nany-carvalho Nany Carvalho

Cinco astronautas viram a Via Láctea se findar quando saíram para uma missão no espaço, sem terem como retornar eles decidem manter a espécie na galáxia vizinha, Andrômeda. O que eles não imaginavam era que já existisse vida por lá.


Ficção científica Distopia Para maiores de 18 apenas. © NanyCarvalho
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De volta para casa

Último contato com a Terra: 12/04/2142 às 14:45 PM


— Quanto ainda temos de suprimentos? — perguntou Ernesto.

O senhor calvo era o mais velho da tripulação espacial do Brasil saída para uma missão na galáxia vizinha, Andrômeda. Ele era o engenheiro aeroespacial da IPAEB, sigla para Instituto de Pesquisas Aeroespaciais Brasileira e comandante da missão Desbravando galáxias V que objetivava investigar a vida em Platinum, um exoplaneta com possibilidade de manter a vida humana.

— Temos o suficiente para um ano — respondeu Romeu.

O homem de cabelos pretosentrou na cabine de comando após ter verificado o armário de mantimentos.

A apreensão era o sentimento que fazia morada no coração de todos. Haviam perdido contato com a Terra há alguns anos. A nave seguia para o espaço rumo a casa mãe até que a conexão foi perdida deixando-os a deriva no universo.

— Consegue ver se estamos na rota certa? — perguntou Nara.

— Nenhum desvio— afirmou Ana Laura.

A mulher visualizava a linha pontilhada no painel.

— Não é possível! Tem que ter havido algum erro! Se estamos na rota por que perdemos contato? — retrucou Ernesto.

O homem de óculos aramados não aceitava a ausência de contato com a Terra. A astrofísica deve ter calculado a rota errada. Não confiava em mulheres para calcularmissões espaciais.

— Ana Laura, calcule a rota de novo — ele pediu.

A mulher revirou os olhos. Já fez o mesmo cálculo mais de duzentas vezes e não havia alteração no resultado.

— Quantas vezes eu vou ter que falar que a porra do cálculo está certo?! Mas que inferno! — ela gritou.

Ana Laura se levantou da cadeira e se posicionou do outro lado da nave. Em pé, mantinha a respiração lenta para não entrar em outra briga com o homem que insistia em dizer que não tinha capacidade de calcular com exatidão uma missão espacial. Se ele ousasse afirmar mais uma vez que a missão só deu errado por estar no comando dos cálculos não hesitaria em dar-lhe um soco na cara.

Silêncio.

Todos se entreolhavam aflitos e nervosos. As discussões estavam se tornando freqüentes. As violências físicas também. Há algumas horas Romeu e Alex saíram no soco por causa de um pacote de biscoito, Ernesto teve que separá-los. O medo de enlouquecerem e matarem um ao outro dentro da nave aumentava conforme os anos iam passando sem chances de encontrarem a Terra.

Ernesto passou a mão entre os fios do cabelo e acendeu um cigarro. Professor em uma universidade federal de Santa Catarina sentia falta de suas pesquisas deixadas nas mãos de seus doutorandos desde que ingressou na missão como astronauta convidado. Não pensou duas vezes em aceitar o convite e abandonou tudo. Até Messias, seu gato de estimação. Sua única companhia nakitnet que morava.

Nara, sentada no chão, colocou a cabeça entre as pernas. Deixou no Brasil marido e filhos. Dois. Caio de nove anos e Marcelo de cinco. Prometeu que voltaria logo com as fotos da viagem. Já estava naquela nave há anos. Nem sabia mais por quantos, talvez, quando regressasse, seus filhos já nem estivessem mais vivos.

A tensão e o cansaço saltavam no rosto de todos. A falta de esperança também apesar de ninguém ter assumido claramente. O silêncio era perturbador. Às vezes um deles se atrevia a jogar no celular ou tentar despistar o tédio com um jogo de tabuleiro, mas nada era capaz de sanar o desespero por terem perdido o contato com a Terra.

Contatos com outras bases espaciais foram tentados, sem resposta. Eles chegaram a parar em uma estação espacial para abastecerem e tentar um contato, novamente, sem resposta. A última coisa que todos se lembram foi de ter dado as informações de localização e um chiado forte interromper a transmissão.

— Tente mais um contato — pediu Alex.

Romeu sentado em uma das cadeiras tocou o botão. Não houve resposta.

— Porra! — Alex proferiu.

Ana Laura ouviu o palavrão desesperado do colega e conteve o choro. Era a mais nova da tripulação. Foi escalada para a missão para substituir Marisa que descobriu uma gravidez um mês antes de viajar.

Experiente com cálculos e formada há mais de vinte anos nunca tinha tido a oportunidade de ir para o espaço. Lembrou-se que ficou feliz com a notícia e contou aos pais em um jantar de família sobre a viagem.

Seu pai, Everton a abraçou demonstrando o seu orgulho em ter uma filha indo para o espaço. Eva, sua mãe, não escondeu a preocupação, estava muito bem trabalhando na Base de Pesquisa Brasileira.

Antes de anunciar sua partida Ana Laura recebeu de sua mãe um terço da virgem Maria para que pudesse protegê-la. Ela segurou o cordão que trazia no pescoço. Sua mãe estava certa em temer que nunca mais voltasse.

Quanta saudade! Saudade do abraço, dos programas que faziam juntas, das novelas que assistiam e até das brigas por ela não ter arrumado um namorado aos 35 anos e ter construído uma família. Sua família se tornou aquela, da nave.

Ana Laura não conteve as lágrimas. Deixou que seu choro saísse compulsivo e permitiu que seu corpo cedesse ao chão frio. Estava fingindo ser forte para não apavorar os amigos já descontrolados. Arrependeu-se por ter aceitado o convite para voar.

Alex se aproximou da mulher de cabelos loiros sentada no chão de metal encostada na lataria.

— Ei! Vai dar tudo certo.

A voz de Alex era de conforto mesmo que Ana Laura não se sentisse confortada.

— Ora! Sem essa conversa! Estamos perdidos nessa imensidão! — ela disse em tom alto.

— Não estamos. Você mesma disse que estamos na rota certa.

— Já éramos para ter chegado.

Nara olhando pelo vidro lateral da nave mantinha os olhos na escuridão.

— Tentamos todos os caminhos? — ela inquiriu, já sabendo a resposta.

— Obrigada por desconfiar da minha capacidade, Nara — Ana Laura respondeu.

A mulher levantou-se e seguiu para o dormitório.

Todos ouviram quando a porta de metal bateu forte.

— Deixa. Ela vai ficar bem — Alex falou.

— O que devemos fazer? — Romeu perguntou.

Ernesto soltou a fumaça do cigarro e respondeu:

— Só seguir até acabar o combustível e esperar pela morte.

Os olhos de Alex se voltaram para o companheiro com os pés esticados sobre o painel.

— Você é um babaca!

Todos se olharam. Ernesto era um professor renomado no campo da astronomia e cosmologia, mas era um babaca. Um pessimista que insistia em dizer que todos morreriam dentro das paredes da nave.

***

A mesa estava vazia. Nara tomava um café fraco que se podia enxergar o outro lado do copo. Precisavam economizar na alimentação. Sobre a superfície de metal algumas fotos espalhadas.

Romeu adentrou vagaroso o espaço que eles chamaram de cozinha. Sempre que Nara se isolava nela enquanto os outros dormiam era porque sentia saudade dos filhos e do marido que deixou no Brasil. Ela sempre falava do quanto eles eram a sua vida.

A mulher de meia idade tinha uma foto de Caio na mão segurando Gorducho, um cachorro maltês de 12 anos de idade. Olhava os dois enquanto bebia o café.

— Ele deve estar um homem — comentou Romeu ao se aproximar.

Nara deu um sorriso e respondeu:

— É.

Ela não tinha muito o que responder. Ele devia estar um homem. Um homem tão bonito quanto o pai.

Romeu puxou a cadeira e sentou-se ao lado da colega.

— Será que escolheu alguma profissão ligada à sua?

— Não sei.

A resposta de Nara saiu pesarosa. Não saber o que aconteceu com os filhos a entristecia.

— Gostaria que tivesse escolhido?

Nara colocou a xícara sobre a mesa.

— Gostaria que fosse feliz. Às vezes eu penso se eles tiveram filhos, família, uma boa formação. Se desistiram ou se ainda me esperam com fotos do espaço. Penso tantas coisas.

Os olhos de Nara marearam com as perguntas sem respostas.

— Aposto que eles ainda te esperam — confortou Romeu.

Nara sorriu e fitou o colega.

— O que será o que aconteceu? Por que não conseguimos voltar? Estamos na rota e está tudo funcionando bem. Não entendo.

O comentário de Nara sou diferente. Como se estivesse pensando em algo que não podia dizer.

— No que está pensando?

Nara desviou o olhar para a foto do Marcelo. Responder a pergunta de Romeu poderia causar mais uma confusão na nave com risco de alguém sair ferido.

— Em nada.

Romeu tocou o rosto da amiga obrigando a encará-lo.

— Vai tentar me enganar?

Ela sorriu envergonhada.

— São bobagens. Penso que alguém pode ter mudado os dados no painel para que ficássemos perdidos de propósito.

Romeu deu uma risada.

— Viu muito filme de espaço e já está pensando em uma conspiração?

— Não. Penso que tudo isso é vida real — ela respondeu.

Romeu encarou Nara. A colega não especularia se não estivesse pensando de verdade em uma conspiração.

— Você checou os painéis — ele afirmou.

Nara riu e afirmou com a cabeça.

— Sua doida! Achou alguma coisa?

— Queria, mas não encontrei nada — ela respondeu em um suspiro entristecido.

Romeu sustentou o silêncio por alguns segundos.

Nara tomou o resto de café que havia na xícara.

— Suspeitava de alguém?

Os olhos de Nara encararam os escuros do companheiro. Pensou para responder.

— Não pensei em ninguém em específico. Apenas no fato em si. Acho que era uma tentativa de me consolar e de buscar uma resposta que justificasse isso tudo.

A resposta dada Nara não convenceu Romeu, mas ele preferiu não questionar mais.

— Eu vou me deitar — ele disse.

— Boa noite. Ou boa tarde, eu não sei.

— Talvez seja melhor um bom sono.

— É.

Romeu saiu.

Nara olhou as fotos dos filhos. 20 anos afastada deles. 20 anos sem a presença do marido. Será que ainda tinha um marido? Ela mantinha a aliança no dedo, mas e ele?

***

Um o som de um plim batendo no metal da nave espacial percorria a cabine onde Ana Laura e Alex estavam. Ernesto já estava batucando há pelo menos meia hora.

— Pára com esse barulho infernal! — Ana Laura disse com a voz alta.

Ernesto soltou o ferro em um semblante irritado. Voltou-se para a loira encostada em um dos balcões da cabine.

— E se eu não parar?

O barulho de algo caindo sobre o balcão soou pela cabine quando Ana Laura agarrou Ernesto pelo colarinho e com sua força o jogou sobre o metal fazendo com que caíssem alguns materiais depositados sobre ele.

— Eu te quebro a cara! — ela gritou.

Alex mantinha os olhos no painel na tentativa de encontrar algo que pudesse sinalizar a Via Láctea na imensidão escura. O som estridente o fez levantar da cadeira e puxar Ana Laura prestes a dar um soco no rosto do colega de trabalho.

A mulher afastou-se do contato corporal com Ernesto com o coração aos pulos e as mãos tremendo. Seus olhos tocaram o pequeno corredor que a levava até a cozinha e aos quartos de dormir. Levou as mãos no rosto e fechou os olhos buscando oxigênio para acalmar a sua respiração ofegante.

— Estamos todos trancafiados e nervosos — Alex falou. — Vamos tentar manter a calma.

Ele voltou-se para o colega deitado sobre o balcão.

— Ernesto se segura.

— Se segura. Se segura — o senhor imitou ajeitando a gola no pescoço. — É só o que você sabe dizer?

Alex sentou-se novamente na cadeira e monitorou o painel.

Ernesto fitou a mulher loira que quase lhe arrebentou a cara. Ela estava de costas e de olhos fechados, puxava a respiração. Ele soltou um sorrisinho de canto de lábio e acendeu um cigarro.

— Ei, pessoal! Vejam isso — Alex falou.

Sua voz contemplou um tom amedrontado.

Ana Laura e Ernesto se aproximaram da cadeira e observaram o painel.

— Que porra é essa?! — Ernesto perguntou incrédulo.

No vidro a frente uma pequena bola branca era vista na escuridão longínqua.

— Puta que pariu!— falou Ana Laura.

A mulher sentou-se outra cadeira ao lado de Alex e aproximou a imagem.

— O que foi? — Ernesto perguntou.

Ele colocou os óculos na ponta do nariz para que pudesse enxergar com nitidez. Sua vista já não funcionava bem há anos.

— Espera — Ana Laura respondeu.

Seus olhos eram atentos a figura que via. O coração saltitava de ansiedade. Não podia estar vendo o que acreditava estar diante de seu olhar.

— É o sol! — ela disse incrédula.

Ernesto paralisou o movimento de levar o cigarro a boca no momento em que ouviu a colega se referir a bola de fogo.

— Como assim?! — ele questionou.

Ana Laura mantinha os olhos arregalados e a face sem expressão.

— Chamem a Nara e o Romeu.

Sua fala nunca saiu com tanta dificuldade. Seus olhos colados no painel enquanto a nave seguia rumo a escuridão a deixava desesperada.

Alex apertou o botão vermelho e imediatamente o alarme soou pela nave em um barulho ensurdecedor. Era uma sensação horrorosa quando alguém o tocava. Sempre que apertado era uma notícia ruim.

— O que aconteceu? — Nara perguntou ajeitando a camisola nos ombros.

— O que nunca imaginávamos que aconteceria enquanto tivéssemos vida — Ana Laura respondeu sem tirar os olhos do painel.

A mulher de cabelos vermelhos até os ombros aproximou-se da colega. O sono a impedia de visualizar a bola brilhante que piscava no monitor.

— O que? — ela perguntou.

— O sol engoliu os planetas — Ana Laura respondeu.

Sua voz saiu sem expressão. Estava atônica e mal conseguia se movimentar na cadeira. Seus olhos estavam estatelados no monitor.

Romeu gargalhou.

— Isso é impossível!

Nara arregalou os olhos e encarou a imagem a sua frente. Sim. Não era uma piada ou uma impressão. A Via Láctea havia se findado. O sol havia se tornado uma gigante vermelha e engolido os planetas como Ana Laura colocou.

— Pai amado! — ela exclamou.

— Isso quer dizer que estamos há mais de cinco bilhões de anos aqui?

A pergunta de Romeu foi desnorteadora.

7 de Março de 2021 às 18:31 0 Denunciar Insira Seguir história
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