, não me eram estranhos, mas também não me eram comuns. Era uma lembrança cinza. Eu não sabia se havia inventado, ou se estava ali, experimentando aqueles momentos no agora.

— Eu sinto que a minha cabeça vai explodir. — confessei.

Ele me encarou, sem dizer nada. A música tocava no fundo como uma melodia distante, mas constante. Cada vez mais o ônibus se afastava da cidade, e a paisagem da janela ia mudando para uma área um tanto rural. Senti um sentimento de calma pairar no meu coração naquele momento, como se alguém estivesse o segurando com as próprias mãos.

O rapaz do meu lado voltou a me encarar com seus olhos profundos. Ele sorriu de lado, negando com um aceno desacreditado. Apontou para a janela, mordendo o lábio superior antes de falar:

— Eu não esperava que você fosse nos levar até aqui.

Fiquei confuso com suas palavras, porque eu não sabia o que era aquele lugar. Olhando pela janela, eu podia ver que parecia algo litorâneo. O que não fazia muito sentido, pois a praia estava fechada naquela temporada. Então eu não sabia ao menos como o ônibus tinha autorização para andar por ali.

— Por que estamos aqui? — perguntei, tentando entender.

O rapaz deu de ombros, como se também não soubesse.

— Eu sinceramente achei que você já tinha apagado essa parte também.

— O quê?

Ele apontou para a janela na direção de uma casa amarela, um pouco escondida pelas árvores. O ônibus parou bem em frente a ela, como se ali fosse o próprio ponto da última parada — mas eu sabia que não era.

Ainda estávamos os dois sentados no banco do ônibus como se ninguém quisesse acabar aquele momento. Ele não olhava para mim naquele momento, e nem mesmo eu conseguia encarar algo que não fosse aquela casa amarela, de janelas alaranjadas e cheia de árvores no quintal. Era como encarar uma pintura daquelas que você sempre sonhou ver na galeria, mas que de repente, não se parecia nada como você imaginou na vida real.

Se é que aquilo realmente fosse real.

— Essa foi uma das melhores épocas da minha vida — O moreno disse, sussurrando sem me encarar.

Eu não disse nada, porque as palavras seriam banais naquele momento. O sentimento era único, e talvez tivesse a ver com despedida. Pois ao mesmo tempo que eu parecia estar revisitando partes perdidas de mim mesmo, me sentia também me segurando em todas elas. Como um paradoxo, de tudo o que restava de mim. E parte desse paradoxo, tinha a ver com ele.

— O que aconteceu aqui? — perguntei, sentindo um tipo de nostalgia estranha me assolar enquanto olhava para a casa.

A música ainda tocava nos fones que dividíamos, mas estava cada vez mais distante de se ouvir. Quando o rapaz finalmente olhou pra mim, com os olhos vermelhos de quem segurava o coração dentro do peito, parecia prestes a explodir em lágrimas. Ele estava com uma tristeza tão grande, que eu mesmo pude me sentir triste apenas por olhá-lo assim.

Talvez nós dois fossemos mesmo explodir, a qualquer momento. Talvez fosse por isso que ele me levou até ali, para que pudéssemos de alguma forma nos encontrar de novo. Talvez ele quisesse fazer com que eu não me prolongasse naquela busca infinita sobre algo que eu não conhecia.

— B-baek… — ele deixou algumas lágrimas caírem. Tinham o peso de mil amores despedaçados, eu pude sentir.

— O que aconteceu conosco? — o questionei, já imaginando que era disso que se tratava.

Ele acenou com a cabeça, se negando a dizer.

— Eu p-preciso te perguntar uma coisa.

Esperei, mesmo me sentindo triste com aquilo. Na realidade, tristeza não estava nem perto do que eu estava sentindo. Eu acreditava que aquilo era maior, maior do que todas aquelas coisas estranhas que estavam acontecendo. Por que era sobre a gente. Eu sabia agora que de alguma forma tudo aquilo se tratava da gente.

— Você pode me perguntar o que quiser. — eu lhe assegurei.

Ele hesitou. Torceu os dedos no próprio colo, e o nervosismo corrompendo seus próprios sentidos. Eu podia ver o quanto a situação o afetava. Mas eu não conseguia alcança-lo. Eu não conseguia confortá-lo, ou dizer que tudo ficaria bem. Porque a verdade era que eu não fazia ideia de como tudo aquilo acabaria.

Eu já não conseguia ouvir nada que não fosse o som da sua voz grossa sussurrada, quando ele disse:

— Qual parte de mim você manteve aí dentro?

O olhar dele me dizia que aquela pergunta era importante. Mais importante do que tudo que ele já havia me dito, desde quando eu o vi pela primeira vez, parado na faixa de pedestres. Mas infelizmente, eu já sabia qual era a minha resposta.

— Nenhuma — respondi com sinceridade — Eu não me lembro de você.

Ele ficou me encarando, deixando as lágrimas caírem. Olhei pra ele, sentindo parte da minha mão formigar. Estava achando a sensação esquisita, mas quando olhei para baixo, percebi o fio vermelho ali novamente. Estava diferente da última vez. O cordão parecia estar um pouco mais apagado, e brilhando como um holograma de televisão. Fiquei confuso, e com o coração apertado. Eu não queria que aquilo acontecesse, mas não tinha nada que eu pudesse fazer.

— Você… — eu disse, desviando o meu olhar para ele — Qual o seu nome?

Ele travou seus olhos castanhos com os meus, e moveu a mão até o meu coração. Pousou-a em cima do meu uniforme de trabalho, e desenhou as letras com as pontas dos dedos. Eu senti Do ser desenhado devagar, enquanto o meu coração também batia mais rápido. Em seguida, seus dedos fizeram o sinal de Kyung, e por último, Soo.

Do Kyungsoo. Esse era o nome dele. Era o que eu havia procurado por todo esse tempo, o que estava faltando dentro de mim, e o que também estava se fragmentando enquanto corria o relógio.

Olhando para mim novamente, ele segurou as minhas mãos. As mãos deles, frias em contraste com a quentura das minhas, pareciam não conseguir me segurar. O toque não era real, não era daquela dimensão. Fiquei assustado quando percebi isso. Muito assustado. Ele estava ou não ali? De onde ele era?

— Por favor — ele implorou, desesperado — Por favor, por favor, não se esqueça de mim. Não se esqueça de mim, Baek.

— Eu não quero. Me faça lembrar, Kyungsoo. Me faça lembrar de você.

Ele negou com um aceno.

— Tomamos uma péssima decisão, Baek. Eu me arrependo. Me arrependo tanto, que… — ele chorou, tomando as próprias dores na solidão que eu não conseguia alcançar — Me perdoe. Me perdoe por ter feito isso com a gente. E-eu… juro que não queria. Me desculpe mesmo.

— Kyungsoo…

— Você não vai lembrar de mim quando acordar — ele disse, olhando para mim como se tivesse perdido uma guerra — Não vai se lembrar de mim, nem que eu tente deixar meus fragmentos em você.

— Por quê?

— Porque foi assim que pedimos — ele suspirou, ainda segurando sua mão nas minhas — Não sei o quanto de nós você ainda tem para apagar. Mas vou tentar estar em todos eles. Vou lutar pela gente, Baek. De alguma forma, se eu achar uma brecha, vou fazer com que a gente se lembre quando acordar.

— E se não der certo?

Ele negou com um aceno, como se nem ao menos quisesse pensar naquela possibilidade. Eu, por outro lado, já não sentia que seria tão fácil. A minha mente lutava contra a ideia de perder os fragmentos dele, mesmo que, aparentemente, fosse eu que havia escolhido assim. Eu só não sabia o porquê.

— Se você ainda quiser me dar uma chance, Baek. Se ainda acha que pode me perdoar… então ainda podemos nos encontrar.

— Onde?

— Deixe o fio te guiar, e eu prometo que você vai me encontrar.

Olhei para o fio novamente, já perdendo a vivacidade da cor vermelha. Eu sabia que pela lenda, nenhuma força do universo poderia quebrá-lo. Fosse o tempo, as condições, o distanciamento ou a amargura; nada poderia fazer com que o frio quebrasse quando duas almas eram interligadas. Então talvez isso funcionasse pra gente também.

Mas quando meu olhar voltou para Kyungsoo novamente, ele havia sumido. Deixou pra trás somente o fone de ouvido, que ainda tocava a mesma música que ele havia dividido comigo por todo aquele caminho. Se aquilo tinha algum significado, eu não me lembrava. E por não lembrar, é que tornava tudo mais doloroso.

Resolvi me mover, e caminhei do banco até a porta do ônibus, que se abriu imediatamente. Respirei fundo antes de descer as escadas de metal, e tocar o chão de concreto com os meus sapatos. O clima havia mudado instantaneamente para o verão, com sol quente e uma brisa que se sentia morna na pele.

Aquilo me fez sorrir, porque eu sentia a familiaridade do local. O problema era que eu não me lembrava de fato o que tudo aquilo tinha a ver com Do Kyungsoo. Eu nem sequer me lembrava do nome dele, ou de quando havia nos conhecido, ou se ele era alguém mais importante.

Tudo o que eu tinha de Do Kyungsoo eram memórias fragmentadas, sentimentos confusos, e uma casa de verão. E aquilo deveria ser o suficiente para me fazer encontrá-lo novamente.

Dei um passo em direção da casa, determinado a ir em frente com aquela história. Mais uma vez, senti um formigamento no mindinho, e não precisei checar para saber se o fio estava ali; pois quando ergui o braço, pude ver que ele estava atravessando a porta de madeira da casa.

Então me lembrei do que Kyungsoo me disse mais cedo, sobre seguir o fio vermelho. E foi exatamente o que eu fiz.

君の名は。

A casa, por dentro, era como toda casa de verão: tinha um ventilador logo na entrada para espantar o calor, alguns enfeites de vidro que faziam barulho quando o vento batia, e o cheiro forte do preparo de mariscos no ar vindo da cozinha. O cheiro foi a primeira coisa que me veio como uma lembrança, porque eu sabia que já havia comido algo com aquele tempero antes. Era um sabor especial, diferente da comida que eu estava acostumado na capital.

Na sala, eu podia ver a televisão ligada com algum vídeo game. Tinha uma mesa de centro cheia de louças sujas, e migalhas de uma massa assada que eu logo percebi serem biscoitos. Meus olhos se arregalaram com a lembrança imediata que aquela imagem despertou na minha mente: era Do Kyungsoo na cozinha, rindo enquanto brincava com um bolo de massa nas mãos. Eu estava sujo de farinha e chocolate do seu lado, enquanto ele colocava os biscoitos na forma de assar. Nós dois parecíamos felizes, apaixonados até.

Uma lágrima involuntária desceu do meu olho, molhando a bochecha. Era doloroso lembrar de coisas do passado, porque no mesmo momento que tive aquela lembrança, ela foi embora. Eu não tinha mais o som da risada dele, e o seu rosto estava se tornando uma imagem amorfa na minha mente. Falta pouco, eu percebi. Falta muito pouco.

Segui da sala até a cozinha, porque era para onde o fio vermelho estava apontando. Logo que passei pelo portal, senti o cheiro de baunilha e massa assada. Deveria ser os biscoitos, ou algum resquícios da bagunça feita na cozinha mais cedo. Ele estava ali, mas não era ele em si. Era uma miragem, uma parte dele que ainda não havia sido apagada de mim.

— Baekhyun! — ele disse empolgado, correndo para mostrar os biscoitos para mim —Veja! São chaves de fenda e chapéus, os seus favoritos.

Me aproximei dele, tentando entender sobre o que estava falando. Quando vi os formatos de massa na forma, senti algo acender no meu coração. Era uma memória em que eu lhe dizia sobre biscoitos serem sempre quadrados sem graça, e como eu daria tudo para comer alguns que tivessem formatos esquisitos. E então ele tinha feito. Tinha feito tantos formatos estranhos que eu não conseguia parar de chorar sobre aquilo.

— Você fez — eu consegui lhe dizer.

Ele concordou com um aceno, apontando para todos os outros formatos estranhos.

— Dei o meu melhor, sabia que iria te animar.

Franzi o cenho.

— Me animar sobre o quê?

Kyungsoo sorriu tristemente, fazendo com que o meu próprio coração refletisse essa tristeza. Era grande, como se o mundo estivesse prestes a se demolir parte por parte e ninguém pudesse fazer nada.

— Me desculpe, Baek. Me desculpe. Me desculpe.

Ele repetia as palavras tentando fazer com que elas se tornassem reais. Mas eu não entendia porque ele estava tão preocupado em pedir perdão. Não fazia ideia do que Kyungsoo havia feito para querer tanto que eu lhe perdoasse.

Eu estava prestes a lhe perguntar sobre aquilo, quando vi todo o sol de verão começar a cair para o primeiro momento da tarde como um interruptor apagando uma luz. Olhei pela janela achando estranho que o horizonte caísse tão rápido assim, mas quando voltei com os olhos para a cozinha, me encontrei sozinho novamente. As alucinações estavam ficando cada vez mais complexas de se distinguir e eu tinha a sensação de que o tempo estava correndo feito o próprio relógio.

Os biscoitos ainda estavam sobre a mesa, mas Kyungsoo desaparecera feito um passe de mágica. Chequei meu celular novamente, procurando pela marcação das horas. Abri o aparelho e vi que a data estava brilhando com três anos de antecedência do momento atual. Era 15 de Agosto, verão, o que significava que deveríamos estar de férias escolares. Estranho. As mensagens ainda estavam todas ali, mas nenhuma que fosse da data marcada na tela.

— Que merda é essa…?

Respirei fundo e bloqueei o celular. Não iria pensar mais sobre aquilo, seguir o meu caminho até o fim iria ser a minha escolha dali pra frente. Acabei vasculhando ao redor, percebendo que, realmente, tudo era muito familiar e com um cheiro de saudade. Passei pelas bancadas, lembrando-me dos armários, de bagunças com comida no fim do verão, do cheiro de mar na pele enquanto preparávamos alguma comida para levar até a praia. Foi quando percebi o que tudo aquilo significava: era uma parte do nosso primeiro verão, um dos mais marcantes da nossa história.

Lágrimas brotaram dos meus olhos porque eu já sabia onde deveria ir para encontrá-lo. Não precisaria que ninguém me indicasse o caminho para o coração de Do Kyungsoo, porque eu o sentia por completo. Só nunca tive realmente a oportunidade de conhecê-lo como gostaria.

Mentalizei toda a paisagem da praia do Anmok em Gangneung. Era um lugar um tanto vazio e com muitas casinhas por perto e uma areia um tanto clara. Kyungsoo gostava de lá porque era calmo e distante, quase invisível comparada as praias mais famosas do país — mas verão era verão, então era provável que não estaria tão vazia assim mesmo em meus próprios sonhos.

Com a imagem bem clara em mente, eu abri a porta dos fundos da cozinha. Abri os olhos e senti o cheiro de mar me atingir como um soco. O sol não estava mais em nenhum lugar de ser visto, mas a música era clara: Chanyeol cantava com seu violão enquanto todos dançavam ao redor da fogueira. Kyungsoo estava lá, parecendo esperar por mim. Congelei, porque tudo estava do jeito que tinha acontecido.

Eu me lembrei na mesma hora sobre tudo.

De repente entendi que o que quer que fosse isso aqui, estava acontecendo para me fazer viver todas as minhas memórias de novo. Como se eu pudesse ter o direito de me despedir delas de uma vez por todas.

— Não pode ser… — murmurei, horrorizado — Não, isso não está certo. Não pode ser isso.

Kyungsoo acenou para mim, sorrindo largo em suas roupas de verão com shorts curto e regata verde limão. Senti duas lágrimas grossas descerem pelo meu rosto. Ele estava sendo apagado de mim e eu não conseguia fazer nada para impedir que todas as lembranças me fossem arrancadas a força. Mas o pior de tudo era saber que nós provavelmente fizemos isso com nós mesmos.

Juntos.

—Não… — eu repeti, como se pudesse mudar tudo o que já aconteceu ou iria acontecer.

O Kyungsoo de minhas lembranças sorria para mim, ignorante do fato de que o futuro tinha sido cruel conosco. Nos seus olhos pretos eu via esperança, amor e afeto. Dentro de mim, eu só sentia miséria e o vazio que ele deixou de preencher. O fio brilhava no meu dedo e me obrigava a ir até ele. Me obrigava a levar aquilo até o fim, mas eu não queria. Eu queria parar, eu queria parar, eu queria parar.

— Pare! — eu gritei, com tudo o que tinha enquanto as lágrimas desciam — Pare! Pare! Isso está errado!

Tentei voltar até a porta, mas quando olhei para trás não havia mais nada. A casa tinha sumido, e o ar do verão era tudo o que eu tinha ali. Aquela memória iria ser apagada e era pra isso que eu estava ali.

— Não, por favor, não — sufoquei nas minhas próprias lágrimas, tentando em vão controlar o que já estava feito — Por favor…

Senti minhas pernas fraquejarem até o chão, e meu corpo atingiu a areia da praia no mesmo segundo. Uma dor rasgou o meu peito em dois como se eu pudesse morrer ali mesmo. Era a minha alma, senti. Minha alma gêmea que agora estava sendo rasgada a força de mim.

Era a pior sensação do universo.

— Não! — urrei de dor, tanto física quanto emocional. — Pare! Eu não quero mais! Pare! Pare!

Mas tudo o que eu falava não adiantava. Porque o que estava feito, estava feito. Kyungsoo sumiu como um passe de mágica enquanto eu ainda estava ajoelhado na areia da praia sentindo sua alma ser apagada da minha. Meu peito chorava, meus pulmões tinham falta de ar e a minha alma queimava sozinha na escuridão do universo.

Separar-me de ti será uma das piores dores que você pode me dar , Kyungsoo me disse um dia, quando estávamos deitados na cama depois de descobrir que éramos destinados um ao outro. Foi no mesmo dia que entendi ser apaixonado por ele de uma maneira que mal compreendíamos, mas que bastava sentir. Era um amor tão grande, e tão intenso que parecia um dividido em dois. Como se tivéssemos sido gerados por ele.

Então por que tinha acabado? Qual foi equação que deixamos passar?

Meus olhos ainda choravam enquanto tudo desaparecia bem na minha frente. Eu já não tinha muitas das memórias dos nossos momentos juntos, mas as mais importantes estavam finalmente indo embora. Como se fossem cruciais para fazer o trabalho todo se concluir de uma vez. Mas eu não queria isso, não queria continuar com essa dor. Nada do que Kyungsoo poderia fazer para mim, seria pior que sentir minha alma rasgar-se da dele. Aquela dor era pior, porque era definitiva. Eu sabia agora que se eu deixasse ele partir, nunca mais iria encontrá-lo. Não teria mais opção, seria eterno. E eu não queria viver um eterno em que ele não existisse na minha história.

Reunindo toda coragem que eu possuía, levantei do chão cheio de areia. Bati os joelhos e caminhei rápido até o mar, correndo como se ele fosse o único portal do qual iria me liberar de todos aqueles sonhos confusos. Corri contra a maré salgada, puxando as minhas calças jeans pesada para dentro do mar. Eu chorava, mas queria arrumar um jeito de fazer isso parar imediatamente. Achei que se me forçasse a acordar, de algum jeito as coisas poderiam se resolver. Se eu só pudesse me fazer acordar, então tudo pararia.

Mergulhei no mar mesmo sem saber nadar. Dei sete braçadas, oito, e mais duas, e então me senti perder o controle do próprio corpo em meio as ondas. Mas eu não perdia o ar enquanto ficava debaixo d’água. Era um sonho, então o mais provável é que fosse impossível de se forçar acordar para salvar a minha própria vida.

— Acorda! — gritei na minha própria mente — Acorda! Acorda! Acorda!

Continuei gritando no meio do oceano, enquanto as ondas me jogavam de volta ao mar sem que eu sentisse nada. A natureza levou meu corpo de volta a praia sem que eu precisasse pedir. A sensação de desolação me bateu, e pensei que o mundo estava prestes a acabar.

Chorei enquanto olhava o céu acima de mim, refletindo toda a escuridão que eu sentia. Achei que naquele exato momento poderia começar a chover, mas não foi o que aconteceu. O que aconteceu, foi algo que nem ao menos imaginei: ouvi a voz de Kyungsoo gritando do meu lado.

— Ficou maluco? — ele gritou, parecendo desesperado.

Abri os olhos e me deparei com os dele, deitados na areia perto de mim. Eu deveria estar fazendo algo muito ruim se ele estava me repreendendo com tanta veemência.

— O que está fazendo aqui?

— Baekhyun, caramba, não pode se afogar dentro da simulação. Isso aqui está no limite das dimensões, e se você morrer, pode ser fatal. Nem tudo que se sonha é apenas um sonho.

— Do que é que está falando? Eu não queria me afogar. Estava tentando acordar.

Ele respirou fundo, desviando o olhar do meu. Pareceu convencido de que eu não estava fazendo nenhuma besteira. Kyungsoo era uma incógnita para mim, porque agora com parte das memórias apagadas e a outra parte tentando se despedir, eu conseguia ter uma vaga ideia de quem ele era. Certas atitudes pareciam previsíveis enquanto outras pareciam completamente fora do eixo.

— Eu não entendo você — confessei, ainda encarando o céu sobre a gente.

— Você nunca o fez — ele respondeu — E eu sinto muito por isso. Se eu fosse mais honesto, talvez não estivéssemos nessa situação.

Concordei mesmo sem saber o que ele estava falando. Sentia que, no fundo, era esse enorme hiato entre nós dois que faria a distância ser real. E infinita. Era quase como se nada adiantasse além do que estava realmente perdido. Não tinha volta e nós dois sabíamos disso.

— Nosso tempo acabou — ele disse, olhando para mim com uma sombra de tristeza — Só falta mais um passo para você, mas eu estou indo embora. Para sempre.

— Isso não pode estar certo. Eu não sinto como se pudesse deixar isso acontecer de verdade, sinto como se tudo fosse um grande engano — chorei, desejando que as coisas pudessem se reverter de última hora.

— Baek, babe, por favor. Não tem mais jeito. Vamos ter que ir em frente com isso.

— Mas por quê?

— Você sabe porque…

Neguei com um aceno.

— Não, eu não sei. Não sei porque eu iria querer me separar da minha alma gêmea — confessei, porque era verdade. Pra mim nada daquilo fazia o mínimo do sentido. Olhei para ele, tentando fazer com que ele entendesse o que eu guardava em mim — Kyungsoo… eu amo você. Eu sei que sim, eu sinto que sim. Por favor, não me deixe. Não me deixe sem nada de você.

Ele chorou com as minhas palavras. Vi algumas lágrimas caindo dos olhos dele até as bochechas, e escorrem para fora delas. Ainda tinha amor ali, dava para sentir. O problema era que talvez isso não fosse o suficiente mais, de alguma forma.

— Eu não posso. Mas posso te dar o meu último traço, então você vai ver. Vai entender tudo de uma vez.

— Vou poder te manter pra mim?

Ele concordou tristemente.

— É o único que terá, Baekhyun. A única coisa que se lembrará de mim, será do nosso término. É assim que acontece com almas gêmeas depois que são queimadas.

— Depois do quê?

— É impossível quebrar o fio que nos une, mas ainda conseguimos nos queimar um do outro. E mesmo que a lenda não permita que fiquemos desconectados, ainda podemos nos negar a algumas memórias, mas não todas. Podemos escolher qual memória vai ficar, mas a única que você escolheu deixar foi a do nosso término.

E assim que ele disse as palavras, acabei por me lembrar de tudo. De todas as dores, das decisões impulsivas, dos corações valentes e conflituosos… nós éramos como um furacão em meio a tempestade. Mas depois do caos, sempre resta a destruição. E era ali que estávamos agora: em meio aos nossos próprios destroços.

— Isso não é justo — reclamei, mesmo que fosse em vão — Droga, porque me deixou ir em frente com isso? Por que, Kyungsoo? Por que não colocou nenhum juízo na minha cabeça?

— Por que eu concordo com você, Baek — ele simplesmente disse — Você é bom demais para mim e merece mais do que eu falhei em lhe dar. Fui egoísta, mesquinho e um grande babaca com você. Por mais que eu sinta muito por isso, nunca te deixaria preso a alguém que odeia tanto, mesmo esse alguém sendo eu. Mesmo que você seja minha alma gêmea.

Aquelas palavras eram duras de ouvir, mas eu sabia que eram cruamente verdadeiras. Então o perdão era sobre isso, no fim. Ele me pedia perdão por todas as suas falhas, por todas as vezes que ele me fez sangrar. Eu poderia lhe perdoar por isso? Será que teria a capacidade de encontrar algum fragmento em mim que ainda queria lhe dar um perdão? Até que ponto um relacionamento poderia ser salvo de um belo desastre?

Tantas dúvidas, e nenhuma luz para me iluminar.

— Eu ainda quero saber se posso te perdoar — sussurrei, chamando a atenção dele para mim — Preciso descobrir se posso te perdoar, ou se devo seguir em frente sem você. Pode me dar isso? Pode me fazer lembrar de como chegamos até aqui?

Kyungsoo concordou cauteloso. Talvez estivesse nervoso, mas me amava o suficiente para deixar que eu escolhesse o caminho que eu julgasse melhor. Fosse para longe de si ou fosse para a minha própria felicidade.

— Chega mais perto — ele sussurrou, enquanto os lábios buscavam pelos meus. Ele hesitou, tentando decorar cada traço do meu rosto como se fosse a última a vez que nos veríamos (o que, de certa forma, era verdade) — Bê… feche os olhos.

Eu fiz como ele pediu. Senti primeiro os dedos dele invadir a minha pele com um toque. Era tão real, tão quente comparado a outra vez que ele havia me tocado. O sentimento era novo, ou talvez eu me sentisse assim porque sabia que de fato era novo. Porque não éramos mais o Kyungsoo e Baekhyun de três anos atrás, nem o do mês passado.

Éramos Baekhyun e Kyungsoo do agora.

— Eu estou invadindo a sua simulação, Baekhyun. Não sei se consigo implantar meus traços em você, mas vou tentar. Talvez… — ele mordeu o lábio inferior — Terei que usar algo mais… poderoso. Entende?

Eu não entendia, mas concordei mesmo assim. Kyungsoo suspirou, e aproximou seus lábios dos meus logo antes de deixar um selar carinhoso ali. Sorriu e puxou meu corpo na direção dele,

— Funcionou, eu acho — ele disse — Feche os olhos, foque em mim.

Novamente, fiz o que ele pediu. Dessa vez senti a boca dele beijando meu lábio inferior, sugando e abrindo o caminho com a língua enquanto tentava fazer com que eu retomasse todas as memórias que ele ainda tinha de nós dois.

Mas no fundo, parecia que era apenas uma...

君の名は。

Era uma noite chuvosa, e estávamos os dois trancados no meu quarto. Eu encarava a janela desejando profundamente que aquela chuva caísse sobre mim e me lavasse como novo. Queria que tudo aquilo não tivesse acontecido, mas me parecia inútil. Eu não poderia simplesmente apagar Kyungsoo de mim como faziam as outras almas gêmeas. Nós prometemos um ao outro que não chegaríamos a este nível, e que éramos melhores que aquilo. Então, por que eu sentia que isso acabaria sendo inevitável?

— Por favor, diga alguma coisa — ele sussurrou — Qualquer coisa.

Neguei com um aceno enquanto enxuguei algumas lágrimas. Meu coração estava tão massacrado que eu não tinha forças para fazer com que nada daquilo pudesse simplesmente se resolver como um passe de mágica.

— Eu não consigo — murmurei — Eu não tenho nada para te dizer.

— Baekhyun… eu não queria ter que ir embora assim, mas—

— Mas o quê? — gritei, me exaltando com a falta de honestidade dele — Você sempre esconde coisas de mim, não me dá confiança. E agora simplesmente iria embora sem me dizer nada? Que tipo de relação acha que temos, Kyungsoo?

Ele apenas me encarou, um tanto chocado. Seus lábios fartos estavam entreabertos, buscando por ar e um pouco de compreensão. O que era ridículo, porque se ele realmente me conhecesse saberia exatamente o que dizer para melhorar a situação.

— Eu te amo — ele disse, errando mais uma vez.

Eu te amo não é um pedido de desculpas. Era egoísta, possessivo, e focava no Eu. Eu, eu, eu, parecia que tudo com ele seria assim.

— Cala a boca. Eu não quero ouvir isso agora — enxuguei parte das lágrimas com as costas do suéter preto de lã. A chuva batia tão forte na janela, que pensei estar chovendo granizos do céu — Você mentiu para mim, mentiu mais uma vez, e está mentindo de novo. Quando você vai me dizer qualquer coisa que não seja uma mentira? Você tem noção do quanto dói em mim não saber absolutamente nada sobre a sua vida, e ter que ouvir pelos outros que você se alistou sem ao menos me avisar? Eu sinto que nem ao menos sei quem você é, Kyungsoo. Eu me apaixonei por um fantasma.

— Por favor, não diga isso, babe.

Os olhos dele imploravam pra mim algo que eu não sabia se conseguia dar: compreensão. Já fazia tanto tempo que estávamos nessa dança, que as coisas entre nós tinham mudado da água para o vinho. Eu não reconhecia mais a minha própria metade.

— Eu odeio você por esconder tudo de mim. Você não me ama, e só quer alguém que prometa lidar com todas as suas merdas enquanto você não lida com ela sozinho. Você não me escuta nunca, eu tenho que gritar toda vez que quero chegar até você. É exaustivo.

— Mas estou bem aqui, cacete, o que mais você quer de mim?

Ele se exalta, me encarando com o espírito irritado. Patético. Somos dois patéticos.

— Você! Eu quero você, droga. Eu quero você e não a sua muralha. Kyungsoo, eu não consigo saber absolutamente nada dos seus sentimentos sobre a gente. Você não me diz o que pensa do seu futuro, não me conta sobre o que espera de mim. Eu estou farto de tudo isso. Estou farto de ter que adivinhar todas as coisas porque você simplesmente me deixa no escuro.

Ele negou com um aceno, como se eu tivesse falando um absurdo.

— Você está maluco.

— Não estou não. Seu problema com bebidas foi escondido de mim durante meses. A primeira vez que eu soube sobre isso, foi porque você estava na porra de um hospital! Você disse que estava com problemas de dinheiro e pediu ajuda para um ex namorado. Tem noção do quanto essas coisas me machucam? Parece que eu sou um fantasma na sua vida, sendo que somos um do outro.

— Eu só não quero te envolver nas minhas merdas, Baek, droga! Você não entende? Eu quero dar apenas o meu melhor pra você. Acha que não fico triste de saber que a minha alma gêmea é bem melhor do que eu? Eu preferia que fossemos dois fudidos, e talvez isso tudo fosse bem mais fácil de lidar.

Lágrimas desceram pelo meu rosto com aquelas palavras. Eu já estava entendendo tudo o que ele queria e, pelo jeito, não me envolveria. Ele queria alguém com quem pudesse se identificar. Eu não era esse alguém mais.

— É isso, não é? Você quer alguém que seja diferente. Alguém que não sou eu.

Ele negou com um aceno veemente. Levantou-se da minha cama onde estava sentado, e passou as mãos pela cabeça enquanto tentava se acalmar.

— Isso é frustrante pra caralho.

— Você acha que eu não sei?

— Não! Você não sabe! Porque eu tô horas gritando no seu ouvido que eu te amo, mas você ainda insiste em querer se sujar comigo. Foda-se, Baekhyun. Isso não vai acontecer. Eu não quero que veja esse meu lado.

— Você fez sua escolha então — eu digo, cruzando os braços enquanto o encaro — Estamos terminados. Você pode sair pela porta, e ir atrás de alguém que mereça a sua confiança.

Ele me olha como se eu tivesse lhe dado um tiro. E talvez eu estivesse, e também estivesse feliz com aquilo. Talvez eu também quisesse vê-lo sangrar dessa vez.

— Baekhyun… por favor. Não é disso que se trata e você não está pensando direito.

— Não, pelo contrário. É a primeira vez que eu penso com clareza desde que eu te conheci. Vai embora daqui! Eu não quero mais ver a sua cara.

— Babe, por favor, não diga isso pra mim.

Neguei com a cabeça, segurando cada batida do meu coração que eu não queria dar para ele mais.

— Eu quero passar pelo apagamento. Eu não quero mais isso aqui, essa perturbação. Quero sentir que mereço a confiança de quem está do meu lado, não quero um mentiroso compulsivo.

Ele caminhou até mim, fazendo menção de me tocar, mas fiz questão de me esquivar. Não queria o toque dele naquele momento, seria demais para mim. Eu queria ele longe, o mais longe possível para que não me magoasse mais.

— Não faça isso com a gente, Baekhyun. Por favor, por favor, tente entender o meu lado. Eu te amo tanto, sou louco p-por você — ele começou a chorar em meio as palavras, mas ainda mantinha sua distância de mim — Bae, eu sinto muito por ser tão ferrado. Eu quero melhorar pra você. Quero ser alguém melhor, que mereça o seu bom coração.

— Como posso confiar em qualquer coisa que está me dizendo agora? — sussurro, dessa vez o encarando para exigir uma resposta.

Ele limpa as próprias lágrimas, mas fica em silêncio. Ele não pode me prometer nada, porque sabe que não vai conseguir mudar. A bebida ainda vai entrar, os remédios vão sair, e ele vai continuar sendo capacho do ex-namorado que o segura por dinheiro. E eu? Serei sempre a segunda, terceira ou quarta opção da lista.

— Eu quero que você vá, agora. Mando para você o endereço da clínica quando for o momento certo. Estamos terminados.

— Baekhyun… por favor, eu te imploro, não faça isso com a gente.

— Já está feito — digo, firmando a minha decisão sobre aquilo — Eu quero esquecer que um dia eu conheci você.

君の名は。

Kyungsoo partiu o beijo em meio as lágrimas de nós dois, subindo os lábios até a minha testa. Beijou ali com um suspiro esgotado enquanto esperava para que eu voltasse em mim mesmo. Meus olhos ainda estavam fechados, porque eu sentia a dor da verdade pesar nos meus ombros. Nós tínhamos terminado por um motivo plausível, e isso deixava dúvidas em mim sobre o que fazer a partir dali.

Silêncio preenchia o vazio entre nós. Nossos corpos ainda estavam juntos, mas as mentes já estavam prestes a acordar. O mundo que tentamos destruir iria ser apagado de vez, e quando eu acordasse não iria me lembrar mais de nada além da última vez que nos vimos.

Eu sei que desculpas nunca seriam o suficientes, Baek, mas eu gostaria de afirmar que eu realmente sinto muito.

Concordei com um aceno de cabeça. Eu também sentia muito, sentia muito pela nossa própria imaturidade. Era tudo tão claro agora que parecia como uma outra vida sendo deixada para trás.

O sol de repente se abriu naquela praia de memórias, e nós dois sentamos para ver o sistema ser desligado. Estávamos no meio do limite entre os mundos, em que a simulação de alguma forma teve abertura para que Kyungsoo pudesse me invadir. Eu não fazia ideia que almas gêmeas conseguiam perambular pela mente uma da outra, mas fazia agora todo sentido. Se Do Kyungsoo tinha o meu coração, era natural que pudesse ter a minha mente também.

Eu quero dizer algo… — Kyungsoo começou a falar olhando para o horizonte — Você foi a melhor pessoa que eu já conheci, Byun Baekhyun. E eu sinto muito que as coisas entre nós se desviaram desse jeito. Mas… eu acredito que, talvez numa outra vida, podemos fazer isso tudo funcionar.

Eu o encarei e vi a sinceridade brilhar pela primeira vez em seus olhos. Havia tanta mágoa entre a gente que fora magicamente apagada, que era difícil para mim lembrar os motivos de termos chegado até ali. Mas eu já tinha passado por coisas o suficiente para entender que nem sempre a sua alma gêmea vai ser a melhor opção para a sua vida. As vezes é preciso escolher entre o que te faz bem e o que não se pode mudar.

— Em uma outra vida, quem sabe… — hesitei, percebendo que algumas partes do cenário já estavam sendo fragmentadas para de perder na minha mente — Não temos mais tempo agora.

Kyungsoo me encarou, sério. Vestia o mesmo casaco jeans e as mesmas roupas de sempre. Ele me deu a mão e eu apenas a encarei, em dúvida se deveria aceitá-la. Olhando para ele, era fácil ver uma outra pessoa ali. Era fácil querer que as coisas voltassem a ser como antes, e era natural sentir que aquela conexão sempre existiria entre nós — porque era verdade —, mas nem todo amor do mundo dura o suficiente para queimar eternamente.

A nossa hora havia chegado.

Entrelacei meus dedos com os dele e segurei forte na sua mão. Kyungsoo suspirou, e eu vi algumas lágrimas escaparem dos seus olhos. Olhos esses que eu aprendi a amar tão intensamente apenas pela sua magnitude e a capacidade que ele tinha de fechá-los como uma cortina de fumaça. Mas não agora. Agora, estavam límpidos como o céu acima de nós.

— Eu te vejo do outro lado — ele disse, já com a voz soando distante na minha mente.

— Eu te vejo do outro lado — concordei, mesmo sabendo que isso provavelmente era mentira.

Fechamos os olhos ao mesmo tempo e abraçamos juntos a escuridão do desconhecido. Enquanto eu sentia o meu corpo acordar, enxerguei a imagem forte de um fio vermelho queimando em chamas. E depois, nada mais.

Abri os meus olhos de imediato e puxei todo o ar que me faltava para mandar para o pulmão. Eu estava molhado e sem fôlego, como se tivesse acabado de me afogar. Percebi estar num quarto parecido com um hospital, mas cheio de computadores na parede oposta onde eu estava.

Alguém do meu lado começou a dar instruções que eu não entendia. A pessoa vestia um jaleco branco, e pude ler o bordado no bolso dizendo "Red Thread of Delusion" — que em inglês significava algo como Fio vermelho da desilusão. Na hora, entendia que estava numa daquelas clínicas de apagamento de memória.

— Verifiquem o outro imediatamente. Alguma coisa deu errado aqui.

Errado? Meu coração batia forte contra o peito, e alguém colocou um inalador de ar sob a minha face.

— Hey, você está bem? Está conseguindo me ouvir?

Concordei com um aceno, porque tudo aquilo estava me deixando assustado. Eu não sabia porque eu estava onde estava, muito menos o que toda aquela gente gritava como comandos um para o outro.

— O que aconteceu? Onde estou? — perguntei para o suposto médico na minha frente.

Ele me encarou sério. Parecia que iria contar sobre a minha morte, e que eu estava no mundo do além ou algo assim.

— O procedimento teve uma falha. Houve uma invasão de dados que veio da sua outra metade, o que dificultou muito para o software terminar a limpeza. Infelizmente, não conseguimos apagar muita coisa da sua memória e seria um tanto perigoso tentar fazê-lo uma outra vez. — ele fez uma pausa, como se ele mesmo estivesse tentando processar os acontecimentos — Acredito que isso nunca aconteceu antes, nem mesmo entre almas gêmeas. Algo realmente não queria se apagar entre vocês dois.

Nós dois?

— Entre eu e quem?

O médico me encarou, dessa vez voltando o brilho no olhar com alguma espécie de esperança.

— Você não se lembra do nome? Ótimo, ótimo. Ah, isso é perfeito! Um dos traços principais foi apagado, talvez isso seja o suficiente para apagar uma boa parte das memórias.

O encarei sem entender. Memórias? O que isso significava?

— Sobre o que está falando? Devo me preocupar?

Ele negou com um aceno de cabeça.

— Não, não deve. Se você não se lembra, significa que funcionou, então não devemos atrapalhar o processo.

O médico foi até um computador que ficava do lado da minha cama e digitou algumas coisas para a máquina. Ele imprimiu uma espécie de relatório e parecia analisar o que a folha estava lhe dizendo.

— Hum… isso é realmente muito interessante, muito interessante — ele me encarou com um sorriso engraçado — Tens uma alma gêmea e tanto, uh? São praticamente grudados. A dor normalmente não acontece nos procedimentos normais, mas vejo aqui que nada do fio se rompeu. Esse era um das minhas preocupações, pois apagar almas gêmeas é sempre mais perigoso do que casais normais.

— Você… apagou a minha alma gêmea?

Ele negou com um aceno.

— Não, isso não foi possível. O procedimento não funcionou, como eu te disse. Acredito que separar almas gêmeas tão apaixonadas poderia ser um erro fatal para ambos — ele hesitou, olhando um pouco confuso para mim — Chegou a ver o fio vermelho em seus sonhos? Teve algum contato com ele, por mínimo que seja?

Concordei com um aceno.

— Sim, eu vi bastante fios vermelhos. Mesmo agora antes de acordar.

O médico concordou com um aceno, anotando na papelada.

— Certo… é, isso é incomum. Talvez… se quiser mesmo se separar dessa pessoa, vão ter que procurar por algum guia espiritual. Não há nada que a ciência possa fazer por vocês, sinto muito.

— Mas… por quê? Por que acha que não podemos seguir em frente com isso?

Ele deu de ombros.

— Almas gêmeas não funcionam de uma maneira simples. Algumas conexões são fracas, e outras, tão fortes quanto um vulcão em erupção. Toma tudo da gente. As vezes a força do amor consegue ser maior do que as coisas que conhecemos, talvez esse seja o caso de vocês.

— Quer dizer que estamos presos um no outro para sempre?

— Eu não diria presos… apenas, você sabe, conectados. De alguma forma, vocês são muito próximos um do outro. Tão próximos que conseguem sentir um ao outro mesmo quando estão tentando se apagar — o rapaz riu baixinho — Isso é um pouco engraçado. É a primeira vez que isso acontece nessa clínica. Uma conexão tão rara querendo se apagar? Uau… realmente não é todo dia que se vê isso aqui.

Rara? Eu tinha uma alma gêmea que era rara? Eu nem ao menos tinha conhecimento disso. Sabia que almas gêmeas existiam porque isso era comum no mundo em que vivíamos. Mas era menos comum aquelas conexões que vieram de outras vidas, ou aquelas que tinha passado por todas as vidas com uma pessoa só. Pelo jeito, a minha era assim. Estávamos conectados desde o meu primeiro suspiro nessa Terra.

— Isso é tão absurdo — eu disse, tentando entender aquela confusão toda — Eu só lembro de coisas ruins sobre ele, mas nem ao menos sei qual é o nome. Como posso ficar preso com alguém tão miserável?

— Vocês não estão presos, não. Apenas conectados. São coisas diferentes… — o doutor apontou para o computador, mostrando uma série de códigos como se eu fosse entender — Aqui, podemos ver as semelhanças entre vocês e há muitas delas. Alguns caminhos da vida você tem que passar com a sua alma gêmea, para evoluir no plano astral. Mas se vocês vão terminar juntos ou não, isso é uma escolha sua. A espiritualidade nunca obriga ninguém a nada, é ação e reação, causa e consequência. Tudo tende a ao equilíbrio.

Tudo tende ao equilíbrio . Mas será que era verdade? Eu não sentia que a minha outra metade me equilibrava, pelo contrário. Se eu estava tentando apagá-la de mim, era porque dávamos mais certo sozinhos. Algo tinha que ir embora. Eu precisava liberar tudo aquilo de uma vez por todas.

— Obrigado doutor, por tudo. Seguirei daqui em diante da melhor forma, e procurarei por algum especialista no plano espiritual.

O médico concordou com um aceno. Foi até a mesma mesa de antes e assinou a papelada com um carimbo ou três. Ele embalou tudo em um envelope e me deu uma cópia de todo o procedimento da lobotomia. Era o último traço que eu teria da minha alma gêmea comigo. Aquela realização me deixou um pouco triste.

Saltei da cama, e peguei os papéis com as mãos um tanto fracas. Eu precisaria comer quando saísse dali, mas o vazio dentro de mim fazia com que eu quisesse vomitar com a ideia de me alimentar. Será que seria assim dali pra frente?

— Vou deixá-lo se arrumar. Se tiver mais perguntas ou qualquer sintomas dentre algumas horas, ligue para a clínica. Podemos fazer alguns exames e receitar alguma coisa para aliviar o impacto do procedimento. Sinto muitíssimo, Baekhyun. Mesmo.

Concordei com um aceno, porque entendia o que ele queria dizer até demais. Eu também sentia muito. Sentia muito que quem quer que fosse a pessoa do outro lado do fio, estava presa comigo pelo resto de nossas vidas. Mas eu sentia mais ainda por saber que encontrá-la de novo não só seria inevitável, como também uma coisa premeditada.

Porque éramos destinados um ao outro de alguma forma.

君の名は。

15 de Setembro de 2021 às 03:38 0 Denunciar Insira Seguir história
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