gatinhaliteraria Ana Gabi Vilhena

A verdadeira história por trás da bruxa de João e Maria. Spoiler: não é as crianças que ela come...


Conto Impróprio para crianças menores de 13 anos.

#conto #terror #morte #conto-de-fadas #releitura
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A Bruxa da Floresta

Já faziam mais de 20 anos desde que os gêmeos João e Maria tinham achado a casa de doces da bruxa da floresta. Eles não foram os primeiros nem de longe, mas as lendas cresceram e se solidificaram com eles. Eles também foram os que mais deram dor de cabeça para a bruxa. Uma criança de dez anos já dava trabalho o suficiente, duas então!

Como de costume, a lenda estava errada. A bruxa, para começar, o nome dela é Gertrude e ela gosta bastante dele. Ela não comia as crianças, que tipo de monstro faz isso? Quando elas apareciam na casa dela. Gertrude as adotava. Ela cuidava como se fossem seus deles até que eles tivessem idade o suficiente, os ensinava a ser independentes, a serem boas pessoas, a cuidarem dos outros e, as vezes, os ensinava até um pouco de magia.

O que ela não gostava era de pais que não cuidavam dos próprios filhos. Ela esperava que ver seus filhos sumirem fosse ensinar a lição, mas acabou só servindo para que eles usassem isso para assustar as crianças. “Não vá para a floresta, lá tem uma velha bruxa que vai te comer vivo.” Como se alguma criança desse ouvidos quando dizem pra ela não fazer alguma coisa.

Ela estava cansada desses pais abandonando os próprios filhos e depois botando a culpa nela, como se ela fosse algum tipo de bicho papão. Já que só tirar os filhos não estava tendo o efeito desejado ela teria que pensar em alguma outra coisa...

Seus pensamentos foram interrompidos por gemidinhos baixos e respiraçõeszinhas mais fortes. Isso era sinal de que crianças tinham achado sua casa de doces. Ela se levantou da cadeira de balanço e foi recebê-los. Todavia, quando abriu a porta, sentiu seu coração doer. Na frente da sua casa tinha um ser humaninho tão pequeno pegando pirulitos para outro ser humaninho menor ainda. Eles não deviam ter mais que cinco e dois anos, respectivamente. Quem seria cruel a ponto de abandonar esses dois bebês?

“Boa tarde, crianças!” Ela fez o melhor que pôde para tirar a dor da sua voz.

O menino, que era o mais velho, olhou para ela assustado como se tivesse pego fazendo algo que não devia, já a menina mais nova não parecia saber o que estava acontecendo. Depois de um momento bem curto, o menino começou a chorar e sua irmã o seguiu mesmo sem saber o porquê. “Desculpa.”

“Ah! Não, querido… Não precisa chorar. Doces são para ser comidos mesmo. Vocês gostam de biscoitos? Eu acabei de fazer uma fornada, eles ainda estão quentinhos. Por que vocês não entram?”

Eles sorriram ao ouvir biscoitos e correram para dentro da casa animados. Gertrude fechou a porta ainda mais certa de que devia pensar em alguma forma de impedir pais de abandonarem seus filhos assim.

***

O ar da taverna pesava álcool e gritaria. O que era normal para aquela hora do dia, mas um sujeito em especial botava ainda mais fogo na lenha. Era um cavaleiro desgraçado que voltava para a vila depois de ser expulso do exército do nobre mais próximo. Ele berrava seus infortúnios e injustiças sofridas para todos o que estivessem perto o suficiente para ouvir, mas apesar disso, ele ainda conseguiu ouvir uma história sobre uma criança desaparecida que chamou a sua atenção.

“Que bruxa é essa?” Ele perguntou para dois homens conversando perto do bar.

“A Bruxa da Floresta.” O homem com o filho perdido respondeu meio confuso. Como o cavaleiro não tinha ouvido essa história? “Ela atrai crianças que vão para a floresta com uma casa de doces e depois ela as come.”

“E ninguém nunca tentou impedi-la ?”

“Ninguém sabe onde é a casa dela.”

“Então, isso muda hoje! Vamos achar a casa dela e vamos matá-la!” O cavaleiro virou para a taverna com a caneca levantada, mas os outros homens presentes não se animaram. Com o orgulho ferido e bêbado, ele não se deu por vencido. “Ora, vamos… Ou vocês querem continuar perdendo para uma velha satânica que se alimenta de criancinhas. Não! Dos filhos de vocês! Se vocês não tem filhos o suficiente para sustentar sua terra, é porque ela os comeu! Até quando vocês vão viver na miséria por causa dela? Hoje, nós pomos um ponto final no reino de terror dela. Quem está comigo?” Ele levantou a caneca mais uma vez e, agora, ele ficou satisfeito com a resposta recebida.

***

“Boa noite, meus anjinhos.” Gertrude beijou a testa de cada uma das crianças adormecidas.

Ela encostou a porta com cuidado para não acordar os dois irmãos. E foi para a sala, sentar em sua poltrona. Crianças menores davam ainda mais trabalho. Estava chegando a hora de tomar uma poção de vitalidade de novo. Mas, ela se preocuparia com isso amanhã. Agora ela só queria ficar com as pernas para o alto. Talvez ela desse começar a pensar em uma aprendiz… Afinal não viveria para sempre…

O barulho do lado de fora a deixou em alerta. “Deve ser só uns animais arrumando confusão de novo.” Ela disse para si mesma, mas não acreditou em um palavra. Crianças não apareciam aquela hora e adultos não sabiam onde era a sua casa.

O barulho foi ficando mais alto até que Gertrude finalmente se levantou e foi ver o que estava acontecendo. Demorou um tempo para seus olhos se acostumarem com a escuridão. A princípio, ela não viu nada, mas o barulho foi se aproximando. Então, as árvores na beira da clareira começaram a se mexer.

Aos poucos os homens foram aparecendo e iluminando o lugar com suas tochas. Gertrude reparou principalmente no brilho que vinha dos facões que eles carregavam. O grupo não era muito grande. Entre seis a dez homens pelo que ela conseguia ver. Ela podia estar velha, mas ainda conseguia dar conta. Sua preocupação maior era eles fazerem barulho demais e acordarem as crianças.

“Bruxa!” O cavaleiro começou, usando toda a força dos pulmões. “Nós viemos vingar as crianças que você comeu! Nunca mais você irá você irá aterrorizar nenhuma vila! Se prepare para morrer!”

“Vocês é que não cuidam dos filhos de vocês e eu que sou a culpada?” Ela respondeu, mas não foi ouvida em meio aos gritos de motivação.

A senhora revirou os olhos. Homens… Ela sentiu o cheiro do álcool de longe, o que não melhorava as coisas. O grupo começou a correr na direção dela, mas com um movimento da mão, a bruxa prendeu todos em uma barreira invisível e gosmenta que dificultava a aproximação. Ela suspirou e ficou esperando o primeiro conseguir atravessar.

Quando isso aconteceu, ela não pensou muito… Seus instintos falaram mais alto: ela o mordeu o ombro e arrancou um pedaço. Sem mastigar muito, ela engoliu e voltou a comer o homem até que só sobraram os ossos.

Assustada consigo mesma, ela olhou para a barreira e viu os homens também surpresos. Uma coisa era ouvir histórias sobre uma bruxa canibal, outra coisa completamente diferente era ver uma senhora devorar um homem, Mas essa surpresa foi substituída por raiva e determinação de acabar com ela. Outro homem saiu e mais uma vez os dentes de Gertrute ficaram a mostra.

Um a um, eles atravessavam a barreira de magia pegajosa para serem devorados até os ossos. Depois do último, a senhora voltou para dentro da casa e correu para ver as crianças. Com alívio, ela viu que eles ainda dormiam profundamente. Pelo menos isso… Ela suspirou e voltou para a sala.

Seu estômago reclamou a noite inteira. Fazia muito tempo que ela tinha deixado de comer humanos, então comer vários de uma vez talvez não tivesse sido a melhor ideia. Mas apesar desse incômodo, ela sentiu o poder correndo mais livremente em seu corpo, até sentia o cansaço se esvaindo um pouco. As outras bruxas estavam certas quando disseram para ela que não seria a mesma sem carne humana.

“Talvez…” Ela murmurou… Ela não queria comer humanos sempre, mas talvez essa fosse a solução que estava procurando. Comer os pais das crianças que apareciam em sua casa. É… Se eles começassem a temer pela própria vida, talvez cuidassem melhor de seus filhos.

Meses já haviam se passado desde aquela noite. Não houve nenhum outro incidente como aquele. Gertrude terminava de bater a massa de um bolo enquanto as crianças tiravam a soneca da tarde. O pai deles tinha sido um dos homens no grupo, então depois ela só precisou procurar a mãe.

Uma batida na porta, fez com que seus pelos se arrepiassem. Não podia ser… Se fosse outro grupo atrás da cabeça dela, eles não seriam educados a ponto de bater na porta, não é mesmo? Mesmo assim, ela andou cautelosamente até a entrada e preparada para tudo, ela abriu a porta apenas o suficiente para ver quem estava do lado de fora. Dessa vez, não era um grupo de bêbados convencidos, era uma família. Um casal jovem e três crianças.

“Oi, tia Gertrude. Posso entrar?” O jovem falou com um sorriso.

Aquele sorriso… “João?”

“Em carne e osso.”

“O que você veio fazer aqui?”

“Me deu saudade dessa casa, e meus filhos não acreditaram quando eu contei que eu morei numa casa feita só de doces. Ah! E eu achei que você fosse gostar de conhecê-los.”

A velha bruxa sentiu seu olhos encherem d’água. Nenhum dos seus protegidos tinha feito isso e ela não sabia o quanto ela queria que eles fizessem isso até aquele momento.

“Eu posso pegar uma das balas ou a sua casa vai cair?” Um dos pequenos de João perguntou.

“Claro que pode! Isso vai adoçar a sua boca até o bolo ficar pronto!” Ela abriu mais a porta para que João e a esposa entrassem enquanto os filhos deles corriam pegando doces da casa.

Enquanto conversavam, João contou tudo sobre como tinha sido sua vida desde que ele e Maria foram embora. Ele também garantiu que a irmã também a visitaria, só não foi junto porque seu filho mais novo tinha decidido nascer pouco antes de eles saírem. Ela ouviu todas as histórias com muito gosto e se controlando para não chorar de felicidade. Quando João foi embora, ela teve certeza de que naquela noite tinha tomado a decisão certa para encher o mundo com mais pais como seus protegidos.

26 de Dezembro de 2020 às 16:58 0 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

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