Em questão de poucos dias o céu escureceu. Não era mais possível separar o dia da noite, porém, a vida seguia. A cada instante o número de pessoas na rua era menor, as prateleiras dos mercados da região foram ficando vazias e as frutas apodreciam rapidamente. Vi muitos filmes em que as coisas mudavam de repente e resolvi fazer um pequeno estoque de alimentos em casa.
Fui ao mercado mais próximo, não havia ninguém. Peguei sachê e ração para os gatos. Doritos, cebola, abacate, congelados, sucos e outras bobagens pra mim. Já que o mundo parecia estar chegando ao fim, eu não ia perder tempo realmente cozinhando. Até pensei em fazer o trajeto pra casa de forma lenta, sentindo o ar entrando em meus pulmões e saindo vagarosamente pela minha boca. Mas era impossível, meu nariz estava sempre trancado, o ar havia mudado e não era apenas culpa da poluição já conhecida. Achei melhor me apressar.
Pela primeira vez observei cada detalhe do prédio onde eu morava há tantos anos. A cor dele era um tom de cinza fosco, nada atrativo, e combinava com os dias fúnebres que seriam frequentes dali pra frente. A chave sempre enroscava na hora de abrir o portão, detestável. A grama do pequeno pátio já não era verde e pedras estavam espalhadas pela calçada. As caixas de correspondências transbordavam propagandas políticas. Subi pelas escadas até meu apartamento. Alimentei os gatos, guardei as compras e estava pronta para fazer guacamole. Esqueci de pegar tomate no mercado e não voltaria lá. Peguei emprestado com uma vizinha, que parecia abatida e ao perceber meu olhar de curiosidade, fechou a porta na minha cara. Pelo menos agora eu tinha um tomate e fiz meu precioso guacamole, ficou bem melhor que os anteriores. Terminei um livro do Harlan Coben e fui dormir.
Acordei ouvindo um barulho estranho no banheiro. O barulho vinha dos meus gatos estraçalhando um pequeno pássaro que entrou ali e não achou a saída. Eles estavam com uma aparência diabólica, por um momento tive medo, mas ao me ver no espelho percebi que eu tinha a mesma aparência de morto-vivo deles. Ainda não sei como aconteceu, me tornei uma das pessoas que sumiu das ruas.
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