Aqui estou eu, em meu quarto olhando a janela, enquanto todos dormem.
Cheguei atrasado, os estrondos e gritos de alegria acordando todos dessa cidade esquecida do Paraná. O tempo nublado e a névoa da noite atrapalha um pouco minha visão - já ruim com algumas árvores. Mas pelo menos moro numa rua alta. Ainda posso ver os fogos daqui.
Apaguei todas as luzes, abri as cortinas e me apoiei na parede, olhando para o céu nublado. Um rojão daqui, outro ali, estalinhos pulando na rua pra assustar alguém. Claro que nesse bairro jamais haveriam fogos de verdade, a não ser cinco ou seis no máximo, em quase uma hora de frenesi sonoro. Aqui não é a Cidade dos Lagos. Seria esperar demais.
E eu os perdi. Perdi a virada, que era quando eles soltavam os especiais. Os únicos.
Fiquei emburrado na hora, entediado e até incomodado por aqueles impostores tão inferiores, que só servem pra um brilho de milésimos e um estrondo de tiro - isso quando não são tiros mesmo, nessa noite eles meio que não ligam em dar uns tiro pra cima também.
Mesmo com a barulheira, enquanto tentava focar num bairro vizinho e tentar falhar algo com um mínimo de cor, eu os escutei.
Risos de criança. Comemorações. Do outro lado da rua.
No início senti prazer, contagiado pelos risos e alegria alheia. Mas cometi o erro - ou bênção - de tentar me lembrar de outros anos, de outras vezes que ri.
E não me lembrei de nenhum.
Revirei cada centímetro de minha memória, procurando qualquer coisa. Mas havia apenas vazio. Isso não é nenhuma simbologia, metáfora ou poesia. Foi exatamente o que senti - tão vazio quanto aqueles rojões.
Rojões não são bonitos nem estouram de verdade. Só existem e são usados por serem baratos e divertidos de se soltar - mas claro que se fossem do mesmo preço de um verdadeiro fogo de artifício, nem existiriam. Não possuem cor, luzes verdadeiras que espalha no ar em vários tipos de matizes, e nunca teriam a mesma emoção dos fogos.
Talvez eu seja um rojão, seguindo essa associação bizarra? Bem, quebrei meu raciocínio de sem metáforas, né?
Mas o sentimento foi o mesmo. Verdadeiro. Avassalador. E é a única razão de estar aqui acordado. Mas de que importa?
No final, sou só a pessoa admirando e sorrindo na janela, a imitação ridícula das pessoas alegres lá fora.
Obrigado pela leitura!
Podemos manter o Inkspired gratuitamente exibindo anúncios para nossos visitantes. Por favor, apoie-nos colocando na lista de permissões ou desativando o AdBlocker (bloqueador de publicidade).
Depois de fazer isso, recarregue o site para continuar usando o Inkspired normalmente.